Zuenir Ventura: "estou na melhor fase da minha vida"

segunda-feira, 19 de agosto de 2013
por Jornal A Voz da Serra
Zuenir Ventura:
Zuenir Ventura: "estou na melhor fase da minha vida"

Ele tem, como costuma dizer, a "vocação da alegria, da felicidade”. Aos 82 anos, Zuenir Ventura é, em suas próprias palavras, um "velho jovem”. O escritor, que esteve em Nova Friburgo na semana passada, deu uma longa entrevista ao jornal A VOZ DA SERRA, onde discorreu sobre temas atuais de grande relevância, como o conturbado momento político vivido pelo país, as manifestações e o descontrole da economia. Zuenir não se furtou, inclusive, a comentar questões delicadas envolvendo a política local.

A VOZ DA SERRA – Então, Zuenir, como estávamos conversando, estamos perplexos com o que vem acontecendo hoje no país. O que você acha destas manifestações? 

Zuenir Ventura – Pois é. Até agora, a opinião geral era que esta garotada de hoje não queria nada, era alienada, não lia. Eu, de certa maneira, também compartilhava desta posição. E de repente, o que aconteceu? A juventude vai para a rua e dá um choque no país. Num primeiro momento, ninguém entendeu. Foi aquela explosão que desarrumou o país. Os políticos, então, ficaram atônitos, porque o movimento era contra todos os partidos. Tentaram pegar carona e quebraram a cara. Pois bem, aquela coisa difusa foi arrebatando milhares, até um milhão de pessoas. Era uma coisa muito nova. A última vez que se viu algo assim foi na campanha das Diretas. Até que a partir de um determinado momento uma coisa muito perigosa aconteceu. Começou uma infiltração pequena dos vândalos e as passeatas, que começaram pacíficas, de repente passaram a terminar em quebra-quebra. Isso é perigoso, porque pode dominar ou contaminar um movimento que contou com a participação de toda a sociedade.

AVS – Mas você acha que estas manifestações podem, de fato, levar a mudanças positivas, a uma melhoria nas condições de vida da população?  

Zuenir – Creio que já levaram. É só ver quantas coisas aconteceram em função delas. Governos voltando atrás em decisões já tomadas, políticos corrigindo trajetórias. Tudo isso que aconteceu deu uma sacudida positiva, mas repito, é preciso cuidado para elas não virarem um quebra-quebra anárquico, uma rebeldia sem causa. Então, eu espero que esta coisa fique isolada, o que, de certa maneira, já está acontecendo. Hoje tem passeata com 50 pessoas! Não tem sentido parar uma cidade com isso, como aconteceu na Paulista semana passada, reivindicando a saída de Cabral e perguntando onde estaria Amarildo. Será que em São Paulo não tem nada mais importante para reivindicar do que o governo de Cabral e a história do Amarildo? Que direito tem uma minoria de impedir o direito democrático de ir e vir da população e sair quebrando? Não é desse jeito. Essa coisa iconoclástica de sair quebrando é um perigo. A gente conquistou a democracia para usar os métodos democráticos, para obedecer as leis da democracia. 

AVS – Na sua opinião, quais os principais avanços do país nos governos do PT?

Zuenir – Sem dúvida alguma, os dois governos do PT fizeram o Brasil avançar do ponto de vista social. Houve um crescimento da nova classe média, as pessoas passaram a consumir mais, a ter uma vida melhor. Então, tanto o Lula quanto a Dilma deram uma contribuição inestimável que tem de ser reconhecida. Agora, do ponto de vista político, realmente, foi um desastre porque atropelou uma coisa fundamental que é a ética. Essa coisa do mensalão, que teve a participação do partido, é uma mancha séria destas duas gestões. 

AVS – Você acha que o governo está administrando bem a economia brasileira? 

 Zuenir – Não sou especialista, mas acho que até um determinado momento, sim. Por outro lado, fomos favorecidos pelos quadros internacionais. De uma forma ou de outra, havia um controle, a economia estava crescendo, incluindo as massas. Foi graças a isso, aliás, que Dilma teve índices de aprovação que poucos governantes já tiveram, mesmo sem fazer política. Agora que ela despencou, viu que um presidente não pode agir assim, de uma forma tão arrogante e pelo menos está tentando mudar. Não sei se é tarde. Ela devia ter feito isso antes. Enquanto isso, a economia começa a dar sinais de descontrole, de preocupação. Não de forma ainda dramática, trágica, mas apontando para uma perspectiva preocupante, um sinal amarelo. Os economistas mais respeitados têm chamado a atenção para isso.

AVS – Voltando às manifestações, os políticos parecem todos desorientados, não? 

