Três contos curtos

sexta-feira, 21 de setembro de 2012
por Jornal A Voz da Serra
Três contos curtos
Três contos curtos

Carlos Emerson Junior

Beira-mar
Uma tarde atípica, sem dúvida. O vento sudoeste, muito frio, espantou quase todos os turistas, namorados e corredores. O mar batido dava medo e nem o pessoal do surf deu as caras. Sentado em um banco tomado pela areia, virou de costas para o calçadão e limitou-se a esperar o fim do dia, sem nenhuma preocupação na cabeça.
Sem querer lembrou-se dos versos do Manoel Bandeira, aquele que diz “nas ondas da praia, nas ondas do mar, quero ser feliz, quero me afogar”. Sorriu levemente com o canto da boca e chegou a desejar que uma onda bem grande, rápida e sem deixar qualquer vestígio, o levasse embora dali.

Guarita
Olhou para o relógio e impaciente viu que ainda faltavam uns vinte minutos para sair da guarita. A madrugada se arrastava úmida, silenciosa e solitária e a enorme avenida à sua frente compreensivelmente permanecia totalmente deserta.
Sentiu vontade de fumar, mas acender um cigarro não era possível, pelo menos não enquanto estivesse de guarda. Trocou as pernas e encostou o surrado fuzil M1 na parede, com respeito. Aquelas armas remanescentes da Guerra da Coreia tinham o péssimo hábito de disparar apenas com uma leve pancada!
Suspirou, tentando colocar os pensamentos em ordem para não dormir, mas só conseguia visualizar uma cama quentinha. Credo, que sono!

Repentinamente acordou!  
Um veículo escuro, com todos os faróis apagados, entrou na avenida lentamente pela contramão, exatamente em sua direção. Rapidamente se lembrou dos alertas do comando, pegou o fuzil, liberou a trava e o apoiou na seteira. O automóvel ainda se aproximava. E agora, acionava logo o alarme geral ou simplesmente esperava? Qual era a do cara?
Gritou o primeiro aviso e repetiu bem alto! O cabo resmungou alguma coisa de dentro do alojamento, querendo saber o que estava acontecendo. A adrenalina foi lá em cima.
Quando o carro acelerou com força para cima da guarita, nem pensou: mirou no vulto do motorista e apertou o gatilho. Por um instante não viu nada, o barulho e a fumaça da arma encheram o pequeno ambiente. O cheiro da pólvora era quase insuportável.
O veículo bateu nos obstáculos de cimento a poucos metros do muro e nessa hora começou a correria. A guarnição do quartel saiu aos gritos e tomou conta da situação.  Os dois ocupantes aparentemente não estavam feridos e a polícia foi chamada. Na verdade, nunca saberia quem eram e o que pretendiam com aquela loucura.
Sentia-se péssimo. Como não podia deixar o posto, avisou ao oficial de dia que tinha disparado e possivelmente acertado o motorista. Só quando examinou o M1 é que percebeu que o projétil tinha falhado, simplesmente derretendo dentro do cano. Nesse momento a tensão despencou. Apesar de ter certeza que não erraria aquele tiro por nada, ficou satisfeito, não matou ninguém.
Pela primeira vez não reclamou do velho fuzil.

Fim
O vão central da ponte se aproximava rapidamente. Levou o carro para o lado direito da via, reduzindo as marchas. Apesar do transito tranquilo, olhou cuidadosamente para trás e para o lado, checando se não estava fechando outro veículo.
Terceira, segunda e a velocidade quase caiu. Parou ao lado da mureta, para evitar um acidente. Saiu do veículo e, sem nem mesmo perceber, trancou as portas com a trava eletrônica. 
Sentou na murada, tirou os sapatos, olhou para a câmera de segurança e chegou até a esboçar um sorriso. Levantou-se, olhou para o mar abaixo, uma imagem negra e distante, respirou profundamente e, sem dar tempo para mais nada, jogou-se no ar.
Enquanto caia, por um segundo lembrou que ia se esborrachar contra um muro, um verdadeiro muro de águas e nem sabia mais por quê. Que nada, consolou-se, a essa altura já estava muito além do muro…

carlosemersonjr@gmail.com

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