Colunas
Chuvas, raios e trovoadas
Os incrédulos dirão que ramos e preces não fazem o milagre de desviar raios e tempestades
Não sei se vocês estão ouvindo, mas a chuva está fazendo um barulho danado lá fora. Chuva de granizo, pedras de bom tamanho. A gente logo fica preocupado, pensando nas pessoas que moram à beira dos rios, ao pé dos morros, gente que leva a vida aos trancos e barrancos, barracos e temporais.
Infelizmente, falta dinheiro para ajudar esse povo a morar melhor. Fossem os poderosos gastar todo o dinheiro com os pobres, lá se iam pelo bueiro os salários, as comissões, as mordomias. Enfim, toda essa grana de que eles necessitam para manter as famílias (sem as quais não se vive), os aliados (sem os quais não se governa), os comparsas (sem os quais ninguém se mantém no poder, melhor dizendo, no Poder). Enfim, não é fácil a vida de quem neste país tem o pesado encargo de cuidar do povo.
Vejam o caso do auxílio moradia, pago mesmo a quem tem residência própria na cidade onde exerce seu honrado mister. Não tem sentido pagar auxílio moradia a quem não tem moradia. Já o senador Sarney, morando em palácio gratuito em Brasília, recebia esse benefício, mas, questionado a respeito, declarou que não sabia. De fato, não fica bem ao presidente do senado perder tempo verificando holerite para conferir as merrecas que estavam lhe pagando.
Mas, para falar a verdade, depois do primeiro parágrafo, me desviei do assunto que me trouxe aqui. O que eu queria mesmo falar era sobre chuvas, raios e trovoadas.Das trovoadas perdi o medo ainda criança, uma vez que cedo me explicaram que tudo não passava de arrumação que estavam fazendo no céu. De fato, sendo o céu tão grande, grande deviam ser os móveis de lá e, portanto, não havia como arrastá-los sem fazer muito barulho. Explicações claras e lógicas como essa têm essa vantagem de acabar para sempre com medos infundados.
Quando nasci, um anjo torto, desses que vivem na sombras, como diria Drummond, me salvou das chuvas exageradas que desabaram sobre nossa casa. Eis que eu nasci na base do morro onde se erguia orgulhoso o colégio da Fundação Getúlio Vargas. Do outro lado, acima do nível da rua, ficava a Estação de Cargas da Leopoldina Railway. Quando a água entrou pela janela, junto com ela veio o tal anjo, disfarçado de empregado da Estação, para onde ele me levou sobre os ombros. E lá fui eu, parecendo (que Deus me perdoe mais esse pecado), jesuscristinho nos ombros de São Cristovão.
Quanto aos raios, não sei o que dizer, graças a Deus, é nula a minha experiência a respeito. Antigamente, quando se estava com muita raiva de alguém, se dizia "raios o partam!", praga tão arrasadora que nunca atingia o alvo, mais fácil era morrerem praguejador e praguejado de morte natural, antes mesmo que um raio caísse perto deles.
Contra todos esses arroubos da natureza bem protegida ficava a casa de meus avós. Um ramo benzido na Semana Santa e colocado atrás da porta da cozinha era certeza de que nada de mal nos atingiria. Também ajudava bastante rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria. Os incrédulos dirão que ramos e preces não fazem o milagre de desviar raios e tempestades. Talvez não entendam que o milagre não consistia em desviar raios e tempestades, e sim em nos fazer ficar indiferentes ao que estava acontecendo lá fora, e ir cuidar de outra coisa, enquanto água e vento brigavam com as árvores do quintal e faziam barulho sobre o teto.
Estão prestando atenção? Parou de chover, não tem mais granizo caindo. Alguém por aí deve ter um ramo bento atrás da porta, além de ter rezado um Pai Nosso e uma Ave Maria. Sempre dá certo.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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