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Por que (não) celebrar o Natal?
"Estamos perto do Natal: haverá luzes, festas, árvores iluminadas, presépios, (…) mas é tudo falso. O mundo continua em guerra, fazendo guerras, não compreendeu o caminho da paz." (Papa Francisco)
O Papa veio a público e disse que não há clima para a celebração de Natal.
Afirmou categoricamente: "Estamos perto do Natal: haverá luzes, festas, árvores iluminadas, presépios, (…) mas é tudo falso. O mundo continua em guerra, fazendo guerras, não compreendeu o caminho da paz."
Uma atitude, no mínimo, corajosa. Vinda de um Papa, mais ainda. Que bom haver entre nós uma liderança que foge do lugar comum e, em algum sentido, subverte a ladainha do politicamente correto.
O Papa tem razão. Nosso tempo está de cabeça para baixo mesmo. Irresponsabilidade pública nas pequenas e grandes coisas, terrorismo, crise política, arrocho econômico; enfim, um tempo de desesperança.
Mas discordo quando diz que não há clima para o Natal. Penso que é exatamente por causa das mazelas desse nosso tempo que o Natal deva ser comemorado. Subversivamente celebrado. Como denúncia anunciado.
O problema é que sempre se pensa em Natal como festa. Aí, de fato, não há lugar. Mas o Natal é bem diferente de festa. O nascimento do menino Jesus é tudo, menos festa.
A romantização que fizemos dos presépios, das árvores, das luzes e da comida são uma deformação do anunciado pelos evangelhos. Uma criança nasceu num curral de animais. Seus pais estavam obrigados por uma lei opressora. Logo depois, as perseguições que, décadas a frente, culminaram na tortura e morte de cruz.
A beleza das mesas de Natal não tem nada a ver com o nascimento de Jesus. Nada. Muito menos tem a ver com a família de Nazaré as celebrações pomposas da noite de Natal.
É claro que como metáfora que é, o Natal alimenta mil e uma interpretações e usos. Isso tem a ver com o registro mítico dos postulados religiosos. E aí, é claro, há intencionalidades ancestrais nas celebrações cúlticas.
Funcionam como ópio: inebriam, mas acalmam. Seduzem e dispersam. Heinrich Heine, em 1840, escreveu: "Bendita seja a religião, que derrama no amargo cálice da humanidade sofredora, algumas doces e soporíferas gotas de ópio espiritual, algumas gotas de amor, fé e esperança."
Marx foi menos otimista: "A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração e a alma de situações sem alma. A religião é o ópio do povo. A abolição da religião enquanto felicidade ilusória dos homens é a exigência da sua felicidade real. O apelo para que abandonem as ilusões a respeito da sua condição é o apelo para abandonarem uma condição que precisa de ilusões. A crítica da religião é, pois, o germe da crítica do vale de lágrimas, do qual a religião é a auréola."
O desafio que se coloca é recuperar a realidade da estrebaria. O Natal que contraria a lógica da religião e inverte seus valores: destrona o céu e dignifica o ser humano.
Reduzir o Natal à festa, bolas e enfeites é banalizar a realidade. E a melhor forma de fazer isso, na religião, é o por meio da metafísica. Divinizar.
O Papa tem razão. Não faz sentido celebrar o Natal. Soa falso.
É preciso reinventá-lo: o menininho nasceu na indignidade de um curral, do ventre de uma mulher pobre. Nada mais humano. E é isso que importa. Humanizar.
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