Sejam bem-vindos!

segunda-feira, 09 de setembro de 2019

Esta semana houve um ato de censura na bienal do livro, quando um
grupo de fiscais da Secretaria Municipal da Ordem Pública recolheu livros que
tratavam de temas ligados à homossexualidade. Este ato me provocou
algumas reflexões.
A primeira delas e a mais relevante é que a literatura, enquanto arte da
palavra, revela a vida em todos seus âmbitos com a finalidade de mostrar fatos,
sensibilizar o leitor, apontar questões a serem refletidas. Em dois seminários
que fiz na UFRJ há alguns anos, percebi que o ponto de partida literário é o
acontecer da vida em sua plenitude, em cada lugar e em cada época,
desvelando a essência dos seres e dos fatos, a partir das possibilidades de
apreensão do escritor a respeito de uma circunstância existencial. O fazer
literário pulsa na imaginação dos escritores que constroem histórias, pulsa nos
traços dos ilustradores que a recontam através de imagens, pulsa nas mãos
dos editores que produzem o livro, pulsa no leitor que decodifica o texto e
reflete sobre as mensagens. A literatura é atemporal uma vez que suas obras
não perdem a atualidade, fazem-se presente em todos os momentos
historicamente situados.
O leitor está no mundo concreto, vivendo e convivendo com as
diversidades do existir. A cada instante depara-se com questões e as principais
são: quem sou, como estou vivendo, o que pretendo fazer no meu futuro.
Buscando respostas, ele vai conhecendo a si mesmo, convivendo com o outro,
descobrindo o viver, apreendendo o ambiente e lidando com a interminável
quantidade de informações e solicitações. O fato é que somos seres de
relacionamento e nos vemos através do que nos toca.
Quem faz o livro de literatura manifesta com arte e criatividade um modo
particular de sentir e pensar. Quando o leitor, seja criança, jovem ou adulto,
está entretido com um livro, pode perceber o que vive está ali, sendo
experimentado pelos personagens. É um acolhimento. Lendo, compartilha a
solidão do sentir e do existir (todos sentimos esta solidão essencial). Não é à
toa que os leitores gostam de conhecer os escritores dos livros que leu ou ver

os respectivos personagens no cinema ou teatro pelo fato de buscarem
compreender um pouco melhor seus afetos e sensações.
Além do mais, o leitor, independentemente da idade, sexo ou
nacionalidade, tem necessidade de falar das suas experiências, da sua visão
particular que a cada dia constrói de si e do mundo. Ah, como a literatura
possibilita isto. Falando de uma história, fala também dele mesmo. Escuta
outro leitor, conversa a respeito, debate temas. Interage afetivamente e
culturalmente.
O leitor que aproveita a literatura sente no seu quotidiano o livro pulsar
como um coração, principalmente a criança e o jovem que se encontram em
processo intenso de descobertas e transformações.
Assim, a meu ver, a questão não é censurar, mas oferecer oportunidades
de leitura para que o leitor possa ampliar suas possibilidades de reflexão. E, aí,
a literatura ganha amplitude ante a necessidade de ampliar sua produção,
abordando temas diversos e percorrendo múltiplos pontos de vista. Por
conseguinte, concluo que a literatura não pode ter uma postura mecanicista,
isto é, de julgar ou determinar comportamentos. Com relação ao leitor
infantojuvenil, cabe aos pais, professores e familiares orientá-los à leitura e,
certamente, conversar com eles a respeito.
Estou nas mãos com o livro de Clarissa Pinkola Estés, A ciranda das
mulheres sábias. Ela começa assim:
AH, minha Criatura admirável...
Seja bem-vinda...
Entre, entre...
Estou esperando por você...
O livro sempre convida o leitor a folhear suas páginas, a ler e a vivenciar
a construção literária do seu autor, a refletir sobre as ideias que ele expõe
através de palavras escritas com cuidados. Os escritores experientes e
respeitosos são aqueles que permitem que o leitor tire as próprias conclusões e

decida sobre os modos como vai utilizar os benefícios da leitura no seu dia a
dia.

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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