Um pouco da história de Irineu Marinho, fundador de O Globo

sexta-feira, 20 de agosto de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Por Alessandro Lo-Bianco

Já se tornou hábito dizer-se que quando o jornal O Globo apóia um candidato, ainda que sutilmente, através de um noticiário aparentemente isento, o candidato ganha a eleição. Mas depois que o Lula se tornou presidente, há meia verdade nessa assertiva. A Organização Globo é, na sua espécie, uma das melhores do mundo. Na imprensa falada, escrita e televisionada. Seu fundador, Irinineu Marinho Coelho de Barros, foi a semente rara e forte da qual brotou O Globo. Dele, consigo apenas uma pequena biografia escrita por dois amigos do meu avô materno, Noronha Santos e Emanuel de Macedo Soares, este último, que escreveu um livro acerca dos nomes dados às ruas de Niterói. Ao tratar da Rua Irineu Marinho, nos dá notícia dessa resumida biografia.

Irineu Marinho Coelho de Barros, jornalista, nasceu em Niterói, a 19 de junho de 1876 e faleceu, repentinamente, no Rio de Janeiro, a 21 de agosto de 1925. Era filho do empreiteiro de obras João Marinho Coelho de Barros e de Edwiges de Souza Barros. Em 1881 matriculou-se no Liceu Popular Niteroiense, tendo entre seus colegas o romancista Lima Barreto. Lá, fundou o Grêmio Literário Silvio Romero e os jornais A Pena e O Ensaio. Iniciou sua colaboração regular no jornal O Fluminense. Numa época na qual todos assinavam por pseudônimos, nunca deixou de assinar I. Marinho. Por sempre ser identificado em seus artigos, por causa de uma defesa que fez em favor dos parnasianos, provocou uma briga com os colegas de redação, que na época lhe deram três conselhos: que deixasse o Liceu, onde nada aprendia; que deixasse a imprensa, já que não sabia escrever coisas descentes; e que fosse plantar batatas, porque não dando certo como jornalista, poderia encontrar sucesso neste tipo de agricultura. 

Com a Revolta da Armada, em 1893, interrompeu os estudos e fixou-se no Rio de Janeiro, trabalhando como revisor do Diário de Notícias, fundado e dirigido por Rui Barbosa. Passou dali para a Gazeta de Notícias, onde foi revidor, repórter de polícia, secretário de redação e finalmente diretor. Por essa época (1903), casou-se com Francisca Pisani, que lhe deu cinco filhos e veio a falecer quando se anunciavam as comemorações do centenário do marido. Deixando a Gazeta de Notícias, fundou em 1911 o jornal A Noite, lançado a 18 de julho. O vespertino se notabilizou pela defesa das causas nacionalistas, combatendo os trustes internacionais que estendiam seus tentáculos sobre o Brasil. Essa linha o levou a simpatizar por manifestações que lhe renderam a prisão por quatro meses. Libertado, fez longa viagem à Europa, com a mulher e os cinco filhos, aproveitando para conhecer técnicas e equipamentos gráficos mais aperfeiçoados. Durante sua ausência, Geraldo Rocha, amigo e sócio, convoca uma assembléia de acionistas de A Noite e aumenta seu capital na sociedade obscuramente, deixando Irineu, o fundador do jornal, reduzido à condição de sócio minoritário e expurgado da empresa. Graças ao auxílio de companheiros e profissionais do jornal, reage ao golpe e, levando os fiéis e bons companheiros com ele funda O Globo, um novo e moderno vespertino, que circulou pela primeira vez a 29 de julho de 1925. Surpreendido por um ataque cardíaco, seu jornal sobreviveu graças a dedicação do seu editor chefe, Euricles de Matos. Foi Euricles quem preparou os filhos varões de Irineu (Roberto, Rogério e Ricardo Marinho) para asusmir o lugar do pai, transformando O Globo no órgão-líder de um dos maiores complexos de comunicação do mundo. O mundo deu voltas e da lembrança ingrata por parte da turma do jornal O Fluminense, restou uma placa de bronze colocada na Rua Irineu Marinho, em Niterói, patrocinada pelo veículo. O fundador de O Globo, já vitorioso com o jornal A Noite, nunca mediu despesas para melhorar seu jornal, mas para ele, continuava a almoçar numa pensão de sobrado na rua Uruguaiana, modesta no tempero e no preço, que guarda até hoje uma foto de Irineu na parede.  Gostaria de terminar este artigo transcrevendo uma carta endereçada ao atual presidente Lula, anos atrás, em campanhas anteriores, escrita por Roberto Marinho, filho de Irineu, que demonstra bem que o espírito e a determinação de seu pai continuam, sem interrupção:

