Transparência administrativa: da Lei de Acesso aos requerimentos de informação

domingo, 08 de junho de 2014
por Jornal A Voz da Serra

Pode ter passado despercebido para boa parte da população, mas os 196 anos de Nova Friburgo coincidiram com outro aniversário muito importante: na mesma data completaram-se dois anos desde que entrou em vigor a Lei 12527/11, mais conhecida como Lei de Acesso à Informação. Desde 16 de maio de 2012, todo cidadão tem o direito de requisitar e receber gratuitamente qualquer informação ou documento que esteja sob a guarda de órgãos públicos, sem a necessidade de justificar o porquê do pedido. A lei, que se aplica a todos os poderes e níveis de governo, foi criada com o intuito de incentivar a transparência nas decisões por parte da administração pública, e com isso lançar luz sobre os cantos escuros onde costumam florescer a má administração e a corrupção.

O texto da lei brasileira, que segue o exemplo de outros países, tem como preceito básico a transparência da administração pública e o livre acesso a informações de sua gestão por parte de qualquer cidadão. Nada mais lógico, em uma sociedade que se submete a órgãos públicos, que todos tenham acesso a documentos relativos à administração destes mesmos órgãos. A proposta da lei, portanto, é dar visibilidade aos atos públicos e coibir o sigilo e, deste modo, a corrupção. De fato, a lei impõe sobre os órgãos públicos a obrigação da publicidade como regra, e o sigilo como exceção. Um conceito que, aliás, já se fazia notar no Art. 37 caput da Constituição Federal de 1988, que obriga órgãos públicos a darem publicidade a seus atos, como forma de facilitar o acesso a informações de interesse geral.

Embora o conceito da transparência faça parte do ethos da lei que completou dois anos, ela ainda tem implementação e divulgação questionadas por alguns comentaristas, enquanto defensores da lei insistem que a medida tem sido positiva. Realmente, em escala federal, a lei vem sendo aplicada. Segundo a Controladoria Geral da União, 98% dos quase 175.000 pedidos aos órgãos de esfera nacional já haviam sido atendidos, com 94% de aprovação por parte dos requerentes.

Por outro lado, até fevereiro de 2014, sete estados brasileiros ainda não tinham sequer regulamentado devidamente a Lei (AC, AM, AP, MA, PA, RN, RR), enquanto outros estados, como Sergipe e Pernambuco, ainda fazem requerimentos totalmente contrários aos princípios de transparência da lei, demandando documentos como títulos de eleitor ou, até mesmo, uma declaração de "boa-fé” do requerente. E na administração local a situação parece agravar-se ainda mais. Até o momento, apenas 8% dos municípios com mais de 100 mil habitantes estão totalmente regulamentados a esse respeito.

Importa salientar, todavia, que a lei já é válida e independe de implementação local, e seu descumprimento pode acarretar diversas sanções aos agentes públicos que se recusarem a prover a informação requerida. O processo pode, inclusive, levar à instauração de processo administrativo, redundando em ação judicial de improbidade administrativa por parte dos agentes públicos. A população, portanto, deve estar mais atenta do que nunca aos seus direitos perante os órgãos públicos. 


A lei em Nova Friburgo

A situação em Nova Friburgo, em teoria, é um pouco melhor do que no resto do país. Já temos diversas leis que tratam, e muito bem, das questões de transparência. Entre elas, a Lei Municipal nº 3.677/2009, criada com o objetivo de obrigar os órgãos públicos municipais a divulgar informações relativas às contas públicas em linguagem coloquial, visando sua publicação em jornais, internet e outros meios de divulgação que permitam o melhor conhecimento por parte da população. Parece bom demais para ser verdade, e realmente é. O site que foi criado com o propósito de validar esta lei e apresentar as informações (www.novafriburgotransparente.rj.gov.br) segue às moscas, sem qualquer informação que ao menos tangencie a transparência municipal. A verdade que pode ser constatada rapidamente com uma visita ao site da internet é de que o projeto já nasceu acéfalo: excetuando a cópia da lei que trata da criação do portal de transparência, não há mais nenhuma informação presente no portal da transparência desde o dia em que foi lançado. Paralelamente, a Prefeitura também disponibiliza um portal de transparência (https://novafriburgo-rj.portaltp.com.br) nos moldes que prevê a lei. No entanto, são raríssimas as páginas que possuem informações, ainda que incompletas. 

Além destas iniciativas, existem outras leis complementares que ampliam as obrigações de transparência por parte do Executivo municipal. De autoria do vereador Cláudio Damião, as leis municipais 3489, 3862 e 4012 também obrigam a Prefeitura a divulgar diversas informações em relações a gastos, planos de governo, metas e outras providências em sua página da internet. Tais leis municipais, por si só, não fazem mais do clarificar algo que a própria lei de acesso à informação já prevê: a divulgação voluntária de informações públicas independentemente de um pedido formal. No entanto, mais uma vez, não é preciso gastar muito tempo buscando estas informações na internet. Elas simplesmente não existem. 

O nível de descaso para com a transparência municipal, no entanto, torna-se muito mais grave quando sequer a Câmara de Vereadores, cujo dever principal é o de fiscalizar os atos do Executivo, consegue ter muitos de seus requerimentos de informação respondidos dentro do prazo legal pela Prefeitura Municipal. Tomando como exemplo apenas os requerimentos assinados pelo vereador Cláudio Damião desde janeiro de 2013, observa-se que dos 35 documentos produzidos, 32 foram aprovados em plenário, e apenas 17 respondidos no prazo e de forma considerada satisfatória. Outros vereadores, como Zezinho do Caminhão e Pierre Moraes, têm requerimentos produzidos em fevereiro e março de 2013, respectivamente, que ainda aguardam por respostas.

