A VOZ DE OLARIA - Médico cubano: “Estou aqui para fazer medicina”

Posto de Saúde Tunney Kassuga em Olaria foi um dos beneficiados pelo programa Mais Médicos
segunda-feira, 09 de fevereiro de 2015
por Jornal A Voz da Serra
A VOZ DE OLARIA - Médico cubano:  “Estou aqui para fazer medicina”
A VOZ DE OLARIA - Médico cubano: “Estou aqui para fazer medicina”

Texto: Dayane Emrich / Foto: Amanda Tinoco

O programa Mais Médicos, lançado pela presidente Dilma Rousseff em 2013, integra um amplo projeto de busca pela melhoria do atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). A iniciativa prevê mais investimentos em infraestrutura dos hospitais e unidades de saúde, além de levar mais médicos para regiões onde há escassez ou até mesmo falta desses profissionais, o que é uma realidade de praticamente todo o país. Somente em Nova Friburgo, 17 médicos fazem parte do programa. Deles, 16 são cubanos e apenas um é brasileiro.

O Centro de Atenção Integrada à Mulher e a Saúde da Criança e do Adolescente (CAIMSCA) Tunney Kassuga, no bairro Olaria, foi um dos beneficiados pelo programa Mais Médicos. Lá, um casal de cubanos — Diosdani Margendie Preval e Yaimara Lopes Dieguez — realiza atendimento diariamente, atendendo cerca de 40 pessoas, no mínimo, em dias em que a demanda é baixa.  

Em entrevista exclusiva à equipe de A VOZ DA SERRA, o clínico geral Diosdani Margendie Preval, de 30 anos, contou um pouco sobre a experiência de trabalhar no Brasil, mais especificamente em Nova Friburgo, a respeito da sua adaptação e da recepção da população local, além de outros detalhes sobre o programa. Diosdani nasceu no no município de Guainaro, no estado de Camaguey, a cerca de 620 quilômetros da capital Havana; formou-se em 2009, na Universidade de Ciências Médicas Carlos Juan Finlay Camaguey, e desde 2014 está no Brasil para, como ele mesmo diz, atuar em uma grande ação de ajuda humanitária. Confira abaixo a entrevista.

 

AVS: Como foi a sua adaptação ao Brasil?

Diosdani: Eu cheguei ao Brasil em 24 de março de 2014. No princípio, levei um choque muito grande. O Brasil é um país poderoso, em todos os sentidos. É um país incrível. Primeiramente fomos para Vitória, no Espírito Santo, depois fomos levados para Guarapari e lá passamos por um curso de um mês sobre as principais especialidades médicas, o protocolo de atendimento, além do português básico. Fizemos uma prova sobre a língua portuguesa e uma outra de medicina. Mas o mais difícil é o português, uma língua em que ainda estamos começando.


Sobre Nova Friburgo, como foi a chegada a cidade?  

Quando minha esposa e eu descobrimos que vínhamos para Nova Friburgo, fomos procurar informações na internet e só apareciam notícias da tragédia de 2011. Ficamos com muito medo. Mas, ao chegar aqui, o que aconteceu em maio do ano passado, fomos muito bem recebidos. Nos ensinaram muita coisa, nos mostraram os hospitais e postos de saúde da cidade. Depois começamos a trabalhar com um professor de adaptação e sempre fomos acompanhados por algum médico local ou alguma enfermeira, o que nos ajudou na adaptação à cultura local.


O senhor sofreu algum tipo de preconceito desde que chegou aqui?

O preconceito para nós é uma palavra nova, pois em Cuba não é algo tão comum como aqui. Até agora ninguém me xingou, nem me discriminou pela minha cor ou pelo meu país. De qualquer forma, nós, cubanos, não nos ofendemos facilmente. Tem que ser algo muito forte. Em Cuba, por exemplo, se te chamam de ‘preto’ você simplesmente chama de ‘branco’. Lá não temos essa raiz de preconceito e xenofobia, pois há muito estrangeiros como brasileiros, haitianos, africanos. Em Cuba não temos a ideia de que uma pessoa de raça parda, por exemplo, é pior ou melhor. Todo mundo é igual.  


Qual a realidade que o senhor encontrou em Nova Friburgo?

