Carta ao candidato

quarta-feira, 04 de maio de 2016

... mais fácil é dizer que sim, com certeza, pode contar comigo.

Soube por um dos teus assessores que mais de oito mil eleitores já te prometeram o voto para vereador. É o suficiente para que estejas eleito na metade das urnas. Não quero ser pessimista, mas o fato é que vai uma boa distância entre prometer o voto e apertar o teclado quando teu rosto sorridente aparecer na tela. A exata distância entre ser ou não ser eleito.

A verdade é que eleitor não merece confiança nenhuma. Falar assim, cara a cara, que não se vota no sujeito porque ele é incompetente ou porque já prometemos votar em outro candidato é coisa difícil, mais fácil é dizer que sim, com certeza, pode contar comigo. Mas na cabine o cidadão perde a timidez e, escondido atrás da urna, comete o crime de traição sem nenhum constrangimento, fica tudo entre ele, que é um falso, a máquina, que nada fala, e Deus, que tudo perdoa, inclusive perjúrios eleitorais.

O tal voto secreto é mesmo um escândalo, só serve para ensinar a pessoa a mentir, a comprometer-se com dez, vinte candidatos, sendo senhor de um único e mísero voto. Bons tempos aqueles em que o caipira votava a céu aberto, a testa encostada na garrucha do coronel. Era a maior tranquilidade, não havia suspense, nem decepções. O voto secreto transformou a eleição em loteria, cada urna é agora uma caixinha de surpresas. Nem em confessionário cabe tanto pecado de infidelidade.Mas, os tempos também não estão fáceis para nós, simples eleitores.

Para começar, somos quase minoria, há mais candidatos a nos rodear do que gatos noturnos nos fundos das peixarias. Por enquanto as abordagens são discretas, ainda não estão nos encostando na parede. Quando isso começar a acontecer, pretendo ser atencioso com os que disputarem meu humilde votinho. Quando possível, vou desconversar. In extremis, serei obrigado a dizer não.

Sei que isso não é nada simpático, mas ao menos me consola saber que, se alguém tiver um voto a menos do que esperava, não terá sido por minha culpa. Sei de um cavalheiro que contava com a miudeza de quatro mil votos para vereador. Dava-se como eleito e já estava gastando por conta. Chegou ao exagero de comprar móveis novos para o quarto conjugal, baseado no seguinte cálculo: “Comprando agora, tenho trinta dias para pagar. Lá se foi novembro. Em dezembro eu me esqueço, quem me censurará esse pequeno lapso, se a emoção da vitória me levar a cometê-lo? No mês seguinte, visito a loja e prometo quitar a dívida assim que me recuperar dos gastos da campanha. Ninguém cobrará essa mixaria de um vereador eleito. E assim acabou-se janeiro. Em fevereiro é simples: chamo o credor e lhe pergunto em quanto ficaria trocar toda a mobília da Câmara Municipal. O homem, pensando que lhe faço uma proposta, até se esquece do que lhe devo. Em março, não tem problema, há três meses estou faturando como representante do povo, sou até capaz de pagar, se bem que vai ser difícil quem queira receber tão pouco de um cidadão que pode vir a ser prefeito”.

Abertas as urnas fatais, o sujeito teve 22 votos, e agora se encontra em local incerto e não sabido, onde nenhum credor pode encontrá-lo, dia e noite pensando em como se vingar dos 3.978 traidores. A melhor ideia que lhe ocorreu foi candidatar-se de novo.

Pior aconteceu com um candidato a prefeito de nossa cidade. Vamos dizer que ele se chamasse Alfredino, e o seu adversário, Alesberto. No dia da eleição, Alfredino declarou à esposa: “Hoje você vai dormir com o prefeito!” Ela, mais realista e mais bem informada, retrucou: “Alesberto vem aqui ou eu vou à casa dele?”

 Então, se me permites um conselho, recomendo que, antes de apurados os votos, não prometas à tua mulher que ela vai dormir com um vereador. Ela certamente é fiel, mas os eleitores...

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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