O que eu fui fazer na Arena?

domingo, 17 de julho de 2016

Torcer pelo Botafogo é um teste. Difícil e prazeroso. Um grande desafio, quase que uma sina. Em dado momento do clássico houve quem perguntasse, perplexo com o que acontecia na Arena: o que eu estou fazendo aqui? No fundo o botafoguense sabe de sua missão e o porquê de lá estar, vestindo a camisa mais tradicional do país, cantando e vibrando pelo seu grande amor. Mesmo sem nenhum motivo para acreditar, ele sempre possui todas as razões para crer. Ali ele estava porque foi escolhido para fazer a diferença, e não apenas número. Ali, de fato, o alvinegro predominava nas arquibancadas. Mas nunca foi preciso estar em maior número para ser maioria. No canto e na alma, no grito e nas palmas somos superiores desde sempre.

O belo gol de Salgueiro trouxe todas as respostas para qualquer torcedor que ousasse questionar a sua presença na Ilha do Governador. Logo o uruguaio, que também é motivo de grandes questionamentos. No clássico e em momentos contra o Bragantino ele foi o Salgueiro que o Botafogo espera: o que chama o jogo, participa, organiza e vez ou outra decide. Faz explodir o coração em alegria. Em preto e branco. A Arena tremeu, pulsou num misto de saudosismo – ao lembrar de Caio Martins - e esperança. Desconhecidos viraram amigos de longa data, e os abraços foram distribuídos aleatoriamente. As lágrimas escorreram num misto de emoção, alívio e raiva. O Gigante adormeceu e acordou no espaço de poucos minutos. Quem lá estava sentiu que ali dentro vai ser difícil bater o Botafogo.

Este que vos escreve não julga Ricardo Gomes pela opção por Renan Fonseca nesse jogo. A falta de ritmo de Carli pode ter gerado insegurança no treinador, mas arriscar com o argentino talvez fosse mais correto - e não escrevo ou comento isso apenas depois do jogo e das falhas da defesa. A impressão é que, com Carli em campo, o Glorioso não teria sofrido o primeiro gol, por exemplo. O xerife consegue dominar a grande área. Tem mais presença, porte, se impõe pelo alto e pelo chão. Participa, fala com o árbitro, provoca o adversário. A presença de Carli era – e é – necessária.

Exatamente no momento do primeiro gol o Botafogo controlava o meio-campo. Se não era massacrante, o domínio alvinegro passava certa segurança ao torcedor. E o time também parecia seguro de si em campo. Talvez com um pouco mais de inspiração dos atacantes poderia ter aberto o placar. Pimpão ainda não se encontrou, e Sassá esteve bastante apagado. Mas enquanto 99% dos times imortalizam a camisa dez, o Glorioso possui dois números mágicos. Se o 7 (Pimpão) não brilhou, São Nilton Santos tratou de iluminar a perna esquerda do 6, Diogo Barbosa. Um espetáculo de gol!

Panorama semelhante no segundo tempo. O Botafogo só não contava com o erro de Bruno Silva, responsável direto pelo segundo gol do rival. Momento de desvantagem e instabilidade, que resultaram no terceiro tento do adversário em relativo curto espaço de tempo. É neste momento que volto ao primeiro parágrafo desse texto: “houve quem perguntasse, perplexo com o que acontecia na Arena: o que eu estou fazendo aqui?” Estreia da nova casa, diante do maior rival e com derrota? Bem até então, o time parecia sem forças para reagir. As mexidas de Ricardo Gomes traziam incertezas e esperança na mesma proporção. Mas é preciso lembrar que o livro do time de General Severiano se lê até o último ponto. O final é sempre imprevisível.

Neilton, Salgueiro e Canales entraram bem. Principalmente o uruguaio, que iniciou a jogada do segundo gol e marcou o belíssimo tento de empate. Neilton também balançou as redes e incomodou mais que Pimpão, enquanto Canales foi participativo, prendeu mais a bola e encorpou o ataque. O que o torcedor do Botafogo foi fazer na Arena? Assistir a mais um bom jogo de Camilo e outra grande atuação de Airton, com direito a bronca, em uma pura e sincera demonstração de vontade e alma. Há uma perspectiva mais positiva para a sequência da temporada, ainda que bastante aquém do que o peso dessa camisa pede e sugere. Resumindo, o alvinegro foi à sua nova casa simplesmente para ter mais uma prova do quanto esse clube é gigante!

A análise é simples, e as comprovações idem. O Botafogo atravessa uma de suas piores crises nesses últimos anos, tanto institucional quanto (e principalmente) financeira. Teve que se reinventar para a série B, e novamente se remontar para a série A deste ano. Endividado e sem dinheiro, ainda como vítima de um sistema criminoso de distribuição de cotas de televisão. O rival, por sua vez, possui patrocínio máster e cota praticamente três vezes maior. A diferença de arrecadação é brutal. O elenco é três ou quatro vezes mais caro, e convenhamos que o time no papel é superior ao alvinegro. Eles estão do lado favorável do sistema político e financeiro do nosso país, enquanto o Botafogo rema contra “algumas marés” que insistem em atrasar os tão necessários avanços.

Ainda que diante de todo esse cenário, se passaram dois anos e o Botafogo não sabe o que é perder para o mais comum. Há coisas que o dinheiro, o poder e o sistema não são capazes de comprar: história, tradição e grandeza. Isso o alvinegro de General Severiano tem de sobra, sem jamais pagar para conquistá-los ou precisar de certos privilégios para ser grande a partir da década de 80. Aqui a história é escrita desde 1904. A camisa joga em qualquer estádio, sob quaisquer circunstâncias.

Saudações alvinegras! E nesta semana vou à feira para acertar as contas. Afinal, o bicho é sempre certo! Contra eles, mesmo quando não vencemos, saímos vitoriosos...

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