Barnabés

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Nada contra os barnabés, que eu mesmo fui um deles por mais de trinta anos e minha loucura não vai a tanto que eu me julgue o único até hoje a ter levado a sério tão honrosa ocupação. Verdade que nunca alcancei o nível dos que fazem render maravilhosamente seus modestos vencimentos, chegando a possuir iates nos Estados Unidos, ilhas na Bahia e castelos na Europa. São políticos, magistrados, policiais cuja boa fama ultrapassa as nossas fronteiras e chega aos paraísos fiscais, que, justamente por serem mais paraísos do que fiscais, nunca perguntam de onde saiu tanto dinheiro. Quanto a mim, nunca tive oportunidade ou talento para ser desonesto.  Nem por isso deixo de admirar esses colegas capazes de multiplicar seus salários com a mesma naturalidade com que Jesus multiplicava pães e peixes.

Mas a maioria é de gente dedicada, competente e honesta. E, por conta de tantas qualidades, pobre. O Barão do Rio Branco, que, bem pensadas as coisas não era senão um barnabé, embora de alta categoria, talvez nos sirva de exemplo. Trabalhava tanto que, na parede do seu escritório, estava escrito: “Nesta sala de trabalho morreu o Barão do Rio Branco”. A frase é ambígua, pois tanto se pode ler “sala de trabalho” quanto “de trabalho morreu”.

Aliás, frases de duplo sentido dão margens a muitos mal-entendidos. Bernardo, que é neto de um avô maravilhoso (cujo nome não citarei aqui por uma simples questão de modéstia), saiu-se certa vez com uma dessas. Ganhou um boneco que tinha o cocoruto encimado por terra e sementes. Molhado regularmente, aquele minifúndio logo virava um canteiro repleto de finos fios floridos. Enfim, um boneco que, ao contrário de tanta gente, não tinha a cabeça vazia. Brotava sobre ela uma cabeleira de alpiste, discreta como a desses rapazes e moças que tingem os cabelos das cores mais esquisitas, o que os faz parecidos ora com uma melancia, ora com uma abóbora madura.

Bernardo chegou em casa com o tal boneco e pediu:

— Vó, faz pra mim uma sopa de água limpa?

— Fazer eu faço, Bê, mas o que é “sopa de água limpa?” 

— Ué, sopa de água limpa!

— Mas toda sopa é de água limpa. Explica melhor o que você quer.

— Ah, vó! É o que tá escrito aqui na caixa do boneco: “Molhar diariamente com uma colher de sopa de água limpa”!

Mas, voltemos aos barnabés. Tem uns casos que... e o pior é que são verdadeiros!

Por exemplo. Uma nobre servidora pública perdeu o pai, com o que ganhou o direito de ausentar-se do trabalho por uma semana, nojentamente chamada de “dias de nojo”. Infelizmente era inverno, tempo já por si mesmo meio encolhido, não vale a pena piorá-lo com lutos e choros. Assim pensando, a moça solicitou ao diretor da repartição que a deixasse tirar a folga no verão, quando, com maior pesar, poderia prantear o progenitor na praia, tomando umas cervejas e dando uns mergulhos. 

Outro caso digno de registro é o de um colega que, alegando um fortíssimo resfriado, procurou o posto de saúde, no qual conseguiu três dias de licença. Isso foi na segunda-feira, o que a condenava a tratar-se na terça, na quarta e na quinta. Ou seja, no meio da semana. De modo que eu até achei justo o pedido que ela fez para valer-se do atestado médico em três sextas-feiras seguidas. Pois não resta dúvida que qualquer problema de saúde cura-se muito melhor quando se esticam os fins de semana, ainda que se tenha de esperar três fins de semana para tratá-lo!

E tem o caso de uma funcionária que, após faltar vários dias ao serviço, apresentou, por escrito, a mais justa das alegações: “Informo que não tenho ido trabalhar em virtude de Bom-Bom estar adoentado”. Bom-Bom, para quem não sabe, era o gato da distinta servidora. Vocês, que são insensíveis, hão de dizer: Mas por um gato! Acontece que o drama não envolvia um bichano qualquer, desses que vive miando pelos telhados vadios. Tampouco era um ex-gato, igual ao que você, leitora, tem em casa: quando a convenceu a se casar com ele, pêlo macio e corpo elástico. Hoje, olha ele aí, careca e com as juntas emperradas. Siamês! Bom-Bom era siamês! Se você falta ao trabalho quando fica doente o seu gato gasto, que além de gasto é nacional, com muito mais razão o fará quem tenha em casa um bicho importado diretamente do Sião.

Enfim, entre os barnabés que conheci não faltaram trabalhadores admiráveis. Mas também não faltaram alguns espertalhões, desses que parecem ter por divisa aquele famoso poema-piada de Ascenso Ferreira:

Hora de comer — comer!/ Hora de dormir — dormir!/ Hora de vadiar — vadiar!
Hora de trabalhar?/ — Pernas pro ar que ninguém é de ferro!