Quando cheguei em Nova Friburgo, percebi que a saúde aqui tinha muitos problemas e ainda tem. O atendimento básico é feito, existem postos, mas agora há mais 16 médicos para ajudar. Temos a meta de atender, no mínimo, 20 pacientes por dia. Isso sem falar da demanda espontânea, ou seja, aqueles pacientes que precisam de atendimento e que não foram agendados. 


Qual a sua especialidade?

Aqui no Brasil sou clínico geral, mas em Cuba atuo como especialista em medicina geral e integral. A gente não faz somente a consulta, faz um acompanhamento do paciente, da família e da comunidade.  


Como está sendo trabalhar no posto Tunney Kassuga?

Eu estou gostando bastante. Trabalhar aqui é uma experiência boa, são muitas coisas novas. Ainda falta muito para aprender, é claro, mas para mim o mais importante é que estamos trabalhando com o pouco que temos e estamos fazendo medicina. Mesmo que seja apenas com uma mesa, uma cadeira, um estetoscópio — aparelhos básicos — e um enfermo. Nós estamos aqui para fazer medicina. Às vezes nos deparamos com casos difíceis, mas a maioria deles é tratada aqui mesmo. Desde que estou aqui, só encaminhei para o Raul Sertã e/ou para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) dez pacientes. Todos os outros tratamentos e acompanhamentos foram feitos aqui mesmo.

 

Como é feito o atendimento?

Cada posto tem uma estratégia. Como trabalhamos em uma área muito grande, pois atendemos Vale dos Pinheiros, Ypu, Bela Vista, Cascatinha, Cônego, entre outros, fazemos marcação de consultas de manhã e à tarde. 


Qual são os pontos positivos da medicina cubana em relação a brasileira?

Eu acho que a medicina tanto em Cuba quanto no Brasil é uma só. No entanto, a diferença está na forma como é feito o atendimento. Em Cuba, nós temos uma medicina mais preventiva do que no Brasil, o que é muito importante. Além disso, o tratamento lá é mais direto e fazemos visita domiciliar e, por isso, o trabalho na comunidade é mais amplo do que aquele feito com um clínico geral em um local fixo, atendendo uma única pessoa por vez. O tratamento e o acompanhamento não são iguais.

Outra diferença é que aqui tem mais tecnologia. No entanto, apesar de em Cuba ser feito um atendimento mais clínico para diagnosticar as doenças, isso o torna mais exato que o Brasil.


O que mais lhe motivou a vir para o Brasil?

Os meus companheiros de profissão. Isso sem falar da vontade de conhecer o ‘verdadeiro’ Brasil. A televisão, principalmente as novelas, só mostram Copacabana. Mas quando você chega aqui e conhece o povo de verdade, você vê que realmente as pessoas precisam de ajuda. Eu vi pela internet que faltavam médicos, então decidi vir. Tive sorte de vir para cá, onde as pessoas são tranquilas e onde não faz tanto calor como o Nordeste. 


Em relação ao salário, vale mais a pena trabalhar aqui?

Sim. No Brasil um médico ganha mais do que em Cuba e isso não é nenhum segredo.


Já trabalhou em outros países?

Sim. Já trabalhei na Venezuela durante quatro anos, em um município muito quente.


Qual a duração do seu contrato? E o que pretende fazer quando ele terminar?

O contrato que eu assinei é de três anos. Mas eu não sei se ele pode ser estendido ou não. Por mim eu fico mais tempo, mas também tenho que pensar em construir minha família, ainda não tenho filhos (risos). 


Como é feita a escolha do destino de cada médico que faz parte do programa Mais Médicos?

Por sorte. Eu estou feliz de ter sido enviado para Nova Friburgo, mas tenho amigos que não tiveram a mesma sorte que eu e foram para municípios isolados como alguns na Amazônia e em Rondônia. Mesmo assim, humanitariamente, esse esforço é preciso.


Como o senhor vê a sua participação no programa?

Eu acho que é uma ajuda humanitária. Desde que cheguei aqui, não teve um dia sequer que não houvesse 20 ou mais pacientes agendados. Fico feliz por estar aqui e por saber que as pessoas que procuram por atendimento estão sendo atendidas. 

 

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A seção será publicada quinzenalmente, às quartas-feiras.





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