Para o designer Hans Donner, ele é o amigo com quem, há 30 anos, é um prazer filosofar em alemão e compartilhar a paixão por futebol. O publicitário Alex Periscinoto o vê como parte do time criativo que conquistou para a Volkswagen a posição de marca automobilística mais premiada pela publicidade brasileira. O colunista Salomão Schwartzman o define como empreendedor corajoso, visionário e humanista, apaixonado por música clássica, enquanto o mecânico Manoel Messias Gomes de Souza tem na lembrança o chefe que transmite segurança, não ignora ninguém nem dá bronca em público.
Ele é Wolfgang Sauer, o poderoso executivo que comandou a Volkswagen brasileira entre 1973 e 1993. E são muitas as vozes que contam a história desse alemão, naturalizado brasileiro, na biografia “O Homem Volkswagen”, com texto de Maria Lúcia Doretto. O incrível carisma de Sauer—que o ajudou a transitar pelas altas esferas do poder político e empresarial e a negociar com sindicalistas e governantes—fisga o leitor pela sensibilidade e pela razão.
Órfão de pai na Alemanha nazista, Sauer relembra os malabarismos adolescentes para não ingressar na Juventude Hitlerista, o encontro (ou melhor, encontrão) quase premonitório com Robert Bosch, futuro empregador e fonte de inspiração, e uma hilariante passagem pelo mercado negro. Fala de suas perambulações por outros países e da vinda para o Brasil, onde sua história se entrelaça de maneira decisiva com a própria história da modernização industrial do país. Sauer coleciona lances geniais e nunca teve medo de colocar o pescoço a prêmio para defender suas crenças. A maior de todas? O homem e seu bem-estar são o centro de qualquer empreendimento.
Com esse espírito, criou a Autolatina, unindo as operações da Volkswagen e da Ford numa época em que sequer se falava de fusões; processou o governo contra o controle de preços; negociou com os sindicatos nas primeiras greves do ABC paulista. E, cereja do bolo, articulou a maior exportação de um único modelo de carros já realizada no mundo: a eletrizante Operação Iraque, que vendeu US$ 1,7 bilhão em Passats pagos com petróleo em plena crise mundial gerada pela guerra Irã-Iraque. O detalhe é que era preciso receber lá... e em espécie!
Sauer tem muito o que contar e não se fez de rogado. De sua biografia, ressurgem personalidades marcantes da história recente do Brasil, com suas idiossincrasias e “humanidades”, bastidores do mundo empresarial e da política, cenas de quem viveu uma vida intensa e cheia de aventuras. Sabiamente, Maria Lúcia não se limitou a pôr fatos em ordem cronológica. Colheu depoimentos, reuniu fotos, pesquisou os contextos de cada situação e criou um livro que é um caleidoscópio, do qual emerge um Sauer como ele é—multifacetado, surpreendente, irresistível.
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