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Surpresa pra quem?
Eis que assisto ao Globo Repórter na sexta-feira, dia 9. E lá no cantinho de um pequeno lugar, na França, um senhor, dono de um simpático bar, surpreende a reportagem da referida emissora com os gritos de: “Fogo, Fogo, Botafogo, Botafogo!” Surpresa... Pra quem? Lindo, de arrepiar. Não consegui conter a emoção. Se ali ainda existia alguma dúvida sobre a importância de o Glorioso voltar à Libertadores ela foi desfeita. O Botafogo é um clube de expressão internacional. É impossível não associar a história do futebol mundial ao clube da Estrela Solitária. Não há quem não conheça. Não há quem não reconheça.
A importância é sim, institucional. Longos jejuns não condizem com a grandeza do Botafogo. Seja de título de expressão ou de participação em competições de nível. Não poderíamos demorar a disputar a Libertadores novamente. É importante economicamente. É fundamental para a questão moral. É o mínimo para o tamanho do Glorioso. E é uma honra para o campeonato. Avisem à Conmebol que o Mais Tradicional do país está de volta três anos depois. Teve que cair para levantar. E aquela torcida, que deu show em 2014, bancou essa reação. Sem tirar os méritos da diretoria – que errou bastante, mas também acertou – jogadores e comissão técnica. Pouca gente esperava. Mas sinceramente... É surpresa pra quem?
Há dois anos o alvinegro chorava o rebaixamento, em uma temporada que tinha tudo para ser especial. O "pós-Seedorf" trouxe como heranças dívidas, uma pífia participação na Libertadores e a anunciada queda. Era preciso reconstruir, renascer. Mais uma vez. A construção que teve início lá em 2003 e passou por alguns percalços, é verdade, parecia caminhar para a conclusão quando desabou. O amor de cinco milhões de apaixonados e o peso da camisa mais uma vez levantaram o Botafogo. Muita gente duvidava, apostava em falência e anos de série B. Especialmente a parte podre da mídia. Mas o alvinegro e aquele francês, lá no interior daquele pequeno lugar, jamais duvidaram. O Gigante retornava sem sustos. Surpresa pra quem?
O ano de 2016 começa e alguns insistem em duvidar do Botafogo. Falam tanto em rivais com melhores condições financeiras, e já no Campeonato Carioca, são surpreendidos com mais uma participação na grande final. O resultado não foi o esperado, mas ali estava novamente a camisa preto e branca, brigando pela taça, deixando de fora adversários que possuem maior apoio da mídia, são bancados por mentiras e precisam apelar para os mais diversos absurdos para maquiar os erros. Falta apenas dizer que o basquete é o esporte mais popular do país. Não estranhem se acontecer. Será surpresa pra quem?
O Botafogo errou e muito em contratações nesse ano. Apostou no mercado Sul-Americano e falhou em 90% delas. Surpresa pra quem? Negativa pra ninguém. Positiva para todos, especialmente no acerto com Joel Carli. Foi então preciso reprogramar no meio da temporada, mas não havia mais espaço para erros. Se Canales não rendeu o que era esperado, houve acertos com Sidão e Camilo - jogadores fundamentais na arrancada alvinegra. Mas não há como deixar de destacar a Arena Botafogo, e a diferença que o torcedor fez em cada jogo do Glorioso na improvisada casa. Surpresa pra quem? Os que são de arquibancada sabem quem verdadeiramente é 12º jogador. E aqueles loucos, que vestem preto e branco, realmente jogam. Jejuns, decepções, mídia negativa, falta de dinheiro, classificações e títulos perdidos por erros de árbitros. Nada disso é capaz de diminuir o sentimento do botafoguense. Pelo contrário. Como escrevi em uma coluna recente: "não venham falar de amor sem antes torcer pelo menos um dia pelo Botafogo."
Nada nunca é fácil. E não seria dessa vez. Surpresa pra quem? O Botafogo oscilava no Campeonato Brasileiro, com apenas alguns lampejos e sem uma boa sequência com Ricardo Gomes. O treinador deixava o clube de forma surpreendente e, mais uma vez, muita gente rebaixou o Botafogo. Assim como fizeram no começo da competição. A escolha por Jair Ventura, então, agravou a desconfiança. Mas é nesse momento que o clube que carrega uma Estrela no lugar do coração costuma crescer. E cresceu. Surpresa pra quem?
Jair Ventura conhece o Botafogo. E conhecia as limitações do elenco. É filho de Jairzinho e sabe o verdadeiro tamanho do clube. Por isso, mesmo reconhecendo a carência técnica, foi ousado em alguns momentos. Sob seu comando a equipe começou com três volantes e terminou jogos fora de casa com três atacantes. Ele não foi impecável, claro. Teve momentos em que se questionou opções e escalações. Como a de Diogo no meio-campo, diante do Grêmio, e em outras oportunidades. Mas são detalhes que não anulam o todo. O Furacão nos deu a Taça Brasil de 68, dentre outras alegrias. O filho dele nos leva à Libertadores. Surpresa pra quem?
