A atendente demorou um pouco a acreditar, pensou que fosse trote. O menino estava escondido dentro do guarda-roupa. A mãe, apanhando. Era preciso fazer alguma coisa.
L.S. era casada há anos com M.F. Jovens e com um filho pequeno, a família tinha tudo para ser feliz. No entanto, as brigas entre o casal eram cada vez mais frequentes. Apesar de conviver com a violência doméstica e o vício do marido, L.S. acreditava que um dia essa realidade poderia mudar, mas naquela noite as coisas foram longe demais.
M.F. chegou em casa embriagado e sob efeito de drogas. No quarto, L.S. ouviu o barulho na porta e percebeu que a noite não seria fácil. Ao chegar ao quarto com papelotes de cocaína na mão, ele obrigou a esposa a usar os entorpecentes. L.S. se negou e tentou fugir, mas a força e a brutalidade de M.F. a impediram. Foi neste momento que começaram os socos, tapas e o abuso sexual.
No outro quarto, o menino de apenas cinco anos ouvia as agressões do pai e os gritos da mãe. Apesar de pequeno e indefeso, T.S. conseguiu ter uma atitude capaz de mudar o futuro daquela família. Em silêncio, ele foi até o cômodo onde viu a mãe deixar o celular horas antes, voltou para o seu quarto, se escondeu dentro do guarda-roupa e ligou para a polícia. Sensível à história que era contada pelo menino e convencida de que não se tratava de um trote, a policial pediu para que o pequeno T.S. a explicasse onde morava. Mesmo sem saber o nome da rua ou número da casa, ele conseguiu explicar detalhes como a cor e o estilo da residência e o que havia na vizinhança.
Graças à atitude de T.S., minutos depois a polícia chegou ao local e prendeu M.F. em flagrante.
A identidade dos envolvidos e o bairro onde aconteceu a história não foram identificados por motivos de segurança, mas o fato é que o cenário foi Nova Friburgo e, infelizmente, esta não é a única história como essa. Todos os meses, milhares de casos de violência doméstica chegam às Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher em todo o Brasil.
Lesão corporal é o maior motivo de denúncias
De acordo com o 10º levantamento realizado pelo Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, o Dossiê Mulher, referente a dados do ano passado e divulgado recentemente, as vítimas do sexo feminino ainda são maioria quando o assunto é violência. Isso na forma ampla da palavra. Oito dos 11 itens analisados na pesquisa acontecem em sua maioria com mulheres. E grande parte dos delitos cometidos contra elas ocorre no espaço doméstico ou no ambiente familiar. As mulheres também são a maioria das vítimas em casos de estupro e lesão corporal dolosa. Os percentuais chamam a atenção. Mais de 60% delas sofrem lesão corporal, 56,5% foram ameaçadas, 42,1% tiveram o domicílio violado, 40% convivem com calúnia/injúria/difamação, 35,5% já sofreram tentativa de homicídio, e outras 31,3% chegaram a ser estupradas por seus companheiros ou familiares.
Em Nova Friburgo, segundo dados do dossiê, em 2014, foram 3.014 casos registrados de violência contra a mulher, enquadrados em 12 crimes. Destes casos, 1.136 foram de ameaças, 748 de lesão corporal e 47 de estupro. Em relação a 2013, o registro de ameaças aumentou (1.136 casos no ano passado contra 849 em 2013). Já os registros de estupro tiveram pequena redução (53 em 2013 e 47 no ano passado), enquanto as ocorrências de lesão corporal dolosa (com intenção de matar) subiram (de 621 para 748 casos registrados).
Para ajudar na redução desses números existem programas sociais e unidades especializadas. O Centro de Referência da Mulher (Crem-NF) é uma das iniciativas que têm mudado a realidade das mulheres de Friburgo e região. De acordo com Rosângela Cassano, coordenadora da unidade, apenas nesse primeiro semestre de 2015 duas mulheres foram retiradas de situação de violência e encaminhadas para abrigos, onde terão a chance de recomeçar suas vidas. Outras dezenas recebem apoio através de atendimento psicológico, jurídico e profissionalizante.
Muitos casos atendidos têm um histórico de envolvimento com drogas e álcool. Para Rosângela, é importante que as mulheres entendam que esses fatores não podem ser considerados justificativa para a violência. “Muitas vezes escutamos por parte da mulher o discurso de que ‘Meu marido é ótimo, mas quando bebe ou se droga se transforma’. É como se quisessem justificar o ato tentando compreender a agressão. Mas é preciso entender que o ciclo da violência é um problema social que precisa ser tratado como uma doença psíquica e física para a mulher. Nós entendemos que a droga ou a bebida não são fatores preponderantes para a violência, elas podem aumentar a atitude agressiva. Porque o homem violento não se transforma por causa dos vícios; ele, na verdade, já tem em seu comportamento essa faceta e os químicos só acentuam o problema”, disse.
Outra frente de trabalho é a Delegacia Especializada em Atendimento a Mulher (Deam-NF), que realiza atendimento 24 horas. Segundo a delegada Waleska Garcez, a maioria dos casos atendidos em Friburgo é de lesão corporal, calúnia e ameaça. Ela destaca ainda a importância do trabalho realizado em conjunto com o Crem e a Defensoria Pública, o qual tem levado mais informação à população e tem contribuído para que as vítimas percam o medo de denunciar. “Embora muitas mulheres estejam procurando nossa ajuda, muitas outras ainda precisam se conscientizar sobre a importância da denúncia”, afirmou Waleska, acrescentando que “grande parte das mulheres não faz a queixa por dependência financeira, ameaça ou mesmo esperança de que o parceiro possa mudar”. Ela finaliza dizendo que “a falta de informação sobre os aparatos oferecidos faz com que as pessoas aceitem a violência”.
Casos de violência contra a mulher em Nova Friburgo no ano de 2014
- Ameaça: 1.136
- Calúnia/ Difamação/ Injúria: 888
- Lesão Corporal Dolosa: 748
- Violência Patrimonial: 84
- Estupro: 47
- Violação de domicílio: 46
- Dano: 28
- Supressão de documentos: 10
- Constrangimento ilegal: 10
- Tentativa de Homicídio: 9
- Tentativa de estupro: 7
- Homicídio doloso: 1
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