ZERO: governo e oposição debatem legalidade do sistema

A fim de confrontar os argumentos e jogar nova luz sobre o tema, A VOZ DA SERRA convidou para um debate na tarde desta quinta-feira, 2, o vereador Professor Pierre e o advogado Leonardo Braz Penna.
sábado, 04 de abril de 2015
por Jornal A Voz da Serra
Cobrança da Zona de Estacionamento Rotativo (Zero) em Nova Friburgo vem causando polêmica (Amanda Tinoco/A Voz da Serra)
Cobrança da Zona de Estacionamento Rotativo (Zero) em Nova Friburgo vem causando polêmica (Amanda Tinoco/A Voz da Serra)

Há cinco anos, desde a substituição da Lei Complementar 10 pela Lei Complementar 49, a cobrança da Zona de Estacionamento Rotativo (Zero) em Nova Friburgo vem sendo alvo de diversos questionamentos de natureza legal, que terminaram por judicializar o funcionamento do sistema e torná-lo, de maneira desnecessária e evitável, dependente de correntes de interpretação por vezes bastante complexas.

Apesar das divergências essenciais — e da forma como a situação poderia e deveria ter sido evitada durante o processo de elaboração das leis que se seguiram, numa responsabilidade que precisa ser dividida com a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara —, o fato é que governo e oposição sustentam seus posicionamentos em cima de argumentos coerentes em suas próprias linhas de interpretação, gerando dúvidas a respeito da validade ou não da cobrança.

A fim de confrontar os argumentos e jogar nova luz sobre o tema, A VOZ DA SERRA convidou para um debate na tarde desta quinta-feira, 2, o vereador Professor Pierre, partidário da inconsistência da cobrança, e o advogado Leonardo Braz Penna, coordenador nível técnico do quadro municipal, defensor do respaldo legal para o funcionamento do sistema.

O jornal aproveita a oportunidade para agradecer a Pierre e Leonardo por terem aceitado o convite, contribuindo para dar à população a necessária transparência a respeito das cobranças que lhe são apresentadas.

A origem da divergência

A história do sistema de estacionamento rotativo em Nova Friburgo remonta ao dia 27 de janeiro de 1998, quando foi publicada a Lei Complementar nº 10, que criava a Autarquia Municipal de Trânsito (Autran) e em seu artigo 8º autorizava o município "a cobrar, implantar, manter e operar sistema de estacionamento rotativo fixo, pagos nas vias e logradouros públicos municipais, definidos por Decreto Municipal”.

Onze anos se passaram, no entanto, até que o referido decreto finalmente fosse publicado, no dia 12 de novembro de 2009. Quatro dias após a entrada em vigor do Decreto nº 180, no dia 16 de novembro daquele ano, o ZERo passava a ser cobrado em áreas delimitadas no centro da cidade, com autorização legal e a devida regulamentação. Até este ponto, governo e oposição concordam plenamente.

A sintonia de opiniões, contudo, não duraria muito. Apenas cinco meses mais tarde, no dia 10 de março de 2010, seria publicada a Lei Complementar nº 49, com a missão de fazer a reforma administrativa da autarquia de trânsito e reforçar a legitimidade do Executivo em poder estabelecer preço público para o estacionamento rotativo por meio de decreto. Em seu artigo 13º, a LC 49 estabelece que: "Permanece o Poder Executivo Municipal autorizado a instituir, mediante Decreto, preço público inerente a estacionamento rotativo e fixo nas vias e logradouros públicos municipais, a ser implantado, mantido e operado pela Autarquia Municipal de Trânsito de Nova Friburgo – Autran”. Além disso, em seu artigo final, a LC 49 afirma ainda que: "Ficam revogadas as disposições contrárias, especialmente a Lei Complementar Municipal nº 10, de 27 de janeiro de 1998, mantida, porém, a criação da Autarquia Municipal de Trânsito de Nova Friburgo – Autran, da Junta Administrativa de Recursos de Infrações – Jari e da Comissão de Análise de Defesa Prévia – Cadep”. E aqui começam as divergências.

A interpretação do vereador Pierre Moraes é de que a revogação da LC 10 tornaria inválido o decreto 180, específico para aquela legislação, tornando indevida a cobrança pelo estacionamento. "No meu entendimento o prefeito Heródoto Bento de Mello deveria ter feito um novo decreto, ainda que reproduzindo praticamente o mesmo conteúdo do decreto 180, mas tendo o cuidado de atualizá-lo para o artigo 13 da Lei 49”, argumentou o parlamentar. Já a Secretaria de Ordem e Mobilidade Urbana, apesar de concordar com a pertinência de tal decreto para eliminar possíveis dúvidas ou margens para interpretação, defende que a LC 49 "não inovou no que diz respeito à matéria, mas apenas exaltou a permanência da já existente competência prevista no artigo 8º da LC 10/1998”. Por isso não teria havido repristinação, e a nova lei poderia ainda ser regulamentada pelo mesmo decreto.

