Quem tem ouvidos que ouça

Impossível escrever esta coluna de hoje sem falar das coisas que aconteceram em nosso país nestes últimos dias. Um movimento de inconformismo, de cansaço, de imensa revolta partindo de uma nova geração de cidadãos. Desiludidos com os partidos políticos e com seus representantes, que somente aparecem nas épocas eleitorais cheios de promessas que nunca se tornam realidade, os jovens aproveitaram esta temporada dos jogos de futebol para externar sua indignação. Alguns deles ouviram de seus pais uma história que bem poderia servir no nosso caso. Muitos anos atrás, a Colômbia, um país empobrecido, com graves problemas sociais, foi sorteada para sediar a copa do mundo. Seu presidente, recém-empossado, Bettencourt, se estou certo, em discurso a toda a nação, pediu desculpas aos amantes do futebol, mas disse que o país passava por uma grave falta de recursos, estava cheio de problemas, na saúde e na educação principalmente, e ele não podia desviar recursos para financiar a construção de estádios caríssimos e deixar hospitais e escolas na miséria em que se encontravam. O México, então, aceitou sediar aquela copa do mundo. A África do Sul, uma nação cheia de problemas muito parecidos com os nossos, possui hoje uma rede de grandes estádios de futebol que são verdadeiros elefantes brancos. Gastaram uma fortuna para construí-los e por ironia do destino a ambulância que transportava seu ex-presidente, o grande Nelson Mandela, quebrou na estrada. Será que isto aconteceria num país da Europa?

Mas na verdade, o futebol foi apenas uma oportunidade, um momento especial, que a nação encontrou para desabafar o que lhe estava preso na garganta. Nada mais poderá ser como antes deste movimento de cidadania. O povo já deu o seu primeiro aviso. Exige justiça que seja eficiente, saúde e educação digna para todos. A juventude fica estarrecida com as afirmações do grande cidadão que é o ministro Joaquim Barbosa quando diz que o Brasil talvez seja a única democracia do planeta onde políticos condenados por juízes do mais alto tribunal da nação continuam ocupando seus lugares no congresso nacional e, mais incrível ainda, querem diminuir os poderes daquela corte de justiça. Sistema nacional de saúde em ruínas, educação pública de péssima qualidade, justiça lenta e cara, sistema de transportes ineficiente, rodovias em péssimo estado de conservação, desigualdade social do mais alto nível. O que mais falta para levar esta população para as ruas?