Como e por que me tornei trotskista

terça-feira, 12 de abril de 2016

Daí eu ter concluído que sou apenas um trotiquista. Modesto, mas esforçado

Vivia eu na ilusão de que era um corredor, só porque diariamente dava uns passinhos apressados pelas ruas da cidade. Até já tinha me passado pela cabeça desafiar os quenianos na corrida de São Silvestre. Não por vaidade, mas em defesa dos brios nacionais, anualmente humilhados pelas derrotas que os africanos vêm nos impondo a cada 31 de dezembro. O que me fez desistir foi constatar que eles têm de pernas o que eu tenho de altura. Para altura é pouca coisa, mas para pernas... Andei fazendo uns cálculos e concluí que uma passada queniana corresponde a 30 das minhas. No mais, não creio que levem qualquer vantagem sobre mim.

Assim sendo, só porque corresse como o vento (em dia de calmaria), eu me julgava um corredor. Mas o que não falta neste mundo é estraga-prazeres. Pois não é que um profissional do atletismo se deu ao trabalho de vir me dizer que o que eu faço não é propriamente corrida, mas trote.

A princípio pensei que eu estivesse sendo comparado a um cavalo trotando, o que não é nada lisonjeiro, mesmo que se trate de um cavalo de raça, desses que valem milhões e até fazem as mulheres colocar chapéu na cabeça para ir ao hipódromo. Quase reagi à altura, comparando a esposa do ofensor a algum animal de má fama. Enquanto eu tentava achar um insulto adequado (meu repertório a respeito é bem limitado, graças a Deus), fui informado de que há diversas modalidades de corridas: revezamento, obstáculos, velocidade, e outras que a falta permanente de memória e a falta de fôlego naquele momento não me deixaram gravar.

Em resumo, o que faço tecnicamente se chama trote, e não corrida. Daí eu ter concluído que sou apenas um trotiquista. Modesto, mas esforçado.

Politicamente, nem trotskista sou, nem sou stalinista. O leitor, que ficava no colégio enquanto eu matava as aulas de História para ir ao cinema, sabe melhor do que eu que Stalin e Trotski andaram juntos fazendo a Revolução Russa, mas depois acabaram se desentendendo. 

Stalin era um santo homem. Conta-se em milhões o número de pessoas que ele mandou prematuramente para o céu. Até que um dia enviou um de seus homens ao México, para dar uma martelada na cabeça do antigo companheiro. Em vista disso, também Trotski foi para o céu prematuramente.

A conclusão que tiro de tudo isso é que um trotiquista não é grande coisa, mas ser trotiskista é bem pior.  Se Trotski, ao invés de ser trotskista, fosse trotiquista, poderia ter aproveitado por muito mais tempo suas forçadas férias mexicanas.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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