Comer para passar fome

quarta-feira, 04 de dezembro de 2019

Para comemorar a formatura, foram almoçar num conceituado hotel de nossa cidade. A comida tinha alta fama, grande era a expectativa. Mas, se o estômago batia acelerado pelas doçuras que o esperavam, preocupado batia o coração, porque as contas ali eram sabidamente amargas. De modo que os ricaços saíam com um sorriso na cara e a alma leve, mas os mortais comuns saíam com o semblante abatido, a consciência pesada e conta bancária prejudicada. Mas não é todo dia que se conclui um curso, alunos e professores tinham concordado em viver aquela aventura, com certeza saborosa, ainda que ruinosa.

Para agilizar e economizar, foi feito o mesmo pedido para todos. Não havia necessidade de muita escolha, o que viesse seria um manjar dos deuses, iam comer até ficar tristes, até que a barriga pesada fizesse parecer leve a despesa que se previa. Os garçons se retiraram e poucos minutos depositavam sobre a mesa alguns petiscos. Coisas bonitas, que mais pareciam destinados a enfeitar os pratos do que a alimentar alguém. Mas, tudo bem, depois viria o prato principal e aí seria uma festa. Por ora, era ir beliscando aquelas delícias desconhecidas, de impronunciáveis nomes estrangeiros.

Vinte minutos, trinta minutos se passaram e nada de o tal prato principal dar as caras na mesa. Quarenta minutos, um dos mais famintos se levantou e foi perguntar pelo almoço. “Que almoço?” - Espantou-se o gerente – ”O almoço já foi servido há mais de uma hora!” Em resumo, aquele “engana-fome-enquanto-se-espera” era ao mesmo tempo a entrada e o prato principal, só faltava que fosse também a sobremesa. Todos se olharam com cara de fome e de otário. O garçom fez as contas, alguém contou uns desaforos, mas o jeito foi pagar e sair de fininho.  Quem manda não ter estudado francês, inglês e alemão e aí, sim, saberiam o que estavam pedindo nos restaurantes.

Certos restaurantes brasileiros são coisa para poliglota e para quem faz dieta radical. O freguês, melhor dizendo, o cliente abre o cardápio e se depara com carbonnades, sauerkrauts, bangers and mashes. Não sabe se se assusta mais com os nomes ou com os preços. Visto que não há tradutores disponíveis, o jeito é chamar o garçom mesmo e apontar o dedo para uma daqueles mistérios e dizer firme, como se nunca tivesse comida outra coisa na vida: “Hoje vou querer este aqui!” Depois é só se deliciar com um ensopado de carne, repolho com cebola ou salsicha com purê de batata.

Mas, mesmo quando humildemente servem refeições com nomes em português, o resultado não é muito melhor. É raro que algum prato tenha um nome simples e honesto, que qualquer cidadão alfabetizado possa saber o que estará comendo. Recentemente eu e alguns amigos almoçamos num restaurante e passamos pela experiência de pedir algo que imaginávamos saber de que se tratava e sermos surpreendido com algo inesperado no prato. Não passamos pela vergonha de ir perguntar pelo almoço, deduzimos que aquela rodinha enfeitada de lascas de alface e salpicada de manjericão era o próprio almoço na sua forma nano. Comemos (ou assim nos iludimos), pagamos e fomos pedir batata frita com cerveja no bar do outro lado da rua.

TAGS:

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.