Toda essa discussão refere-se ao recorte temporal que vai de março de 2010 a dezembro de 2013, e passa pela interpretação acerca do alcance da revogação da LC 10 pela LC 49. O cenário, no entanto, torna-se mais complexo a partir de 1º de janeiro de 2014, quando a Lei Complementar 79, que deu forma jurídica à recente reforma administrativa do governo Rogério Cabral, revogou a lei complementar 49 e o artigo 1º da Lei complementar 10/98, que criara a autarquia municipal de trânsito.

A leitura do vereador Professor Pierre neste ponto é a de que a cobrança — que já teria perdido a regulamentação em março de 2010 — ficou a partir deste ponto indevida também por falta de amparo legal. Afinal, além de ser discutível se as duas leis complementares já teriam sido completamente revogadas, elas são bastante claras ao estabelecerem que o sistema terá de ser "implantado, mantido e operado pela Autarquia Municipal de Trânsito de Nova Friburgo – Autran”, que nesta altura já não existe mais.

Já a secretaria, por sua vez, defende que ao revogar a LC 49, a reforma administrativa "não tocou nas demais normas contidas na antiga Lei Complementar 10, de 1998”, conservando, portanto, a autorização legal. Vale lembrar, por exemplo, que no verso do talão de cobrança do ZERo continua a constar a íntegra do decreto 180, elaborado para assegurar esta regulamentação. A esse respeito a secretaria esclarece que não foram emitidos novos boletos desde a entrada em vigor da reforma administrativa. Ocorre que a licitação para compra dos talões ocorreu em setembro de 2013, e contemplou a impressão de grande quantidade de material, que agora não pode ser descartado até que se esgote.

A situação atual

Com o intuito de livrar o sistema de tais questionamentos, o governo elaborou e aprovou a Lei Municipal n.º 4.362/14, lançando as bases para a modernização e a terceirização da cobrança de estacionamento rotativo. Até que o novo formato previsto em lei venha a ser implementado, todavia, a iniciativa terminou por novas frentes de incertezas a respeito da cobrança atual, ainda feita nos antigos moldes do polêmico ZERo.

Conforme a leitura do vereador Pierre, ao referir-se nominalmente ao sistema batizado como "Rotativo Nova Friburgo”, de características bastante próprias e divergentes das do ZERo, a legislação atual não elimina o problema da falta de respaldo jurídico que viria desde a extinção da Autran. Pelo mesmo motivo a Smomu entende que, ao referir-se a um sistema diferente do atual, a Lei 4.362 não afeta a questionável — ainda que defensável — validade do ZERo pós-reforma administrativa.

Ao fim do debate, ocorrido em tom bastante construtivo e colaborativo, Pierre Moraes compreendeu os argumentos apontados pelo governo, ainda que mantenha a discordância e sustente o posicionamento de prestar orientação aos usuários que eventualmente estejam recorrendo de multas aplicadas por cobrança do ZERo nos períodos especificados. Leonardo Penna reconhece que a questão admite divergências e que os equívocos cometidos por diversos atores ao longo do processo conduziram a uma situação — ao menos até a entrada em vigor do novo sistema — em que a palavra final deverá caber ao Poder Judiciário.

Além do benefício do diálogo, as partes concordam ainda que o caso ZERo representa um ótimo exemplo dos tipos de transtornos que podem ser causados à população e aos órgãos públicos a partir do descuido em relação a detalhes sutis — porém imprescindíveis — das legislações de amparo a mudanças administrativas.

  • Leonardo Penna, advogado e coordenador nível técnico do quadro municipal (Amanda Tinoco/A Voz da Serra)

    Leonardo Penna, advogado e coordenador nível técnico do quadro municipal (Amanda Tinoco/A Voz da Serra)

  • Vereador Pierre Moraes (Amanda Tinoco/A Voz da Serra)

    Vereador Pierre Moraes (Amanda Tinoco/A Voz da Serra)

  • Cobrança da Zona de Estacionamento Rotativo (Zero) em Nova Friburgo vem causando polêmica (Amanda Tinoco/A Voz da Serra)

    Cobrança da Zona de Estacionamento Rotativo (Zero) em Nova Friburgo vem causando polêmica (Amanda Tinoco/A Voz da Serra)

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
TAGS: Zero | mobilidade urbana | professor pierre | estacionamento | Nova Friburgo
Publicidade