Coisas do Brasil

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

E ainda tem brasileiro que paga pra ver aquilo, quando coisa caindo aos pedaços é o que não falta entre nós

Vocês podem não concordar, mas eu acho que em muitas coisas o Brasil está à frente de outros povos, inclusive dos americanos, que tanto nos invejam e imitam. Por exemplo, é só ver filmes de Hollywood para saber como por lá os bandidos escapam da cadeia. Em Fuga de Alcatraz, Clint Eastwood dá um duro danado para abrir um buraco na parede, subir pelos canos e atirar-se no mar. O corpo nunca foi achado, embora seja certo que Clint escapou nadando, tanto que apareceu em muitos outros filmes depois. Fuga de Alcatraz foi tão bom que, de vergonha, as autoridades fecharam o presídio. Em Pappillon, Steve McQueen, mesmo tendo de passar dois anos na solitária para cada tentativa, não desistia de fugir. Conseguiu, mas penou igual a um condenado. 

Enfim, fugir de prisão americana, só com muito trabalho. Nos faroestes, às vezes um comparsa amarra uma corda na grade da cela e, com a ajuda do indefectível cavalo (principal personagem de todo bom faroeste), tira de lá seu companheiro de crimes e cavalgadas. Mas, mesmo assim, sempre um ajudante do xerife tenta recuperar o fugitivo e acaba estirado no chão poeirento, para tristeza geral da cidade e sobretudo da noiva, que, não se sabe saindo de onde, entra em cena chorando.

Resumindo, tudo com denodado esforço, grande cansaço e, às vezes, algumas mortes. Já no Brasil estamos muito, muito mais adiantados. Nossos bandidos, quando enjoam da prisão, saem civilizadamente pela porta da frente. Esta semana mesmo ocorreram dois casos. No primeiro, infelizmente, foi necessário arrombar uma parede, mas não havia melhor solução, visto que 111 homens precisavam ir embora e não era justo que perdessem tempo saindo um por um pela porta estreita. No segundo, deu-se que o porteiro estava bêbado e deixou a chave cair dentro da cela. Gentilmente, os presos apanharam a chave e partiram, tudo isso sem incomodar o zeloso guardião, que, nesse meio tempo, dormia no chão do corredor.

Outra demonstração do bom procedimento dos nossos apenados, como são chamados por advogados e juízes, é permanecer na prisão, de lá mesmo administrando seus negócios e educando os filhos (para o mundo do crime, naturalmente). Considerando bem, é uma boa solução, porque ficam protegidos dos inimigos que possam ter lá fora e desfrutam de certos confortos, tais como receber mulheres nas tais “visitas íntimas” (não preciso dizer para quê, o nome diz tudo).

Também bandido europeu, uma vez na cadeia, fica impedido de exercer a profissão com a qual se consagrou e ainda deixa a esposa lá fora, se torcendo de saudades, ou enchendo a cabeça do marido de preocupações e de chifres. Quando, depois de muitos anos, o infeliz põe a cara na rua, das duas uma: ou se aposenta, ou começa a carreira desde o princípio, como qualquer novato. E ainda tem que procurar outra namorada.

Em muitas outras coisas somos mais evoluídos. Vejam o caso do museu que pegou fogo. A verba para a conservação daquela velharia toda era de 650.000 reais. Para lavar os carros da Câmara dos Deputados, gastam-se quase 600.000. Agora pergunto: o que é mais importante para o povo brasileiro? As múmias, ou os carros de suas excelências? Haviam nossos excelsos representantes de andar em carros empoeirados, para que a tal Luzia, uma velha com quase 3.000 anos, toda  enrugada, tivesse ar refrigerado e boa iluminação? Esse negócio de múmia e museu é coisa de francês, que gosta de antiguidades e de jogar dinheiro fora. Enquanto isso, tem lá na Itália um prédio todo quebrado, um tal de Coliseu, que há anos não recebe sequer uma caiação. E ainda tem brasileiro que paga pra ver aquilo, quando coisa caindo aos pedaços é o que não falta entre nós.

O que me consola é parodiar o elevado pensamento de um ex-Secretário de Polícia do Rio de Janeiro que, ameaçado pela bandidagem, foi obrigado a se mudar de mala e cuia para Nova York. Dou-me a liberdade de colocar a palavra “porcaria” no lugar da que ele realmente usou. Acho que vocês vão concordar: “Viver nos Estados Unidos é muito bom, mas é uma porcaria. Viver no  Brasil é uma porcaria, mas é muito bom”.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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