Um observador de Nova Friburgo

quinta-feira, 07 de junho de 2012
por Jornal A Voz da Serra
Um observador de Nova Friburgo
Um observador de Nova Friburgo

Maurício Siaines

Jorge Plácido Ornelas de Souza é um apaixonado por Nova Friburgo que já enviou mais de 300 cartas para A VOZ DA SERRA, em sua maior parte publicadas. Não se incomoda por alguns de seus escritos não serem aproveitados porque os entende como desabafos: “A gente sem querer fala demais”. Diz ter se surpreendido com a penetração do jornal na cidade, que pôde avaliar pelo retorno de suas contribuições à seção Leitores On-Line através do Facebook e de contatos diretos com os mais diversos personagens do dia a dia em suas andanças pela cidade.

Em suas atividades como profissional de telefonia, circulou por toda Nova Friburgo e olhou-a de diversos ângulos, o que faz suas observações serem dignas de consideração para quem deseja compreendê-la, especialmente pelas mudanças de mentalidade pela qual passa agora, depois da tragédia climática de janeiro de 2011.

Aposentou-se em 2000 e, depois de morar no Cordoeira durante 20 anos, mudou-se para o Parque Imperial. Desde então, intensificou sua atividade como observador da vida friburguense, aproximando-se também da União Brasileira de Trovadores. Por enquanto, seus textos ainda não têm a forma de trovas, mas não será surpresa quando tiverem. Abaixo, trechos de entrevista ao jornal dada por ele no sábado, 19 de maio.

A VOZ DA SERRA – Foi o trabalho com telefonia que o trouxe para Nova Friburgo, não é? Como foi esse caminho?

Jorge Plácido Ornelas de Souza – Entrei [na Companhia Telefônica Brasileira] em 17 de abril de 1969, em Cordeiro, e saí em 2000. Fiz a prova na empresa, no Rio, na Avenida Presidente Vargas, e fui admitido para trabalhar em Cordeiro. Nesse primeiro ano, fiz diversos treinamentos, em Campos, [Duque de] Caxias, para me adaptar ao trabalho.

AVS – Você tinha função técnica, não é? O que exatamente você fazia?

Jorge Plácido – Fazia manutenção de equipamentos, rádios e equipamentos de transmissão.

AVS – E tudo isso mudou muito... Nessa época em que você começou a trabalhar com telefonia, dar um telefonema do Rio para Niterói era operação complicada e a ligação era ruim...

Jorge Plácido – Era muito difícil, tinha tempo de espera. Não existia essa tecnologia digital, a comunicação era difícil. Antigamente, para se falar [do Rio] com Friburgo, havia dois circuitos, da mesma base de Cordeiro. Eram circuitos metálicos, fios.

AVS – E hoje, qual a diferença?

Jorge Plácido – Hoje é tecnologia digital, com cabos óticos. E os rádios, na época em que eu trabalhava, tinham um número de canais muito limitado, hoje os rádios são digitais e têm milhares de canais. Toda a tecnologia mudou.

AVS – Você começou a trabalhar em Cordeiro e quando veio para Nova Friburgo?

Jorge Plácido – Em 1974. E, graças a Deus, não saí mais.

AVS – Por que esse “graças a Deus”? Por que você gosta tanto de Friburgo?

Jorge Plácido – Sei lá! É um gostar que não consigo explicar. É um envolvimento tão grande ... me emociono quando falo de Friburgo. Às vezes paro e olho para cima e é um encantamento que tenho: as montanhas, os desenhos que se formam no horizonte eu não vejo em lugar nenhum. Aquelas formas que se apresentam no horizonte ... aquilo me deixa emocionado. Tenho uma carinho muito grande por esta cidade, não tem explicação. E a gente sofre muito com ela.

AVS – Qual o sofrimento?

Jorge Plácido – Tenho um acervo de em torno de mil fotos da cidade na época de catástrofe. Tenho aquilo no Facebook. Às 6h já estava na rua e houve lugares em que parava em entrava em pranto. Pensava: “Não é possível, não estou em Friburgo!”.

AVS – Por onde você andou?

Jorge Plácido – Em todos os lugares, nos quatro cantos da cidade. Se eu tivesse uma visão fotográfica melhor, teria captado muito mais imagens. E não tive a malícia de levar um gravador, mas fazia questão de entrevistar as pessoas. Houve lugares em que ouvi relatos terríveis. Minha mulher, que de vez em quando me acompanhava, chegou a dizer que não sairia mais comigo porque não aguentava mais.

Houve um acontecimento até engraçado, apesar de triste. Estava em Córrego Dantas e um rapaz me dizia haver perdido 17 pessoas de sua família. “Minha casa estava a mais 500 metros da barreira ela chegou até minha casa”. Eu estava em pé, na beira do rio e, a um determinado momento, ele me perguntou se eu queria comprar um Chevette e completou dizendo que, se eu quisesse, estava em cima dele. Eu estava em cima do teto do Chevette, Olhei e lá estava o para-brisa do carro embaixo da areia. Isto dá para se ter uma ideia do que foi aquilo. Ele disse que estava em casa e ouvia pessoas gritando e carros com faróis acesos rolando como bolas de futebol.

AVS – Esse seu amor por Nova Friburgo fez você tentar entender a cidade, não é?

Jorge Plácido – Estou tentando ainda.

AVS – E como é esse seu esforço para entender a cidade, o que você faz? Durante a tragédia você saiu com máquina fotográfica e fez mais de mil fotos. E, sem ser na tragédia?

