Voa, passarinho! A (há) vida depois de um cordão umbilical cortado

sábado, 03 de setembro de 2016
por Ana Blue
Voa, passarinho! A (há) vida depois de um cordão umbilical cortado
Depois de pouco mais de um ano morando com meus filhos num apartamento alugado com muito custo — The Blub’s House, como apelidaram meus amigos — finalmente comprei um roteador a prestação. Não que eu não precisasse ou não quisesse fazer isso antes, e também não foi exclusivamente por falta de grana, mas uma questão de elencar prioridades. Todo o dinheiro que eu recebia nessa época e recebo ainda hoje costuma ter destino certo antes mesmo de eu sentir o cheiro das notas coloridas de quinto dia útil. E esse destino certo quase nunca compra alguma coisa. Talvez fosse mais barato e menos trabalhoso pagar por dados limitados no celular, talvez não ter wi-fi em casa me permitisse aproveitar mais das interações e companhias em volta, e por isso eu não fizesse tanta questão de estar sempre online, mas fato é que ao primeiro alerta de mensagem no celular conectado pela primeira vez à minha própria rede me deu novamente uma sensação que experimento vez em quando desde os 16 anos de idade: a sensação de independência do mundo, de ser dona do meu pedaço. Assim como pegar as chaves na imobiliária, com um contrato de locação na mão e milhões de planos de decoração na cabeça, ou como receber o primeiro boleto de conta de luz com o nome da gente. O mundo adulto realmente existe, afinal. E paga contas demais. E segue obrigado a deixar algumas coisas pra pagar depois.

Desde pequenininha eu queria ter uma parede azul. Aí, já cheguei pintando a sala de azul. Nossa, eu acho que nunca fiquei tão feliz com uma coisa
Diferente de mim, o jornalista e apresentador Bernardo Fonseca tratou logo de instalar internet e configurar roteador assim que se mudou da casa dos avós, em Olaria, para sua primeira temporada solo na vida num apartamento no Centro. Eu sei disso porque até pouco tempo atrás eu caçava wi-fis abertos na rua como moleques farejam doces de Cosme e Damião, e ao passar pela rua dele, vi disponível o usuário alô, alô graças a deus — bordão de uma das personagens mais amadas na internet nos últimos anos, a performer Inês Brasil. Sabia que aquele wi-fi só podia ser do Bernardo, um de seus fãs mais assíduos. Morando sozinho há alguns meses, ele diz que a experiência tem sido maravilhosa. “O custo de vida é que está bastante caro. Não só conta de luz, mas alimentação, material de limpeza, aluguel. E tudo parece não parar de subir. Aqui em Nova Friburgo, em especial, alugar um imóvel é um pouco difícil. É mais barato que alugar em Petrópolis, em Cabo Frio ou Rio, mas não é fácil encontrar bons apartamentos ou casas no Centro ou Olaria. Às vezes ficam muito afastados e o transporte público deixa a desejar. Em geral, tudo muito acima da realidade friburguense, em termos de renda da população. Aí não facilita, né?!”, diz.

Bernardo, que não tem nem 30 anos, não chega a ser um caso raro, mas não está exatamente dentro dos números habituais. Os adultos, em especial os homens, estão saindo de casa cada vez mais velhos. Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2002 a 2012, a chamada geração canguru — adultos jovens de 25 a 34 anos — que morava na casa dos pais passou de 20% para 24% no Brasil. Além disso, a idade média para os filhotões abandonarem o conforto do ninho passou de 25 para 35 anos.

Independência: um substantivo feminino

Ainda de acordo com a pesquisa, atualmente homens são 60% do grupo de 25 a 34 anos que ainda mora na casa dos pais. Em tempos idos, as mulheres saíam mais cedo de casa para assumir as responsabilidades de uma outra casa, com marido, filhos, enfim, o até então ideal de vida imposto à mulher. E ainda hoje, parece haver uma espécie de predisposição natural feminina para a independência dos pais. Se antes pela imposição de padrão, agora, depois de ganharem o mundo, o mercado de trabalho e assumirem sua posição de donas dos próprios narizes perante a sociedade, as mulheres continuam cortando o cordão umbilical mais cedo que os homens — e dessa vez para terem seu próprio espaço, para terem controle sob sua própria vida. 

A comerciante Rayune Marchon, de 19 anos, pode dizer que viveu as duas situações. Saiu da casa da mãe, em São Pedro da Aldeia, aos 17 anos, para morar com um antigo namorado, mas decidiu não voltar para lá quando o relacionamento acabou. “Ouvi da minha mãe que se ele nunca tinha me agredido eu não tinha motivos para terminar, que menina direita não desfaz casamento. Aí decidi morar sozinha mesmo”, diz Rayune, que já morou em república de estudantes, já dividiu apartamento com amiga e agora, finalmente, mora sozinha. Quando deu esse depoimento para o Light, a moça comemorava sua primeira semana na casa nova.

Uma parede azul para Ludmyla

Ludmyla Lemos, 24 anos, social media, morava com os pais, em Bom Jardim, mas queria mesmo era cantar pra subir. Gastava uma grana ajudando nas despesas, já tinha uma noção sobre contas de casa. Foi o bastante. “Usei a desculpa de estudar e trabalhar aqui em Friburgo e pulei fora”, conta. “No momento em que saí, sabia que ia ter que me virar sozinha. Comecei morando em pensionato, que era o que dava pra pagar. Quando a grana apertou fui morar de favor, mas não voltei atrás e nem pedi ajuda. Vários perrengues, mas sempre deu tudo certo no final. Hoje ainda é meio que no sufoco, mas tenho um apezinho, alugado, que é bem a minha cara. Trato isso como meu troféu, sabe? Eu conto como pontapé inicial a minha parede azul. Desde pequenininha eu queria uma parede azul. Aí, já cheguei pintando a sala de azul! Nossa, eu acho que nunca fiquei tão feliz com uma coisa, cara. Eu tenho uma parede azul”.

Nem sempre homens e mulheres permanecem na casa dos pais por necessidade ou dependência/comodidade econômica. Em muitos casos, situações como idade avançada, doença ou dificuldade de mobilidade fazem com quem os filhos optem por estarem perto de seus pais, para qualquer eventualidade. Outro dado importante de se ressaltar é o fato de as famílias estarem cada vez menores, e as pessoas, no geral, cada vez vivem mais.

Há, ainda, quem aproveita a independência já conquistada para alçar voos ainda mais altos. Ana Pérola Pacheco, de 28 anos, é uma dessas pessoas. Quando começou a faculdade, aos 18 anos, juntava um pouco de todo o dinheiro que ganhava, para poder se mudar, até que decidiu mudar não só de cidade, mas de estado. “Eu me sentia sufocada por Friburgo, Bom Jardim e adjacências. Era como precisar de um local mais aberto e limpo, puro, para poder respirar até expandir. Digo que parei no Sul por uma questão de sobrevivência”, diz Ana, que hoje mora em Florianópolis com os gatos Rubi e Romeu.

Emancipação: os Peter Pans ao contrário

A emancipação de menores é um mecanismo legal através do qual uma pessoa abaixo da idade da maioridade adquire certos direitos civis, geralmente idênticos àqueles dos absolutamente capazes. Deborah Araújo, por exemplo, se emancipou aos 17 anos, a fim de trabalhar,  de cuidar da vida. “E, claro, também queria poder entrar nas festas”, brinca. Ao se emancipar, tirou novos documentos e tudo. “De uma hora pra outra eu era outra pessoa”, finaliza.

É... de uma hora pra outra a gente pode virar outra pessoa mesmo. Às vezes basta só sair do ninho.

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