Perder

sábado, 09 de dezembro de 2017

Perder é uma experiência dolorosa, mas necessária. Saber perder é um ingrediente especialmente importante à maturidade. Encarar a perda é muito difícil – às vezes difícil até mesmo de discernir o momento da perda – mas negá-la é muito pior. Perder, em algum sentido, faz parte de uma vitória maior.

Perder significa ser furtado da doce experiência da conquista; significa ser privado daquilo que se almejava; significa tropeçar no caminho e, mesmo que a vislumbrando, não alcançar a meta. Perder é ter que parar antes da hora prevista.

A perda, assim vista, dá uma profunda consciência de finitude, de limitação; perder ajuda a compreender quão pequena e imprevisivelmente tacanha é a teia de possibilidades que julgamos ter. Faz parte do amadurecimento enfrentar as perdas e delas experimentar o sabor; saber perder, por isso, é tão valioso quanto vencer. Vencedores não ganham sempre; vencedores acostumados exclusivamente à vitória já saem perdendo desde o início. Vencer subentende saber saborear a perda.

Perder tem a ver com escolher. Toda e qualquer escolha tem, em si, a possibilidade implícita da perda. Escolher sempre o caminho certo do ganho é, essa sim, uma perda grave. Escolher sempre a vitória é o mesmo que não escolher; é, ao contrário, trilhar de novo o caminho já percorrido cujo destino é já conhecido.

Grandes pessoas são as que aprendem sob a dor da perda; são as que, gravemente, convivem com perda e dela se alimentam resignadamente.

Óbvio que não se deseja perder. Óbvio que o desejo mais profundo dos corações é a conquista e a manutenção. Isso acontece com relação à saúde, dinheiro, carreiras, conquistas, pessoas e amores. Mas o valor de tudo isso só se descobre quando se experimenta a perda. Por isso, perder é parte do vencer. Nesse sentido, as perdas não são vida despendida ou desperdiçada; perder, assim compreendida a dinâmica da vida, é necessidade existencial fundamental. Ajuda a entender nosso lugar nesse jogo denso e tenso.

Quem aprendeu a conviver com a perda descobre que a vida pode continuar depois dessa experiência; e isso é radicalmente revolucionário: aprende-se que a vida segue, apesar de tudo.

A perda promove transformação; exige mudança; sugere conversão; aponta nova direção. Perder supõe lutar. Para perder de verdade é necessário, antes, ter insistido, ter tentado, ter desejado. A estrutura que está na base da experiência humana é o desejo e, como tal, o retorno que dela se tem está diretamente ligada à possibilidade da perda. Para tudo que se deseja, a perda é uma variável com a qual não se pode negociar. Perder é, sempre, uma possibilidade real e concreta.

As iniciativas para as quais não há a possibilidade objetiva da perda não são, realmente, dignas de serem empreendidas. A vida, por esse ângulo, é sempre uma aposta; um salto no escuro. Para viver, é imprescindível que se tenha coragem de dar o salto.

Inobstante o desejo sempre virgem pela conquista, a realidade da vida aponta na direção da perda. Sempre se está diante da irrevogável dureza da perda. Da perda, a aceitação irrestrita e sem maiores reclames, todavia, indica uma falsa presença na luta. Batalhas que se perdem sem maiores dores não foram lutadas com sincera dedicação. As perdas que realmente valem são aquelas para as quais se julgava convictamente a possibilidade da vitória. Não adianta muito mascarar a perda sob o signo do aprendizado e do amadurecimento. Há isso tudo, é claro, mas perder significa, sim, se descobrir um pouco menor. Num tempo de apologia e louvor da grandeza e das conquistas, perder é mais duro ainda. Mas, mais que necessário, irremediável. Sempre há de se perder; um pouco mais, um pouco menos, mas sempre se perderá algo.

Quem experimenta o valor da perda, sabe-se pequeno e limitado, mas se descobre dentro do jogo e já tendo vivido o pior dele, por isso, pode-se ver como um jogador a ser temido. Quem já perdeu sabe que pode sobreviver e, por isso, se torna especialmente forte.

Todo encontro está sempre possuído pela tristeza da perda que o sucederá. Maduras são as pessoas que vivem sinceramente seus encontros a despeito da possibilidade mais que real do desencontro. Todo ganho supõe, necessariamente, uma ou mais perdas.

Talvez essa seja a suprema dor que habita o coração humano: saber-se consumível pelo tempo e pelas experiências. Paradoxalmente, a mesma vida que amadurece e se aprimora e se eleva é aquela que se desgasta e se apequena. Qual vela que, para iluminar, se consome, a vida se esvai a cada dia um pouco mais quando se opta por viver intensamente a aposta; quando se deseja experimentar a concreta possibilidade da perda. Viver supõe – a cada dia um pouco mais – o morrer. A morte está implícita e radicalmente ligada à vida.

Diferente de tudo isso, porém, é a derrota. Perdas são diferentes de derrotas. Perder significa viver a experiência inexorável do descobrir-se humano. Derrotar-se significa, por outro lado, condenar-se, de antemão, ao fracasso. Perder é parte do viver. Derrotar-se é deixar de viver.

Importa aprender, todos os dias, o doce e o amargo sabor da perda. O valor da perda está exatamente no fato de nos fazer descobrir quem somos, verdadeiramente. Nem maiores, nem melhores; porém, nem menores, nem piores. Simplesmente pessoas marcadas.

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