Zuenir – Com certeza. Eu nunca vi tanto governante voltar atrás como agora. Dilma ainda está sob o impacto daquele tombo, não sabe o que responder, cada hora diz uma coisa. Num primeiro momento, disse que faria um plebiscito, depois não se falou mais nisso. Sergio Cabral idem. E olha que ano que vem tem eleição e poucas vezes tivemos um quadro tão imprevisível como agora. E no caso do nosso estado, há um risco concreto de o Garotinho voltar, o que seria um desastre, algo que a gente já viveu, tomara que não se repita. 

AVS – O Sergio Cabral...

Zuenir – Errou à beça, cometeu uma série de equívocos, mas acabou fazendo uma autocrítica.  Ele tem certa soberba, uma arrogância, porque vinha de uma vida só de consagrações. Mas fez coisas importantes para o Estado. Temos que reconhecer que o Rio de Janeiro deixou de ser a bola da vez do que havia de pior no país em termos de segurança através das UPPs. E agora está sendo linchado como nenhum outro governador foi. Com todos os defeitos, houve governadores anteriores muito piores do que ele. Acho que neste momento, o que ele devia ter feito, já fez. Uma autocrítica muito corajosa até, admitindo seus erros. 

AVS – Apesar de não morar aqui em Nova Friburgo, você procura acompanhar o que acontece na cidade?

Zuenir – Claro. Estou ligado à cidade por laços familiares e procuro acompanhar de perto o que se passa por aqui, principalmente através de A VOZ DA SERRA. Pena que o jornal chegue sempre tão atrasado, por conta dos Correios, que no nosso país ainda anda a passos de cágado. Minha visão de Friburgo hoje é positiva. Nestes dois últimos anos, em função da tragédia, a cidade ficou meio estigmatizada. As pessoas não queriam vir para cá, porque ainda tinham aquelas imagens de destruição na cabeça, mas acho que isso está mudando. Soube que nesse último feriado houve um afluxo de turistas como há muito tempo não se via. Isso revela que aquele estigma foi substituído pela esperança. Hoje, quando eu vi a igrejinha do Suspiro reconstruída, minha autoestima também foi restaurada. Friburgo precisa aproveitar este momento e manter a substância deste novo astral. Isso não pode ser só uma impressão em função da reconstrução. 

AVS – E a política local? Mesmo de longe, você arriscaria uma opinião?

Zuenir – Embora me interesse e acompanhe os rumos da cidade, não sei muito bem como está o quadro político, as forças em jogo. Mas pelo que eu percebo à distância, do ponto de vista da prática política, dos poderes Executivo e Legislativo, o município também está contaminado pela crise de representatividade que assola o país e não está livre de certas práticas abomináveis como a corrupção, o toma lá dá cá, e isso é terrível. A noite de ontem foi um exemplo do que estou falando. Estou me referindo à homenagem da CDL a meu primo, Laercio Ventura e a mim mesmo. E falo isso com muito cuidado para não parecer cabotinismo nem coisa de primo, mas acho que faltaram representantes dos poderes da cidade, como secretários municipais, vereadores. Não por mim, evidentemente, mas por uma instituição da maior importância. Um jornal que daqui a pouco tempo estará completando 70 anos, não é para qualquer um, não. Todos sabem que o Laercio era uma referência nesta cidade, um homem que lutou muito pela preservação de Friburgo. E para mim isso foi um sintoma deste descaso dos poderes constituídos no município. Isso é terrível, revelador. Então, se por um lado os friburguenses estão experimentando um renascimento da esperança, coisas que não deveriam estar acontecendo ainda vigoram. E isso por si só é uma tragédia. 

AVS – Como você encara a velhice, Zu?  

Zuenir – Muito bem. A proximidade da morte não me assusta. Não sei se é por defesa, mas não penso nisso, isso não bate para mim como um momento de reflexão ou de preocupação, de correr para aproveitar ao máximo. Meu lema é o "carpe diem”, isto é, para mim o presente é muito mais importante que o passado, mas não com aquela aflição de querer ser jovem, de fazer tudo o que os jovens fazem, porque a vida não é assim, fica uma coisa meio ridícula, aqueles velhos que pintam o cabelo ou usam brinco, para parecerem jovens. Mas também não sou daqueles que vivem dizendo "ai, no meu tempo”. Acho que o meu tempo é hoje, como disse o Paulinho da Viola. Eu sempre acho que o presente é melhor que o futuro. 

AVS – E o furo jornalístico que você iria nos dar?

Zuenir  - Ninguém sabe disso ainda, a produtora só quer divulgar depois que estiver tudo acertado, mas não resisto e vou te contar. Recebi uma proposta da produtora mais importante da atualidade, que é a Aventura, da Aniela Jordan e Luiz Calainho, para fazer um musical sobre a velhice, com Ziraldo e o Luiz Fernando Veríssimo, dois queridos amigos e companheiros de letras. Será, claro, uma coisa muito para cima. Afinal, esta é uma fase da vida em que temos problemas, mas também grandes compensações e motivos de alegrias. A começar pelos netos, não é? 

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