A beleza dos besouros reluzentes

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Está na literatura fantástica um grande desafio ao escritor: não ter medo de imaginar. Parece incrível fazer tal afirmação, mas quem não tem medo de refletir? Quem ainda não sofreu com uma ideia ou modos de pensar?

Então, o que se poderá dizer com o imaginar?

O escritor, durante o processo escrita, sofre bloqueios que inibem seu potencial imaginativo; o maior deles é o medo. O imaginário não tem limites em sua essência, mas nós o delimitamos, fazendo dele uma caixa com lados rígidos, tampa e fechada com chaves. A imaginação é como se fosse um oceano de águas agitadas que se movem em diversos sentidos, inclusive de modo desordenado. O imaginário não é compartimentado como uma estante cheia de gavetas, em que cada uma tem uma ideia correta e pronta, que surge quando decidimos que ela apareça. Ah, a fantasia explode em nós, toma-nos de assalto e invade-nos porque é uma energia livre, sem forma e sentido. É a instância cognitiva que nos sugere, que nos aponta à criatividade, que nos é marginal e imponderável. Quando nós a bloqueamos, fechamos seus caminhos e perdemos a possibilidade de conhecer a beleza dos besouros reluzentes.

A produção literária nasce no pensamento imaginativo por ser uma fonte inesgotável de ideias genuínas. Despertado pelo desejo, o imaginário é impulsionado por necessidades pessoais íntimas e pelo um anseio de ir além da realidade. Quem é satisfeito com o que a vida tem para oferecer? O escritor escreve por ser o mais insatisfeito de todos os viventes. Quer mais e mais. Com petulante vontade, sempre inconformada, ele fantasia. E escreve. Podendo criar histórias fantásticas ao ultrapassar os contextos reais, delineando outros imaginários, com personagens e fatos inverossímeis, fantasmagóricos ou extravagantes em que há embates entre vilões e heróis, através dos estilos trágicos, cômicos ou de aventura. 

No processo de construção a identidade individual, que ocorre ao longo da vida, principalmente em idades tenras, todos nós precisamos de heróis que enfrentem monstros e barreiras humanamente intransponíveis. Os heróis nos alimentam! Os que emergem da literatura tocam o leitor de modo contundente, especialmente a criança que precisa se ver através dos personagens que enfrentam dragões, bruxos, criaturas horripilantes, de modo que se sinta corajosa para enfrentar os desafios do seu dia a dia.  

Não foi à toa que o primeiro livro de literatura, o Ilíada, escrita por Homero, tenha tantas passagens fantásticas, como as de Aquiles, um personagem ainda tão trabalhado nas terapias, dinâmicas de grupo em empresas e em outros âmbitos que lidam com a fragilidade humana. 

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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