Um homem de teatro

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
por Jornal A Voz da Serra
Um homem de teatro
Um homem de teatro

Maurício Siaines

Chico Figueiredo é um homem de teatro. Nascido em Nova Friburgo em 1963, não é somente ator, ou diretor, ou figurinista, tem no teatro uma vivência que o formou. Atualmente, é presidente do Gama (Grupo de Arte, Movimento e Ação), o que por si só já revela uma identidade. Mas é também diretor do Centro de Arte e professor do CVT (Centro Vocacional Tecnológico), da Faetec (Fundação de Apoio às escolas Técnicas), onde lida com gastronomia, outra habilitação que desenvolveu com base em vocação e estudos universitários e que apresenta todas as semanas em sua coluna no Caderno Light de A VOZ DA SERRA. Exerce também a função de chefe do cerimonial na Prefeitura de Nova Friburgo. Na tarde chuvosa da sexta-feira, 9 de dezembro, trouxe essa bagagem para uma conversa em sua sala no Centro de Arte. Abaixo, um extrato dessa entrevista.

A VOZ DA SERRA – Já que o teatro e as representações vão ser nossos temas, vamos começar pela primeira das representações: seu nome é Francisco Figueiredo ....

Chico Figueiredo – ... é Francisco Paulino de Figueiredo Neto. Na verdade, meu nome artístico era Francisco de Figueiredo. Não gostava de Chico quando era pequeno, achava Francisco um nome lindo, associado a mil coisas, ao santo que é meu protetor e Chico ... as pessoas me chamavam de Chico e de Chiquinho. Depois, pensei: ninguém me chama de Francisco—só minha mãe quando vai me dar alguma bronca, ou Francisquinho, quando eu tinha feito alguma besteira—então resolvi mudar para Chico Figueiredo. Nunca fui muito de acreditar em nome associado à numerologia, essas coisas, mas depois que adotei Chico Figueiredo, deixando Francisco de Figueiredo, minha vida deu uma guinada. É engraçado, alguma coisa se modificou.

AVS – Quanto à questão de ser um homem de teatro, como disse o personagem de Paulo Autran na primeira montagem de peça “Liberdade, Liberdade”, de Flávio Rangel e Millor Fernandes, em 1965, o que é na sua vida ser um homem de teatro?

Chico – Desde pequeno, minha vida é meio teatral. O teatro não entrou com os meus 16 anos ou com 18, como se um dia eu dissesse: vou fazer teatro. O teatro está na minha vida desde pequeno. Sempre fui muito artista, o teatro vem de pequeno, assim como a gastronomia. Na escola fazia teatro ... sempre fui envolvido com artes, sempre gostei muito de arte. E o teatro desde muito cedo mesmo, dirigia peças na escola, fazia minhas roupas para a disciplina Educação Artística, meu trabalho era sempre relacionado a teatro, juntava os alunos, botava todo mundo para fazer uma peça comigo, fui desenvolvido nessa arte ... também na música: sempre saí em fanfarra, em banda. Então, não tinha e menor dúvida de que seria um homem de teatro ... em todos os sentidos. Comecei a fazer teatro amador muito cedo, aqui em Friburgo, e era um teatro muito forte. Comecei com José Ivan Erthal, no Colégio Estadual [hoje, Colégio Estadual Jamil El-Jaick], depois, passei pelo Sesc, onde havia um trabalho de expressão corporal especial, depois fiz com José Sérgio, um diretor que já morreu. E aí, entrei para o Gama. Mas vim com essa bagagem de teatro amador, que era muito presente em Friburgo, era muita gente fazendo teatro, eram muitos grupos e estabelecia-se uma disputa, o que era muito bom. E aprendi a participar do teatro como um todo, varrer, fazer uma bilheteria, fazer uma maquiagem, costurar, bordar, colar, pintar, atuar ... fui criado dentro dessa coisa maior que é o teatro, não só como ator. Então, esse homem de teatro se formou desde criança mesmo.