Nada contra os barnabés, que eu mesmo fui um deles por mais de trinta anos e minha loucura não vai a tanto que eu me julgue o único até hoje a ter levado a sério tão honrosa ocupação. Verdade que nunca alcancei o nível dos que fazem render maravilhosamente seus modestos vencimentos, chegando a possuir iates nos Estados Unidos, ilhas na Bahia e castelos na Europa. São políticos, magistrados, policiais cuja boa fama ultrapassa as nossas fronteiras e chega aos paraísos fiscais, que, justamente por serem mais paraísos do que fiscais, nunca perguntam de onde saiu tanto dinheiro. Quanto a mim, nunca tive oportunidade ou talento para ser desonesto.  Nem por isso deixo de admirar esses colegas capazes de multiplicar seus salários com a mesma naturalidade com que Jesus multiplicava pães e peixes.

Mas a maioria é de gente dedicada, competente e honesta. E, por conta de tantas qualidades, pobre.  O Barão do Rio Branco, que, bem pensadas as coisas não era senão um barnabé, embora de alta categoria, talvez nos sirva de exemplo. Trabalhava tanto que, na parede do seu escritório, estava escrito: “Nesta sala de trabalho morreu o Barão do Rio Branco”. A frase é ambígua, pois tanto se pode ler “sala de trabalho” quanto “de trabalho morreu”.

Aliás, frases de duplo sentido dão margens a muitos mal-entendidos. Bernardo, que é neto de um avô maravilhoso (cujo nome não citarei aqui por uma simples questão de modéstia), saiu-se certa vez com uma dessas. Ganhou um boneco que tinha o cocoruto encimado por terra e sementes. Molhado regularmente, aquele minifúndio logo virava um canteiro repleto de finos fios floridos. Enfim, um boneco que, ao contrário de tanta gente, não tinha a cabeça vazia. Brotava sobre ela uma cabeleira de alpiste, discreta como a desses rapazes e moças que tingem os cabelos das cores mais esquisitas, o que os faz parecidos ora com uma melancia, ora com uma abóbora madura.

Bernardo chegou em casa com o tal boneco e pediu:

— Vó, faz pra mim uma sopa de água limpa?

— Fazer eu faço, Bê, mas o que é “sopa de água limpa?”

— Ué, sopa de água limpa!

— Mas toda sopa é de água limpa. Explica melhor o que você quer.

— Ah, vó! É o que tá escrito aqui na caixa do boneco: “Molhar diariamente com uma colher de sopa de água limpa”!

Mas, voltemos aos barnabés. Tem uns casos que... e o pior é que são verdadeiros!

Por exemplo. Uma nobre servidora pública perdeu o pai, com o que ganhou o direito de ausentar-se do trabalho por uma semana, nojentamente chamada de “dias de nojo”. Infelizmente era inverno, tempo já por si mesmo meio encolhido, não vale a pena piorá-lo com lutos e choros. Assim pensando, a moça solicitou ao diretor da repartição que a deixasse tirar a folga no verão, quando, com maior pesar, poderia prantear o progenitor na praia, tomando umas cervejas e dando uns mergulhos. 

Outro caso digno de registro é o de um colega que, alegando um fortíssimo resfriado, procurou o posto de saúde, no qual conseguiu três dias de licença. Isso foi na segunda-feira, o que a condenava a tratar-se na terça, na quarta e na quinta. Ou seja, no meio da semana. De modo que eu até achei justo o pedido que ela fez para valer-se do atestado médico em três sextas-feiras seguidas. Pois não resta dúvida que qualquer problema de saúde cura-se muito melhor quando se esticam os fins de semana, ainda que se tenha de esperar três fins de semana para tratá-lo!

E tem o caso de uma funcionária que, após faltar vários dias ao serviço, apresentou, por escrito, a mais justa das alegações: “Informo que não tenho ido trabalhar em virtude de Bom-Bom estar adoentado”. Bom-Bom, para quem não sabe, era o gato da distinta servidora. Vocês, que são insensíveis, hão de dizer: Mas por um gato! Acontece que o drama não envolvia um bichano qualquer, desses que vive miando pelos telhados vadios. Tampouco era um ex-gato, igual ao que você, leitora, tem em casa: quando a convenceu a se casar com ele, pêlo macio e corpo elástico. Hoje, olha ele aí, careca e com as juntas emperradas. Siamês! Bom-Bom era siamês! Se você falta ao trabalho quando fica doente o seu gato gasto, que além de gasto é nacional, com muito mais razão o fará quem tenha em casa um bicho importado diretamente do Sião.

Enfim, entre os barnabés que conheci não faltaram trabalhadores admiráveis. Mas também não faltaram alguns espertalhões, desses que parecem ter por divisa aquele famoso poema-piada de Ascenso Ferreira:

Hora de comer — comer!/ Hora de dormir — dormir!/ Hora de vadiar — vadiar!

Hora de trabalhar?/ — Pernas pro ar que ninguém é de ferro!

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.