Nem tanto ao mar, nem tanto à terra

terça-feira, 24 de julho de 2018

Caros amigos, vivemos tempos de exageros. Enquanto alguns arrastam-se pela terra de seus problemas, outros velejam nas ondas da sua própria imaginação autossuficiente.

No campo das emoções, é comum percebermos pessoas que oscilam extremos da alegria à tristeza. A depressão, chamada a doença do século, acabrunha muitos de nossos irmãos, apesar de se multiplicarem nas redes sociais os sorrisos fotográficos. A euforia irresponsável, que apesar de condenar toda reflexão ética da preocupação com o outro, justifica-se na defesa de uma política social justa.

No campo da razão ocorre algo semelhante: os extremos vão desde aqueles que, na defesa de suas próprias ideias, se esquecem da realidade; até aos que, em prol das exigências concretas da realidade, relativizam a verdade. Em tempos de falta de paradigmas, agarrar-se aos extremos parece ser a resposta mais instintiva e imediata.

No entanto, a linha da coerência cristã é muito tênue. Não se pode abrir mão de uma coisa em prol de outra. O bem é feito de boas ideias encarnadas na realidade dos filhos e filhas de Deus. O caminho não pode ser “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”.

O Papa Francisco identifica duas falsificações da santidade que tende nos extraviar do caminho virtuoso do Evangelho: o gnosticismo e o pelagianismo. Diz: “São duas heresias que surgiram nos primeiros séculos do cristianismo, mas continuam a ser de alarmante atualidade. Ainda hoje os corações de muitos cristãos, talvez inconscientemente, deixam-se seduzir por estas propostas enganadoras. Nelas aparece expresso um imanentismo antropocêntrico disfarçado de verdade católica” (Gaudete et Exsultate, 35).

O gnosticismo afirma a existência de um “conhecimento salvador” reservado a um seleto grupo de “predestinados”, que como “seres humanos evoluídos” distinguem-se dos demais, condenados a uma vida mediana ou medíocre. O Papa Francisco aponta para este risco em grupos da Igreja que, na prática fechada do subjetivismo, se acham “mais santos” ou melhores que os outros. Ele os acusa de “um elitismo narcisista e autoritário, onde, em vez de evangelizar, se analisam e classificam os demais e, em vez de facilitar o acesso à graça, consomem suas energias em controlar” (Idem).

Enquanto isso, o pelagianismo, negando a existência do pecado original, afirma que Jesus não nos perdoou por sua graça, mas apenas releva nossos pecados pessoais e nos dá seu “bom exemplo” para que sigamos os seus passos. Como máxima expressão de autossuficiência, o homem torna-se o “salvador de si mesmo”. Ensina o Papa Francisco que “embora falem da graça de Deus com discursos adocicados, no fundo, só confiam nas suas próprias forças e sentem-se superiores aos outros por cumprir determinadas normas ou por ser irredutivelmente fieis a um certo estilo católico. (Evangeli Gaudium, 94).

Para estas duas correntes não interessam nem Jesus Cristo nem os outros (cf. Gaudete et Exsultate, 35). O homem, encerrado no individualismo, traça seu caminho sem limites e ordem, guiado apenas por seus próprios interesses. Mas, não podemos esquecer que Jesus, por sua encarnação, abriu-nos as portas da comunhão com Deus e com os irmãos. Seremos promotores da verdade construindo um caminho de santidade correspondendo ao amor que Deus tem por nós vivendo a caridade com o próximo.

A santidade, portanto, é feita de passos concretos no caminho certo, e Jesus é o caminho! (cf. Jo 14,6). Cuidemos para não sermos iludidos pela autossuficiência humana, e assim atrofiarmos o projeto de santidade querido por Deus para todos nós.

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Dom Edney Gouvêa Mattoso

A Voz do Pastor

Buscando trazer uma palavra de paz e evangelização para a população de Nova Friburgo, o bispo diocesano da cidade, Dom Edney Gouvêa Mattoso, assina a coluna A Voz do Pastor, todas as terças, no A VOZ DA SERRA.

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