Depois fui fazer teatro na CAL (Cento das Artes de Laranjeiras), no Rio de Janeiro, em 1982, e me formei lá. Na própria CAL, comecei a fazer teatro. Não foi difícil entrar nesse meio no Rio. E com essa bagagem do teatro amador, o que foi muito legal. Sempre fui muito disponível às coisas do teatro. E aí comecei a desenvolver essa parte minha de figurino, de que sempre gostei muito, a maquiagem. Desde que entrei para o Gama, em 1981-82, faço o trabalho nessa área. Quando morava no Rio não podia atuar nas peças do Jaburu aqui, mas toda a parte de figurino, maquiagem e adereços eu faço, desde essa época em que fui para o Rio. Mais tarde, fiz algumas peças com o Gama como diretor.

AVS – E você nasceu e cresceu aqui em Nova Friburgo. Como foi a relação entre as vivências da cidade e do teatro especificamente?

Chico – Friburgo me deu as oportunidades, desenvolvi minha arte e minha cultura em Friburgo. Poderia ter feito outra coisa. A arte dá uma visão maior da cidade em que você mora, a emoção é diferente quando se trabalha com cultura, o pensamento muda, o horizonte é maior, você vive outros mundos, outras pessoas, você conhece outras pessoas, inúmeras pessoas. O teatro dá isso, essa coisa irreal, impalpável que, ao mesmo tempo, está ali. Sinto Friburgo como minha, é a minha cidade. Por ter transitado por vários segmentos em Friburgo, nunca esqueci a cidade. Mas a gente só percebe que a cidade é importante e é bonita quando vai ficando mais velho. A primeira reação é dizer: “Vou para o Rio, não quero morar em Friburgo, aqui não tem campo, não se desenvolve”.

AVS – É interessante essa questão dos campos, não só para o teatro. Muita gente diz que aqui não tem campo para isso ou aquilo. Como você vê isso?

Chico – No teatro, não generalizando para outras áreas, a pessoa tem que viver, tem que comer, tem que ser profissional. E aí, o que acontece? É preciso ir para o Rio estudar. Como não existe escola de teatro em Friburgo, não é possível a pessoa se desenvolver artisticamente. Isso faz com que se percam os atores, os talentos vão embora e raros voltam. Alguns voltam depois, mais velhos. Então se perdem essas pessoas. Talvez até haja agora mais campo e em outras áreas também. Mas acho que a pessoa tem uma necessidade de ver a cidade maior, relacionar-se com ela e ver que a cidade pequena também pode dar esses prazeres. Mas é preciso ir ver, ter essa vivência. Talvez, se aqui tivesse uma escola de teatro, ou uma escola de gastronomia muito boa—que são as áreas em que atuo—se aqui tivesse uma escola muito boa de gastronomia, uma faculdade, seria possível trazer pessoas de Teresópolis, de Bom Jardim, de Duas Barras, de Sumidouro para fazer essa escola. Ter-se-ia aí uma gastronomia muito mais forte. Porque tem campo nessa área. Todo mundo reclama que não se consegue cozinheiro, nem auxiliar de cozinha, nem garçom, nem barman. Porque não tem. Quem quer fazer gastronomia como uma coisa um pouco maior e não ser apenas um cozinheiro, quem quer se especializar não fica. Então, não há esse campo porque não existe uma escola.

AVS – Esta cidade de Nova Friburgo é um polo econômico e nesta condição é também um polo cultural e talvez esteja se tornando um polo universitário. Você falou da habilitação e qualificação de pessoas na área da gastronomia, mas isto pode valer também para outras áreas, não acha?

Chico – É, mas acho que precisa de uma mudança cultural. Em Friburgo as pessoas ficam meio perdidas, não existe um investimento real no jovem, nos cursos. Acredito até que exista isso, mas é muito restrito. Friburgo empobreceu muito nos últimos 20 anos. Então, as coisas são muito pequenas. As agências de comunicação, por exemplo, que trabalham com propaganda e marketing, são muito pequenas, não são abrangentes. Talvez, com outros cursos, abrindo esse leque cultural, essa aura cultural que Friburgo tem, investindo-se pesado em educação e cultura ...

AVS – Quem deveria investir pesado, os governos, os empresários?

Chico – Os empresários mesmo. Existe a Lei Rouanet e outras leis de incentivo e poucos empresários participam. Os empresários que ajudam são sempre os mesmos. A gente já sabe até a quem se dirigir. E muitos outros poderiam estar fazendo esse investimento. Não se tem a visão do potencial cultural. A cultura é a maior potência do país, as verbas estão aí. Quantos empresários sabem que têm direito a diminuir o que paga de Imposto de Renda se investir na cultura? Friburgo de 30 anos atrás tinha essa cultura, era efervescente.

