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quarta-feira, 11 de julho de 2018

Quando você não tiver ideias próprias para colocar, valha-se das alheias

Famoso ator inglês interpretava Ricardo III e, a certa altura da peça de Shakespeare e da História da Inglaterra, o rei está perdendo a batalha e começa a gritar para que alguém traga a montaria que lhe permita perseguir seu adversário: “Meu reino por um cavalo!” Da plateia, um engraçadinho perguntou: “Um burro serve?” O ator interrompeu a apresentação e respondeu, com fleuma britânica: “Serve. Pode subir”.

Eu ia tentar desenvolver um assunto a partir daí. Mas a historinha acima me fez lembrar de uma deputada, também inglesa, que possuía uma língua terrível. Durante comício numa zona rural, um eleitor, querendo insinuar que ela não entendia nada da vida no campo, perguntou-lhe quantos dedos tinha um porco, tendo obtido por resposta esta delicadeza: “Homem, tire as botas e conte!” Pois essa senhora se deu muito mal quando resolveu provocar Winston Churchill: “Se o senhor fosse meu marido, eu lhe dava veneno”. Serenamente, ele retrucou: “Se a senhora fosse minha mulher, eu tomava”.

No Brasil, Carlos Lacerda deixou fama pela eloquência, pela capacidade, mas também pela dureza com os adversários. Chamado por um deles de “ladrão da honra alheia”, deu uma resposta impiedosa: “Então o senhor pode dormir tranquilo, pois nada tem que eu lhe possa roubar”. Outro político, Mílton Campos, ao contrário, era um manso e, ao morrer, mereceu de Carlos Drummond de Andrade este elogio incomparável: “Foi o homem que todos gostaríamos de ter sido”. Governador de Minas, Mílton Campos recebeu de um secretário a sugestão de que mandasse um trem com soldados para reprimir operários em greve por falta de pagamento. “Não seria melhor mandar um trem com o dinheiro?”, perguntou o governador.

As pessoas que têm respostas rápidas e cortantes despertam admiração, mas também certo temor, pois possuem uma qualidade que pode torná-las cruéis. Assemelham-se às vezes a uma rosa em que o espinho é maior do que a flor. Por uma boa frase, são capazes de sacrificar amizades, envenenar ambientes, machucar seus semelhantes. São artistas naquela triste especialidade de que fala o poeta grego Arquíloco de Paros: “Tenho uma grande arte/ Eu firo duramente aqueles que me ferem”. Ignoram a poética recomendação para que sejam como o sândalo que perfuma o machado que o fere. Esmagam o sândalo e entortam o machado. Nós outros, mortais comuns, reconhecemos a inteligência dessas pessoas, mas não gostamos de viver próximos a elas. Porque é uma lastimável verdade que nem sempre podemos amar a quem admiramos.

Minha única ideia para hoje, dia em que estou mais sem assunto do que de costume, era começar exclamando: “Meu reino por uma ideia!” Na verdade, andei pedindo a algumas pessoas que me socorressem nesse vazio em que me encontro e ninguém deu uma sugestão que prestasse. Um me recomendou que comentasse a política municipal (e ainda se diz meu amigo!). Outro pediu que eu falasse sobre a beleza feminina (a fim de que certa pessoa lesse e se identificasse), mas eu me lembrei do padre Antônio Vieira: “Que coisa é a formosura senão uma caveira bem vestida?”

Não faltará quem diga que tudo isso é coisa velha, que eu mesmo já citei aqui e ali algumas dessas tiradas famosas. Quem sabe, talvez até me atire uma indireta, copiando Machado de Assis: “Oh! Se todos ficássemos calados! Que imensidade de grandes ideias!” Mas eu também recorro ao Bruxo do Cosme Velho para sustentar que o valor de um texto depende muito da boa vontade do leitor: “Uma ideia só, renovada (...) pelos ouvintes, dá muito de si’, a tal ponto que  “O próprio autor a supõe inteiramente nova”.

“Escrever é fácil”, disse Wyndham Lewis, “você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto. No meio você coloca as ideias”. E, acrescentaria eu, quando você não tiver ideias próprias para colocar, valha-se das alheias. Costuma funcionar. Pelo menos eu espero que tenha funcionado hoje.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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