Amargo dilema...

domingo, 24 de julho de 2016

Evolução sem vitórias. Mudanças sem a devida efetividade. Posse de bola sem a esperada criatividade. Organização e consciência tática sem fugir do óbvio. Aliás, obviedade e Botafogo não combinam desde 1904, quando aquele grupo de estudantes decidiu, ainda em sala de aula, criar um time de futebol. Não sei se esse detalhe já foi revelado, mas pelo menos este que vos escreve não tem conhecimento do fato. De qual disciplina era aquela aula? Certamente não de matemática, pois o Botafogo está longe de ser uma ciência exata. Português... Talvez não, tampouco geografia ou ciências. Talvez de história, pois a do futebol brasileiro começou a ter alguns de seus mais belos capítulos escritos a partir daquele momento.

É exatamente a partir dessa história – ou da aula de história, que seja – que nós transportamos o leitor para o Botafogo do Campeonato Brasileiro. O peso da gloriosa trajetória do clube coloca o torcedor em um dilema bastante amargo: criticar demais é não entender o momento. Criticar de menos é ir contra a história e a grandeza. Querer muito é sonho, mas querer pouco é falta de ambição para o tamanho do Glorioso. E agora, alvinegro? Onde estamos?

Não dá para dizer que o Botafogo fez um jogo ruim em Chapecó. Em termos de organização, disciplina, consciência tática e posse de bola foi uma das melhores apresentações da equipe. Talvez no ano. Mas não venceu. É compreensível para o atual cenário ou é muito pouco para a grandeza do clube? Ao mesmo tempo, faltou profundidade, criatividade e capricho no último passe. O torcedor deve exigir mais ou entender o momento financeiro difícil, as dificuldades e os demais fatores que todos já conhecem? É desculpa ou realidade? É a política dos pés no chão ou falta de ambição? O certo e o errado caminham numa linha tão tênue que, apesar de antônimos, quase se misturam e formam um só significado. Pelo menos em General Severiano.

Muitos torcedores criticaram a opção por Neilton no banco de reservas. Parte da imprensa também. Ricardo Gomes estaria certo ou errado? Os últimos jogos mostram que foi um erro. Mas o segundo tempo de Neilton desmente essa teoria. Escalá-lo ou não está tão certo quanto errado. Assim como a opção por Salgueiro, que apesar do cochilo no primeiro gol, não fez um jogo de todo ruim. Se apresentou, apareceu pra jogar, tentou... Mas não fez diferença. Quem fez? Poderia ter sido Camilo, mas os erros individuais o ofuscaram. No segundo gol por exemplo, na visão deste que vos escreve, foram dois: a displicência do capitão (???) Lindoso e a falta de malícia de Diogo para fazer a falta. Aliás, uma tarde para os dois laterais esquecerem.

O Botafogo segue em frente carregando uma série de dilemas. “Comemorar” a ligeira evolução ou lamentar a falta de vitórias? Acreditar que o time pode engrenar ou seguir preocupado e sem esperanças de melhora? Apoiar e entender o momento ou cobrar de acordo com o que a grandeza do clube sugere? Acreditar que Canales vai amenizar a falta de poder de fogo quando adquirir ritmo ou se preocupar com a possível constante utilização de Luis Henrique?

Fazendo uma rápida viagem pelos últimos 20 anos, encontramos um cenário bem parecido. A esperança de, enfim, quebrar o jejum de títulos nacionais sempre esbarra nos “poréms”. Reclamar da arbitragem é choro ou constatação de fatos que comprometeram diversas campanhas e momentos positivos ao longo das duas décadas? Até quando o clube vai viver em processo de reestruturação – discurso repetido invariavelmente nesses últimos anos? Os rivais também passam por dificuldades, mas todos ganharam algo importante. Por que não o Botafogo? Perder duas finais consecutivas para o Vasco é natural, por conta do tal processo de reestruturação, ou absurdo para quem praticamente jamais havia sido derrotado pelo rival em decisões até então? Não é muito pouco “comemorar” que o time “conseguiu ser finalista mesmo sem estar entre os favoritos”? Ou é preciso valorizar essas pequenas “conquistas” diante da situação delicada que o clube vive? Até quando o torcedor vai ser forçado a aceitar o discurso do "em breve, voltaremos aos tempos de glórias"? 

O dilema entre o ser e o estar, a história e o momento, o BOTAFOGO e o Botafogo deixa o torcedor confuso. E até mesmo perdido na imensidão de contradições em alguns momentos. Acreditar em que, em quem, por que e para que? Empatar com a Chapecoense - um time de pouca tradição no cenário do futebol nacional - seria mesmo um bom resultado? Pelo atual momento talvez sim, mas historicamente não. A complexidade dessa discussão traz apenas uma certeza: o verdadeiro Botafogo, que era temido por todos, e não temia jogar em Chapecó ou qualquer outro lugar do planeta, deixou saudades. Não somos mais aquele? Por que não? Deixamos de ser? Voltaremos a ser? Quando e como?

A raiva e o mau-humor depois de mais uma derrota passam rápido. Na mesma velocidade que as rodadas do Brasileirão. A preocupação e a esperança convivem juntas, num espaço tão apertado quanto o tempo para o time, enfim, emplacar uma sequência no Campeonato. E é essa paixão que ainda sustenta o Botafogo, tendo como alicerce a trajetória de um dos 12 maiores clubes de todos os tempos do futebol mundial. Ainda somos ou vivemos apenas de nome? O que tem sido feito para justificar esse reconhecimento?

A história não se apaga. Mas há páginas em branco para serem escritas, aguardando por novos capítulos gloriosos. E é preciso escrevê-los rapidamente, sem deixar de compreender o momento, mas principalmente sem esquecer o verdadeiro tamanho do Botafogo. Saudações alvinegras, e até a próxima!

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