“Lula, assisti como simples espectador, entre milhões de brasileiros, ao debate final da campanha pela televisão. Coube aos vários profissionais da Organização Globo, incumbidos de tal tarefa, analisar o confronto entre os dois candidatos à presidência. O candidato Luis Inácio Lula da Silva mencionou meu nome durante a discussão com o competidor. Embora o fizesse com certo respeito e sem propósito de denegrir-me, havia certo tom negativista no modo com que reiteradamente me foi atribuído decisivo poder político sobre os destinos nacionais. Não costumo dar resposta a ataques pessoais de quem quer que seja. A exceção que abro ao senhor Lula deve ser encarada como uma homenagem que lhe presto. Não é verdade que eu exerça poder político e hegemônico, e menos ainda que eu o faça em caráter pessoal. A orientação que imprimo aos veículos que me cabe dirigir visa estritamente a defesa do que julgo serem os reais interesses do país e dos caminhos a serem trilhados para que se possa alcançar o bem estar do povo. A tentativa de mobilizar a opinião pública contra o meu nome não chega a ser original. Antes do senhor, mais de um político movido pelo oportunismo tem pretendido ferir-me pessoalmente na ilusão de que assim procedendo poderia perturbar a trajetória das Organizações que comando. No caso presente, entretanto, devo reconhecer que houve pelo menos comedimento na injustiça praticada contra mim pelo companheiro Lula. Companheiro Lula, companheiro sim, como trabalhador, durante minha atribulada formação em plena adolescência, matriculei-me espontaneamente no Instituto Profissional Souza Aguiar. Todo dia, às 06h45m, eu entrava na sala. Não tivesse a vida do meu pai, de origem modesta, florescido com extraordinário êxito, produto de um talento e coragem que se refletiram na criação do vitorioso vespertino A Noite, que ele fundou para reformar e dinamizar a imprensa brasileira, assim como o faria posteriormente ao fundar O Globo, e eu poderia ter tido, por destino, que ser, com muita honra, um colega operário seu. Mas meu pai morreu subitamente apenas 23 dias depois de fundar O Globo, e eu ainda nem sequer completara 21 anos de idade. Minha mãe desejou que eu assumisse logo o comando do jornal. Recusei. Faltava-me experiência. Convidei para permanecer no posto o ínclito jornalista Euricles de Mattos, e, durante seis anos, fui um disciplinado aprendiz da profissão de jornalista, até que, com a morte dele, entendi que era chegada a hora de assumir a plenitude das minhas responsabilidades. Já antes disso, me senti no dever de, em mais de uma ocasião, divergir de Euricles, sempre com franqueza e lealdade. Como aconteceu, por exemplo, durante sucessão de Washington Luis. Euricles impunha ao jornal uma neutralidade por mim julgada absurda. Dizia dos candidatos Getúlio Vargas e Júlio Prestes, que eram ambos farinha do mesmo saco, vinhos da mesma pipa. E eu reagia perguntando:

– Mais o que o senhor deseja então? Que importemos um presidente do estrangeiro?

Se o recordo agora, é para deixar bem claro que nunca tive dúvidas sobre o dever de cada cidadão e de cada jornal de posicionar-se, segundo as suas convicções, em face dos problemas nacionais. As Organizações Globo me pertencem assim como reciprocamente eu pertenço às Organizações Globo. Para elas trabalhei e trabalho em cada instante da minha vigília há 65 anos. Ninguém pode jamais dizer-me que trabalhou ou trabalha mais do que eu. E é nestas condições que me dirijo ao senhor para dizer-lhe: não caia na tentação de repetir a cantilena demagógica de Leonel Brizola. Do meu trabalho resultam empreendimentos que geram empregos para dezenas de milhares de brasileiros. Não copie, julgue por si e por alguém que reconhece o valor do trabalho. Do seu atual opositor, com o julgamento que poderá estar errado, mas que é feito com espírito construtivo e somente visando a solução para atual conjuntura brasileira.” 

Depois destes esforços biográficos por dois grandes amigos do meu avô, um, Macedo Soares, e outro, Noronha Santos, e principalmente por esta carta do Roberto Marinho, atualíssima, em que pese de cuidar de uma eleição já passada, ninguém pode duvidar quanto a orientação de O Globo em premiar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam.

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