Vampiros

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
por Jornal A Voz da Serra

Maurício Siaines (*)

Esta época de festas de final de ano traz sempre a palavra solidariedade à baila. Com a palavra dançando por aí, vale a pena refletir sobre seus possíveis significados, pois existem diferentes tipos de solidariedade, como já observou o sociólogo Émile Durkheim (1858-1917). É claro que, durante as festas, a maioria das pessoas fala em uma solidariedade universal, ideia presente no cristianismo. Mas há outras formas.

Exibiram-se, faz pouco, nos noticiários de TV, imagens daquele grupo de assessores políticos de órgãos do Governo do Distrito Federal, abraçados, agradecendo a Deus por eles terem conseguido sugar mais um pouco de dinheiro público. Dinheiro que não é mais que a representação do trabalho, do esforço, isto é, do sangue e do suor de quem trabalhou. E eles estavam ali rezando ... sabe-se lá para que tipo de divindade.

O sentimento que eles provocaram foi de repulsa, de rejeição moral. Afinal, como aceitar aquela moralidade baseada no saque do que é público? Pois é: o problema é que existem diferentes formas de moral, apoiadas em diferentes formas de solidariedade.

Riobaldo Tatarana, personagem do escritor João Guimarães Rosa (1908-1967), é um pensador da moral, luta para entender o bem e o mal, que ele representa nas figuras de Deus e do Diabo. Suas reflexões e suas histórias compõem o livro Grande Sertão Veredas. Diz Riobaldo que “(...) o mais importante e bonito, do mundo, é isto: Que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas estão sempre mudando, afinam ou desafinam.” (João Guimarães Rosa, Grande Sertão Veredas. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2006, p. 23).

Riobaldo vive angustiado porque, a fim de ter forças para vencer um inimigo, tentou fazer um pacto com o Diabo. Mas não sabe se conseguiu, porque o Diabo não apareceu em pessoa diante dele, embora ele o chamasse, em uma encruzilhada à meia-noite. Passa ele, então, a duvidar da existência dessa figura do mal. Fazer o pacto tinha a finalidade de ter poder, coisa que ele efetivamente consegue. No final do livro, sem ter certeza de ter vendido ou não a alma ao Demônio, ele apresenta a questão a seu compadre Quelemém, que lhe responde: “Tem cisma não. Pensa para diante. Comprar ou vender, às vezes, são as ações que são quase iguais...” (Idem, p. 607). E Riobaldo, finaliza o livro com a seguinte conclusão: “O diabo não há! É o que eu digo, se for ... Existe é homem humano. Travessia.”. (Idem, p. 608).

Mesmo que Riobaldo tenha razão, há figuras como aquelas lá de Brasília que dão vontade de acreditar em um mal externo ao homem. Eles e muitos outros lembram os vampiros, seres que vivem do sangue humano e que duram muitos séculos, se não morrerem pela exposição à luz do sol, ou por terem o coração atravessado por uma estaca enquanto dormem.

Há um filme do cineasta polonês Roman Polanski, de 1967, que pode ser entendido como uma metáfora das relações sociais em que os vampiros se imiscuem na política e nos governos: A dança dos vampiros, baseado na história clássica dos caçadores de vampiros, criada pelo escritor irlandês Bram Stoker (1847-1912). Nessa versão de Polanski há uma cena muito interessante de um baile de vampiros, em que os caçadores participam disfarçados em uma dança aristocrática, algo como um minueto, até que revelam sua condição humana ao aparecerem refletidos em um espelho, coisa que não acontece com vampiros. A dança faz lembrar as várias solenidades e outros rituais que os vampiros políticos gostam de impor aos mortais, em que estes podem, no máximo, dançar atrapalhadamente, como os personagens de Polanski.

A presença dessa vampirada no poder político no Brasil, apesar dos diversos impulsos de renovação, dentre os quais as eleições de FHC e de Lula, é explicada pelo antropólogo Roberto DaMatta que diz o seguinte a respeito: “As repúblicas de 1889 em diante mudaram o Brasil política e legalmente, mas não o transformaram social e culturalmente. Não redefiniram seus códigos de comportamento e sistema de valores e não prepararam a sociedade para as mudanças mais radicais que o Estado realizava no papel.

A maior delas é justamente a da igualdade perante a lei que até hoje não temos aquilatado plenamente, donde sua surpresa e incômodo.” (O Globo, 16 de dezembro de 2009). E sem a real igualdade perante a lei os simples mortais acabam cedendo lugar àqueles que estão sempre atentos às oportunidades de tirar algum proveito do poder ou outras situações.

(*) Jornalista, mestre em sociologia

mauriciosiaines@gmail.com

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