AVS – Mas hoje também existe um público novo, talvez essa chamada nova classe média, que emergiu no país inteiro, de pessoas que trabalham muito e vão fazer faculdade à noite. Friburgo está cheia de gente assim. Especificamente aqui, quando se iniciou esse processo de empobrecimento a que você se referiu, desenvolveu-se uma nova categoria social que foram as costureiras autônomas e seus diversos agregados, entre familiares, vendedores e divulgadores. Existem pelo menos duas dissertações de mestrado, uma na UFF e outra na UFRJ, uma em economia e outra em antropologia sobre as costureiras de Nova Friburgo. Dissertações feitas por gente daqui. Essa nova conformação social muda um pouco a alma da cidade. O que você acha disso?

Chico – Friburgo ficou conhecida como a cidade da calcinha, da moda íntima e não é isto. Não é problema a cidade ser conhecida como a capital da moda íntima, mas Friburgo não é só isto. Foi, talvez, uma salvação essa costureiras desempregadas que descobriram essa nova cultura de trabalharem em suas casas, no fundo de quintal. Na época das indústrias essas pessoas tinham ...

AVS – ... a disciplina?

Chico – A disciplina. Mas Friburgo virou a cidade do churrasco, da picanha, do chope. Diz-se que Friburgo não tem ações culturais, que não tem shows, que não tem teatro, mas, quando tem, as pessoas não vão porque não leem jornais, não ouvem rádio, não querem saber o que está acontecendo.

AVS – Mas isso talvez não seja só em Nova Friburgo, talvez se trate de um fenômeno mundial, não acha?

Chico – Pode até ser, mas acho que em Friburgo isto é bem acentuado. Hoje o mercado de trabalho exige o terceiro grau, o mestrado. Parece que se quer ter o mestrado por ter e não a cultura de sua profissão, saber sua profissão como um todo.

AVS – Nova Friburgo era uma cidade industrial, com muitos operários e era também a cidade em que surgiu o Gama e tantos outros movimentos culturais. Como você entende essa relação dessas duas tendências: por um lado, uma cidade fadada para a indústria, por outro, uma cidade com tantos artistas em diversas áreas?

Chico – Acho que isto vem muito da colonização de Friburgo. Mesmo sendo uma cidade operária, a indústria formou uma sociedade muito forte e isto produz cultura. Vieram muitas pessoas para Friburgo e se desenvolveu a cultura a partir daí. Veja: O Jaburu, por exemplo, veio para Friburgo por causa da [Estrada de Ferro] Leopoldina. Foi assim com muitas outras pessoas que ajudaram a cidade a se desenvolver como um todo.

AVS – Você está se referindo à imigração do século XX e não àquela daqueles suíços e alemães do século XIX.

Chico – Não, acho que isto vem com a indústria. Antes, Friburgo era uma cidade de veraneio, mas muitas pessoas vinham passar férias e ficavam. Parece que esta é uma cidade que desperta essa vontade de ficar. E aqui teve também escolas muito boas como o Colégio Anchieta, a Fundação Getúlio Vargas, as escolas estaduais eram muito boas, Colégio Nossa Senhora das Dores. Estudava-se.

AVS – E hoje?

Chico – Todo esse transtorno que estamos vivendo, de termos tido três prefeitos em três anos ... não vem ao caso se esse foi bom, se este é ruim, se outro roubou ou se não roubou: para isso a lei prevê julgamentos—que se julgue e se faça justiça. O culpado só é culpado depois que se prova. Até então, são todos suspeitos. Mas talvez isto ajude a mudança de Friburgo. Talvez, a confusão deste momento político de Friburgo e mais a tragédia [das chuvas de janeiro], tudo isto talvez ajude Friburgo a se reerguer, com um povo mais cultural, querendo saber quem é quem, querendo saber qual o seu papel na cidade, qual o seu personagem. Acredito que essa tragédia, que causou tanta dor, talvez faça um povo mais forte, um povo acreditando mais em seu potencial cultural e político.

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