Democracia, inteligência e humanismo

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Democracia, inteligência e humanismo

O cenário brasileiro na atualidade é grave. Há diante de nós a busca por mecanismos de superação que sejam, ao mesmo tempo, conciliatórios (porque carecemos de experiências seguras nessa travessia) e revolucionários (porque precisamos de coragem para uma ruptura radical).

O desafio que, como sociedade, temos diante de nós passa necessariamente pela superação da ideia de culpa (bodes expiatórios) e salvação (salvadores da pátria). A história exige a construção de um projeto minimamente compartilhado que nos identifique como "sociedade". Talvez essa seja a agenda que se nos impõe: que Brasil queremos construir?

Nesse esforço, três premissas são inegociáveis:

  1. Democracia como princípio. Toda e qualquer transformação, para ser legítima, precisa partir de ampla discussão e efetiva participação. Além do voto de dois em dois anos, a participação concreta na vida comunitária. Há novas tecnologias que podem potencializar isso tudo.
  2. Inteligência como requisito. Criatividade, inventividade e coragem. Fórmulas antigas que têm se mostrado ultrapassadas precisam ser superadas. Política é, em algum sentido, tecnologia. Uma espécie de habilidade para gerir o corpo social. Nesse sentido, como qualquer tecnologia, pode e deve ser atualizada.
  3. Humanismo como ponto de partida e horizonte de chegada. O ser humano e seus direitos como valor inalienável de toda ação. O Estado, a Lei e as instituições existem para garantir qualidade de vida e igualdade de oportunidades. Qualquer ação que não pressuponha respeito pelo indivíduo (todo e qualquer indivíduo) e pela coletividade (em toda sua pluralidade) precisa ser abandonada.

Essa mesma empreitada exige, porém, a superação de outras três chagas que carregamos historicamente em nossa conformação social.

  1. Primeiramente, as imensas e intransponíveis desigualdades socioeconômicas. O Brasil sempre foi marcado pelo abismo que separa pobres e ricos. Abismo que inviabiliza qualquer mobilidade social efetiva. Abismo que torna ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. Se na década de 1960, o Celso Furtado alertava para o fato de 10% da população acumular 45% da riqueza, hoje apenas 6 famílias acumulam o equivalente à metade da população brasileira. Esse definitivamente é nosso maior e mais grave problema. É herança ainda do processo de escravização de pessoas da qual não conseguimos efetivamente nos emancipar.
  2. Em segundo lugar, o Brasil ainda patina nas relações de vantagem e corrupção. Nossa relação com o Estado é predatória e dilapidadora. A lógica que prevalece é a do benefício privado em detrimento do direito da coletividade. Há uma profunda confusão entre público e privado no país. O combate à corrupção precisa ser permanente, inteligente e sem seletividade. A questão não é exclusivamente jurídica ou policial – trata-se de um desafio ético. E é por isso que investimentos em Educação estão na ordem do dia: sem isso não haverá qualquer perspectiva de mudança efetiva.
  3. Por último, há a urgente necessidade de ruptura com hipocrisias e sofismas. O Brasil não tem nada de cordial. Reina por aqui, infelizmente, a cultura de uma violência generalizada. Como escreveu Ilona Szabó: "... somos o campeão, o número um, em violência homicida. Uma em cada dez pessoas mortas ao redor do mundo é brasileira. Isso resulta em mais de 56 mil pessoas morrendo violentamente a cada ano. A maioria delas são jovens garotos negros, mortos a tiro. O Brasil também é um dos maiores consumidores de drogas do mundo, e a 'guerra às drogas' tem sido especialmente dolorosa aqui. Cerca de 50% dos homicídios nas ruas brasileiras são relacionados a essa guerra. O mesmo vale para 25% dos presos”. Ou assumimos que a política antidrogas vigente fracassou ou nos afundaremos ainda mais numa guerra que só tem vítimas.

A superação exige uma profunda revisão de conceitos e práticas. É preciso olhar, em particular, para nosso lugar. É a máxima do Tolstoi: "Se queres ser universal começa por pintar a tua aldeia". É aqui – onde criamos nossos filhos, onde pagamos nossas contas, onde vivemos – que está nosso compromisso.

Nisso tudo: coragem. Coragem para ousar. Coragem para superar o medo. Afinal, alerta o Mia Couto: "Há quem tenha medo que o medo acabe."

 

TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.