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Sobre símbolos e fé
Uma breve reflexão sobre a Festa de Reis e a questão da (in)tolerância religiosa
Símbolo é mais do aquilo que representa algo. Símbolo é o que aponta caminhos; indica direções; sinaliza o rumo a seguir.
Etimologicamente, símbolo é o que é lançado conjunta e unidamente. Um elo entre o aparentemente distinto. Símbolo é o elemento capaz de fazer ligação entre diferentes.
Por outro lado, símbolo é o que aponta para algo além de si. A maior tarefa do símbolo é despojar-se de si e indicar o caminho para aquilo que está sinalizando.
Quando, por exemplo, se toma o rumo para uma cidade e, para isso, se usa de uma estrada, as placas pelo caminho são símbolos que antecipam o destino, embora não o substituam.
Em outras palavras, quem pára ao lado de uma placa no caminho jamais chega ao destino almejado.
As religiões são, em última análise, símbolos que apontam para além de si. Indicam o caminho que acreditam levar à comunhão com Deus.
A exemplo de quem interrompe a viagem quando encontra a placa que sinaliza para o destino, equivoca-se quem confunde religião com a divindade. Erra quem pára no credo e deixa de continuar a caminhada rumo àquilo que está indicado ao fim da jornada.
A despeito disso, todavia, os símbolos religiosos são potentemente poéticos. Sinalizam de modo inesperado e surpreendente. De onde menos se espera, o símbolo une o improvável. Isso os torna capazes de dizer continuamente. E, além disso, de se adaptarem a qualquer tempo e lugar.
Só para não divagar apenas teoricamente, vale o exemplo dos magos visitantes do menino de Belém. O texto do Evangelho diz que “e, tendo nascido Jesus em Belém de Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que uns magos vieram do oriente a Jerusalém, dizendo: Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? porque vimos a sua estrela no oriente, e viemos a adorá-lo.” (Mt 2,1-2).
Mais adiante, o texto narra a chegada deles à casa onde estavam Maria e a criança e os presentes dados ao menino: ouro, incenso e mirra.
A tradição já disse que se tratavam de reis; que eram três e que se chamavam Belchior, Balthazar e Gaspar. Tudo bem além do que o texto indica como somente magos do Oriente.
E aqui repousa a primeira e mais interessante tarefa dos símbolos: dizem pouco porque precisam dizer sempre e profundamente. Qual folha em branco pronta a receber a mão do artista, os símbolos indicam sem fechar e restringir. Apontam a direção, mas facultam os caminhos. Dão o rumo, mas não se preocupam muito com as trilhas a serem pisadas.
Curioso é que, apesar disso, as religiões institucionalizadas insistem na cristalização dos símbolos e não percebem que, com isso, esvaziam-nos da riqueza que os forjou originalmente.
Ler o texto da visita dos magos é menos importante do que visualizar e, de alguma forma, vivenciar a cena sempre de novo. Talvez a sacralidade do texto esteja na contínua possibilidade de reinterpretação dele.
É surpreendente que magos, gente de outra fé, estranha e questionada pelos judeus do primeiro século, sejam os visitantes do presépio.
Estranha que representantes de outras crenças estejam desde o berço ao lado do Menino. Impressiona como a religião derivada daquela cena primordial seja tão intolerante, especialmente com a fé alheia. Talvez seja esse o maior presente dos magos: clamor pelo respeito.
Mais do que tolerância - afinal, tolera-se a quem se julga equivocado - os magos trouxeram reconhecimento que Deus é bem maior do que possamos compreender. A estrela que os guiou permanece acesa e pronta a indicar o caminho a seguir. A questão é que se julga já saber aonde ir e, pior, já se sabe ter chegado lá.
Muita gente ainda discute a historicidade dos textos da natividade. A questão é que, para dizer algo realmente novo todos os dias, há que transcender a história. Afinal nada muda tanto quanto o passado.
Independente disso, porém, permanece a fé na potência dos símbolos.
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