O Botafogo teve - no mínimo - quatro chances em casa para garantir a vaga na Libertadores. Chegaria à última rodada tranquilo, apenas para buscar a quinta colocação. Não aconteceu. Surpresa pra quem? O botafoguense passou a conviver no limite entre o conformismo por um time limitado, que a princípio brigaria apenas para não cair, e a decepção pela possibilidade de deixar escapar uma vaga que parecia tão certa. O time dava a sensação do “foi longe demais”, mas a camisa e a história traziam a obrigação de voltar do Sul pelo menos com o sexto lugar. Voltamos com mais. O, de certa forma, quase inesperado quinto lugar. Fácil não foi. Surpresa pra quem?
Parecia simples contra os reservas do Grêmio. E assim o jogo anunciava, até Sassá e Airton acrescentarem o toque de emoção que não precisava naquele momento. Difícil julgar fora das quatro linhas, mas Sassá não deveria ter deixado o ataque para discutir com Airton. Erraram os dois. Colocaram em risco o resultado e toda uma campanha. Irresponsabilidade que deve ser devidamente cobrada. Daquelas coisas que só acontecem com o Botafogo. Parece um carma, apenas para justificar o trecho do hino que diz “Foste herói em cada jogo.” Surpresa pra quem?
Herói... Heróis. Somos todos heróis! Os jogadores foram heróis. Dos mais prováveis, à exemplo de Sidão e Carli – nomes do jogo na opinião deste que vos escreve – aos mais improváveis, como Bruno Silva. Mas peço licença para perguntar mais uma vez: surpresa pra quem? O gol, claro, exige uma qualidade técnica que o camisa oito nem sempre demonstra. Mas quem acompanha a coluna sabe que aqui se ressalta a importância dele para a equipe. Sempre que não jogou o meio-campo perdeu compactação e dinâmica. Ao jeito dele, marca e chega ao ataque. É o mais ágil dos volantes. Criticado de forma exagerada na maioria das vezes. Talvez seja válido mantê-lo em 2017. O gol dele, talvez, seja um alerta: reforçar é preciso. Não é mistério para ninguém, mas deve-se encontrar o equilíbrio entre o “time é muito bom” e “o time não vale nada”. O Botafogo é um meio termo que precisa de acréscimo de qualidade. Não quantidade. Pecamos exatamente nisso nesta temporada.
Pecados, erros e acertos se resumem em um final feliz. Bem mais feliz que o torcedor alvinegro poderia esperar no início da temporada. No começo do Brasileiro, ou no meio da competição. Até antes de Jair, de Camilo, Sidão e da Arena. Das sequências de Airton e Carli na equipe. Do entendimento das limitações da equipe. Do entendimento do tamanho do Botafogo. Era preciso ter objetivos à altura e pés no chão. O Glorioso soube, como glorioso que é, dosar e encontrar o meio termo. Sofreu porque é Botafogo. Reagiu porque é Botafogo. Muitos duvidaram porque é Botafogo. Outros acreditaram porque é Botafogo. O Botafogo vai à Libertadores porque é Botafogo. Surpresa pra quem?
Teve momentos em que este vos escreve disse – e deve ter escrito também – que já não aguentava mais ver a nossa história representada por um time tão limitado. Menti, talvez para eu mesmo. Se há a camisa listrada em preto e branco na vertical nós aguentamos. E aguentaríamos mais, o quanto fosse preciso. Pouco mais de um mês sem futebol - sem Botafogo - não vai ser fácil. A verdade é que andei – nós andamos – naquela linha tênue citada há pouco: o que o time poderia e o que a camisa exige. O Botafogo pendeu para a segunda proposição. Surpresa pra quem?
Surpresa pra quem? Para todos que ainda duvidam do peso dessa camisa. De tantas glórias e da história que desde 1904 é escrita a cada dia, e eternizada por cada um dos cinco milhões de escolhidos. Esses alvinegros, apaixonados, terão a oportunidade de assistir ao seu grande amor na Taça Libertadores. A América terá nova chance para brindar a presença de um dos 12 maiores clubes de todos os tempos. Não se faz uma competição com os maiores clubes sem o Botafogo. O continente e o mundo voltam a acompanhar um certo – e único – alvinegro de General Severiano. A vaga é nossa. O ano termina com alegria, com um desfecho digno, e a expectativa para 2017 é boa. Há motivos para acreditar. E se o Botafogo voltar a ser o Botafogo? E se o Glorioso voltar a levantar um título de grande expressão? Será surpresa pra quem? Pra mim não. Para nós não. Para ninguém nunca!
“A Taça Libertadores eu vou jogar!” A América volta a se vestir de preto e branco, e nós vamos de carona para refletir o brilho da Estrela Solitária. Saudações alvinegras!
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