Há uma polarização equivocada sobre socialismo e liberalismo e, em algum sentido, sobre esquerda e direita. Por causa de governos corruptos e manobras que só atendem a interesses de uns poucos privilegiados, ou misturamos tudo como se fosse a mesma coisa, ou distinguimos tudo como se do outro lado nada prestasse.
O liberalismo erra ao acreditar no livre mercado como instância de gerência da sociedade, como se essa entidade fosse capaz de autorregularização. Os desdobramentos dessa ideia dão origem a conceitos de estado mínimo, meritocracia, etc. E redundam na exclusão de multidões que não têm oportunidade da inclusão. Mas acerta quando enxerga no potencial dos indivíduos a força do desenvolvimento da sociedade. Quando compreende que o desejo pessoal por superação pode ser uma fonte de avanço.
O socialismo, por seu turno, engana-se ao crer numa sociedade de plena distribuição sem que haja a participação ativa do indivíduo. Equivoca-se ao defender a tese de um estado máximo que, como um grande pai, deve gerar e gerir tudo. Mas acerta ao se sensibilizar com a fraqueza humana e suas misérias. Ao compreender o lugar da solidariedade social diante das vulnerabilidades. E ao denunciar a falsa ideia do mercado autossuficiente.
Estado mínimo e livre mercado, de um lado, estado máximo e controle total de mercado, de outro, são faces de uma mesma realidade. Poder pelo poder. Ou pela vertente econômico-ideológica ou pela político-ideológica. O desafio que temos não se resume a uma via intermediária, conciliatória. Mas a uma profunda reconstrução sob novas bases e com novas perspectivas.
Primeiro, um caminho que priorize a pessoa. Especialmente aquela que esteja em situação de vulnerabilidade e risco.
Para isso, tão importante quanto políticas públicas, é necessária uma mudança de mentalidade. Construir a sensibilidade de olhar para o outro como sujeito de direitos, que tem na coletividade da sociedade a única fonte de amparo, momentâneo ou permanente.
Segundo, um Estado que consiga se reformar permanentemente de modo que não perca sua vocação originária, que é garantir direitos (e, por isso, fiscalizar deveres). Um Estado leve ao ponto de estimular o trabalho, a livre iniciativa, a cooperação, o mercado como trânsito e comunhão. Um Estado eficiente na medida do suprimento das necessidades vitais das pessoas para sua plena dignidade.
Terceiro, uma lógica econômica que parta do princípio da solidariedade. Do trabalho como mecanismo de viabilização da vida e redução de desigualdades. Uma economia cooperativa que estimule o esforço do indivíduo e inspire a comunhão dos resultados. Uma economia que se assuma como ferramenta de socialização.
Política e economia que se entendam como meios, e não como fim em si mesmas. Fundamental, nesse processo, é a discussão sobre o conceito de "propriedade". O que há nesse planeta é recurso 'do planeta' (que, na verdade, é tomado pelo ser humano e por ele transformado - ao que designamos como trabalho). Mesmo as ideias são recursos da coletividade - frutos da jornada histórica e social da humidade. Defender a propriedade como privada é, talvez, a raiz do egoísmo e suas exclusões. Uma nova sociedade exige uma nova mentalidade sobre quem somos.
Desde as grandes tradições religiosas até a psicologia moderna, passando pelos discursos de coaching e autoajuda, (ainda que com seus méritos de valorização humana), fomos educados na lógica do "eu" e da "propriedade". Da vida eterna num céu de ouro ao melhor vendedor batedor de metas, a lógica de base é a mesma: superar e vencer, individualmente (no máximo, como grupo: a igreja, a empresa, a família, o partido).
Uma nova sociedade passa pela valorização do indivíduo, pela inspiração da cooperação e pelo empenho da solidariedade. Que exige um estado, ao mesmo tempo, sensível para os fracos e leve para os ágeis; que seja eficiente para o empreendedor e provedor para o necessitado; que não seja peso para o que arrisca muito menos berço para o que se acomoda. Uma nova sociedade requer que política e economia voltem seus esforços para além de si, na direção dos cidadãos. É o salto do singular para o plural. Mergulho que exige comunhão com o íntimo e abertura para o todo.
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