Vale ressaltar que a lei orgânica municipal, muito mais antiga que as leis de transparência, já prevê em seu Art. 12 que qualquer cidadão tem direito de "receber informações objetivas (…) acerca dos atos e projetos do Município” dentro do prazo improrrogável de 10 dias. Atrasos, portanto, de mais de 16 meses para respostas a um órgão oficial mostram a que nível vem sendo burladas as legislações municipal, estadual e federal dentro do município. Interessante frisar que nem o portal da transparência nem a própria PMNF têm cópia da lei orgânica municipal em suas páginas online.


O que dizem os vereadores

Márcio Damazio: "O papel fundamental do vereador é a fiscalização, e nesse sentido nós temos um instrumento favorável ao Legislativo, que são os requerimentos de informação. Em praticamente todas as sessões nós temos aprovado um ou mais requerimentos, que são encaminhados ao Executivo e devem ser respondidos dentro de um prazo regimental [de 30 dias]. Nós estamos sempre cobrando do Executivo essas respostas, e inúmeros requerimentos já foram respondidos. Às vezes há uma pequena tolerância com relação a prazo, até mesmo porque a Câmara tem aprovado muitos requerimentos, e alguns deles dão muito trabalho para serem respondidos. Mas eu gostaria de ressaltar que a grande maioria dos requerimentos que têm sido enviados voltam para a Câmara respondidos. Às vezes respondidos de maneira incompleta, mas ainda assim trazendo respostas que atendem às demandas dos vereadores. Representar a população é uma responsabilidade muito grande que temos sobre nossos ombros. A Câmara tem andado em harmonia com o Executivo, até porque nós temos que zelar pela administração do nosso município. Mas nós somos poderes independentes e de forma alguma esse bom relacionamento inibe o meu papel de fiscalizador”.


Zezinho do Caminhão: "Eu tenho requerimento de informação aprovado em fevereiro de 2013 que ainda não foi respondido. Um pedido de informação sobre uma obra que está parada no Cônego, que é o quiosque dos taxistas, onde deveria ter sido feito um banheiro e um mínimo de estrutura. Essa obra foi iniciada em 2007 e, conforme a última avaliação, faltam apenas cerca de R$ 25 mil para a conclusão da obra. É dinheiro público, a realização foi iniciada, e está lá, sem conclusão. Eu fiz o requerimento para saber os motivos da obra estar parada, se existe previsão de ser retomada, quais os valores necessários. Tudo isso no dia 22 de fevereiro de 2013, e até hoje não obtive resposta. Existe uma série de requerimentos meus que seguem sem resposta, e nos poucos casos em que o governo me responde, eu recebo respostas que não condizem com as minhas perguntas. Não trazem esclarecimentos. Infelizmente é uma vergonha o que está acontecendo, um descaso para com os vereadores. Na verdade, nós não temos sido respeitados no exercício das nossas funções. Eu ando até desanimado, porque nós temos o trabalho de pesquisar e fazer os requerimentos com argumentação, da melhor forma possível, e a resposta não chega, ou quando chega é evasiva. Eu ando muito decepcionado. Esse quadro precisa mudar, porque, afinal de contas, essas informações são pedidas para serem repassadas à população. Aqui nós somos representantes do povo”.

 

Wanderson Nogueira: "A principal tarefa do vereador é a de fiscalizar, e seu maior instrumento é o requerimento de informação. A ausência de resposta, a demora em responder ou respostas incompletas não apenas representam um desrespeito ao Legislativo como a toda a população, que tem direito constitucional à informação. No mais, o requerimento é a chance de defesa do prefeito. Quando não o faz é como se não tivesse defesa alguma. Tenho atualmente três requerimentos que aguardam resposta, e outros que foram respondidos de maneira insatisfatória, inclusive à mão, com caligrafia difícil de ser compreendida. O nosso objetivo é sermos justos e colaborativos. Com o requerimento colaboramos para os esclarecimentos, e isso nos dá o balizamento para sermos justos”.


Pierre Moraes: "O Poder Legislativo é um órgão essencialmente fiscalizador do Poder Executivo. Assim sendo, é inadmissível que a Prefeitura demore mais de um ano para responder a requerimentos de informação da Câmara de Vereadores, ou mesmo, como tem sido praxe, respondê-los de forma incompleta ou dissonante do que foi solicitado. E isso tem se tornado uma constante, revelando incompetência e total falta de transparência, a qual não é um favor, mas um dever do Poder Público. É sintomático e destaco, entre ofícios e os cerca de 10 requerimentos de informação de minha autoria, com prazos de resposta do Executivo vencidos, a falta de resposta relativa à folha de pagamento da Prefeitura. Foram inúmeras solicitações e, no próximo dia 22 de junho, vence o prazo da última tentativa de receber tais informações. Caso contrário, ante tanto desrespeito com o Poder Legislativo e mistério em relação a tais informações, não haverá outra saída que tomar medidas mais duras, imputando ao Chefe do Executivo, com base na Constituição (c.f. art. 5º, XXXIII) e em legislações específicas, pena de responsabilidade”.


Cláudio Damião: "Uma das funções do Legislativo é fiscalizar, e o pedido de informação é uma forma de conseguir executar essa função. Muitas vezes, quando o Executivo não cumpre prazos ou responde de maneira parcial esse pedido, o trabalho do vereador fica fragilizado. Por isso, muitas vezes recorro à Justiça, ao Ministério Público. Um bom exemplo disso foi quando solicitei informações sobre a empresa de consultoria Falconi (INDG) contratada pela Prefeitura. O Executivo não respondeu aos meus questionamentos, assim, tive de acionar o MP, que acatou a denúncia e está investigando o caso”.




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