Tudo se mistura na arte: os afetos, as cores, as palavras

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

 

O jornal A Relíquia é um informativo para os antiquários, leiloeiros e colecionadores que além de divulgá-los mensalmente, apresenta matérias sobre pintores, escultores, designers de móveis e objetos de arte. Vez em quando, costumo lê-lo porque é interessante e oferece conhecimentos sobre a arte e a cultura artística milenar. 
A edição de número 267 apresenta um artigo sobre a obra prima do pintor holandês Vincent Van Gogh (1853-1890), os Girassóis, escrita pelo editor do jornal, Litiere Carneiro de Oliveira. A matéria me reforçou a ideia de que a literatura tem abrangência sobre a história da civilização que a enriqueceu e transformou a existência humana em suas expressões, ao longo de milênios.  O cinema e o teatro são experts em apresentá-los, uma vez que estão alicerçados pelo texto literário, isto é, o roteiro e o texto dramatúrgico respectivamente. 
O artigo, ao iniciar, evidencia as palavras de Van Gogh: “Eu tenho um pouco de girassol. Para superar esse elevado tom de amarelo a que cheguei neste verão, tive que superar limites”. Tal como o escritor ou o cineasta, o pintor é um pescador de ideias no mundo; tudo é passível de ser intensamente percebido, observado e sentido. Quando tocado, através da arte, é transformado. O amarelo para Van Goh é vibrante; em cada quadro ganha uma tonalidade na medida em que ele transpõe para a pintura as tonalidades da natureza e da realidade.  
 Só aqui, na estante do meu escritório, tenho vários livros com a capa de cor amarela. A começar pela obra da nossa escritora Lygia Bojunga, que tem um livro do qual gostei imensamente, A bolsa amarela. Alguns outros têm um tom de amarelo e saltam aos meus olhos, como Seis propostas para o próximo milênio, de Ítalo Calvino, que estudei, lendo e relendo durante o tempo em que fazia oficinas para o desenvolvimento da escrita. Até hoje, o amarelo deste livro sobrevoa meu processo criativo de escrita.
A literatura não prescinde da cor porque a vida é colorida pelas mais variadas tonalidades, e as cores têm um sentido próprio para o escritor. Certa vez, numa oficina literária, escutei que deveríamos escrever em papel amarelo porque a cor estimulava a mente. Realmente, o amarelo é vibrante, faz o corpo agitar, pois tem um quê de insaciável. O artista não é um conformado com o que a realidade lhe oferece, é um insatisfeito. Suponho que o amarelo deva acalmá-lo ao fazê-lo produzir arte. 
Agora mesmo estou com o pequeno livro da Ninfa Parreiras, Conta-contos, que tem a capa amarela. Será que é por isso que o coloco em destaque sobre a minha mesa, cheia de objetos e máquinas?
Decidi ler a respeito de Van Gogh para entender seu gosto por amarelos, talvez assim consiga descobrir a minha cor e ultrapassar limites. Quero dizer que nós, os artistas, quanto mais estamos misturados com a vida, em suas naturezas, pessoas, eventos e coisas, melhor podemos nos expressar. Precisamos ser coloridos. 

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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