Jorge Plácido – Uma das coisas marcantes na cidade são as flores. Tenho muitas fotos de flores. E, como já falei, os horizontes da cidade. Os desenhos que ali se formam me marcaram muito. Às vezes, uma nuvenzinha pendurada na montanha, contra aquele fundo, me emociona demais. É um amor muito grande.

AVS – E essa visão te dá o quê, uma sensação de aconchego?

Jorge Plácido – Uma sensação de aconchego e de que Deus existe. Infelizmente, não tenho o hábito de ler, mas fico buscando, dentro da literatura algumas pessoas que gostam de Friburgo e falam dela. E encontrei o JG de Araújo Jorge que diz de Friburgo: “Parada de um caminho... a caminho do céu”.

AVS – Quando você trabalhava com telefonia já tinha esse envolvimento que você tem hoje com a União Brasileira de Trovadores e com as tentativas de falar de Nova Friburgo de maneira poética?

Jorge Plácido – Esse envolvimento começou através da Nádia Huguenin, em 2007. Antes, frequentei muito a Pedra da Caledônia para fazer manutenção [de equipamentos de telefonia] e o visual de lá é uma coisa assombrosa, é muito bonito. E a paixão por Friburgo é no dia a dia.

AVS – E sobre a vida da cidade?

Jorge Plácido – Acho que esse povo sofre muito. Vejo a luta dessas pessoas. Quando ando de ônibus, ouço as pessoas falando. Ando de ônibus para vivenciar a situação dessa gente para ter uma ideia. Converso com pessoas que perderam tudo nessa enchente, com pessoas que trabalharam nessas empresas que fecharam. Essas coisa que o povo sente na carne.

AVS – Então você anda e fica ouvindo o que as pessoas falam ...

Jorge Plácido – Ouvindo. Às vezes vejo aquele que está quietinho e é ele que procuro e ele conta histórias. E, assim, vou aprendendo sobre Friburgo. Parece uma coisa que me persegue: se vou em um evento qualquer, alguém vai me procura e me falar alguma coisa.

AVS – Isto que você está dizendo, além do retorno que você tem de suas cartas publicadas em A VOZ DA SERRA, faz pensar na importância das mídias locais, mesmo nestes tempos em que, através da internet, tem-se acesso ao mundo inteiro, não é?

Jorge Plácido – É, a mídia local é fundamental. Nem sei explicar o que acontece, mas a força que a imprensa tem aqui em Friburgo [é muito grande]. Gosto da imparcialidade de A VOZ DA SERRA.

AVS – Você está falando da importância que pode ter um jornal impresso, ou está se referindo também à versão on-line?

Jorge Plácido – Em on-line, também. Não sou assinante de A VOZ DA SERRA, porque não tenho certeza de que ele poderá chegar sempre no lugar onde moro. Aí, procuro ler o on-line. Procuro logo a seção Leitores On-Line porque gosto dela. Do [Giuseppe] Massimo, também, porque ele é muito simples e pelo seu jeito irônico. E é assim a importância da imprensa na cidade. É uma coisa extraordinária a penetração do jornal aqui em Friburgo. E no exterior também: quando falei do Rogério [Faria], da Stam, ele estava na Índia [e leu a matéria].

AVS – Você costuma viajar, ir ao Rio, a São Paulo, outros lugares?

Jorge Plácido – Não. Andei viajando um pouco, depois dei uma parada. Tenho um filho em Niterói e, de vez em quando, vou lá. Ao Rio também. Quando chego lá e vejo coisas erradas tenho vontade de escrever, mas não com tanta emoção. Em Friburgo, eu escrevo e sinto. E você ver as mesmas coisas acontecendo magoa muito. Mas o reconhecimento das pessoas me deixa feliz, encontrar com pessoas na rua que me falam do que escrevi. Isto, para mim, não tem preço.

AVS – E isto não seria possível em uma cidade do tamanho de São Paulo, por exemplo.

Jorge Plácido – Você é sempre menor, quanto maior for a cidade. Aqui você conhece praticamente todo mundo. Até aconteceu uma cena engraçada comigo nos Jogos Florais da Argentina: estávamos em um lugar próximo a Buenos Aires e uma senhora me chamou a atenção. Falei com ela, dizendo-lhe conhecê-la de algum lugar e, quando lhe disse ser de Friburgo, ela me respondeu: “também, sou”.

AVS – Você tem essa vivência de ouvir as pessoas e de escrever para o jornal ...

Jorge Plácido – ... é querer ajudar as pessoas.

AVS – Então, você também deve ter ideias sobre o que falta nos jornais locais. O que você sugeriria, por exemplo a A VOZ DA SERRA?

Jorge Plácido – Para mim, A VOZ DA SERRA é um jornal completo. Tudo que eu tenho vontade de que seja feito, a [seção] Leitores On-Line faz. E é importante pessoas da cidade falarem da cidade. Não me interessa, por exemplo, que o [governador] Sérgio Cabral venha para cá para falar de Friburgo. Quero saber o que a Elizabeth Souza Cruz acha, o que as pessoas daqui acham.

Às vezes, você vai a uma rua e percebe que ela tem um tipo característico, uma história. Você vai à [Avenida] Alberto Braune e vê isto. Gosto muito, também, de ler o pitoresco da cidade, as coisas engraçadas da cidade. A VOZ DA SERRA poderia ter uma coluna assim, que contasse o pitoresco, as coisas engraçadas porque isto marca muito. E tem histórias engraçadas em Friburgo e pode-se saber delas através das pessoas mais antigas.

AVS – E para o dia a dia da cidade, existe alguma sugestão?

Jorge Plácido – Eu gostaria de ver uma coleta de lixo específica para o centro da cidade e também que os órgãos responsáveis pelo meio ambiente, fossem mais criteriosos para a autorização do corte de árvores.

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