Transformações na mídia e na vida social

quarta-feira, 10 de outubro de 2012
por Maurício Siaines
Transformações na mídia e na vida social
Transformações na mídia e na vida social

Guilherme Peixoto, 24 anos, é um entre muitos jovens friburguenses nascidos e criados no período de transição posterior à crise do final dos anos 1980. Sua vida representa um padrão de superação comum na cidade entre pessoas de sua faixa etária. Entusiasmado pelo jornalismo desde muito jovem, Guilherme tornou-se repórter—às vezes, editor de texto—na Rede InterTV, braço da Rede Globo de Televisão no interior do estado do Rio de Janeiro. Sua vivência expressa as mudanças por que vem passando a vida social local e pode apontar ao futuro, permitindo especulações sobre o que se pode esperar para os próximos tempos.

A VOZ DA SERRA conversou com Guilherme Peixoto, no sábado, 29 de setembro, na sede da Associação Friburguense de Imprensa (AFI). Abaixo, trechos dessa entrevista.

A VOZ DA SERRA – Fale um pouco de como têm sido seus caminhos na vida e no jornalismo.

Guilherme Peixoto – A paixão [pelo jornalismo] veio com o tempo. Desde muito cedo, sempre pensei em fazer jornalismo. Comecei com uns 13 anos em rádio, na Rádio Comunidade FM.

AVS – E o que você fazia na rádio?

Guilherme – Como sempre tive interesse, uma vez bati lá e queria saber como era [aquela realidade]. Bati na porta, mesmo. Procurei o endereço e fui lá. O diretor da rádio me disse que vendiam espaço ... acho que era uns 60 reais por uma hora. Conversei com meus pais, fui juntando dinheiro e, dali a um mês, voltei lá, paguei os 60 reais e consegui fazer um programa. Foi muito interessante.

 

AVS – E como era esse programa?

Guilherme – Chamava-se Opção Teen. Era voltado ara o público jovem. Tinha umas notícias sobre músicas ... tocava músicas, também. Nunca tinha feito aquilo na vida, mas foi muito interessante, foi uma experiência tremenda. Dali, tive a certeza de que era aquilo mesmo que eu queria fazer. Mais tarde, já na faculdade [de Comunicação da Universidade Candido Mendes], entre o início de 2006 e o fim de 2009, comecei a fazer um programa de televisão. Fazia um programa lá, na Candido Mendes, que era exibido em TV local, a TV Focus. Esse programa ficou no ar um mês, dois meses, no máximo. Foram poucos programas. Mas, então, o dono da TV Focus me chamou para apresentar um noticiário. Ele disse que não tinham muita estrutura, não tinham condições de fazer matérias na rua, mas podia fazer em estúdio. Eu comentava as matérias do dia ... o programa se chamava 15 minutos. Fiquei ali uns dois meses, no máximo. Não cheguei a mandar currículo para a InterTV, mas, apresentando esse jornal na TV Focus, a coordenadora de produção da InterTV, na época, me viu apresentando e me chamou para fazer estágio lá, pois havia uma vaga de estágio aberta. Na época ainda não existia lei de estágio, então comecei trabalhando de graça, de segunda a sexta, algumas vezes também no final de semana. Mais tarde, consegui uma ajuda de custo na InterTV. Na época, eram 300 reais e a faculdade custava 299 reais. 

Ali comecei a aprender e a ter contatos com as pessoas. Foram dois anos de estágio e depois fui contratado para a produção, onde fiquei um tempo e fui promovido para a reportagem.

 

AVS – Na faculdade você conseguiu bolsas de estudos em alguns períodos, não foi?

Guilherme – Em alguns períodos, consegui por ter uma das maiores médias. Foi também muito suado, mas logo que surgiu essa oportunidade me dediquei muito para conseguir. Em um período a porcentagem era boa, de 50%. Lembro-me que uma ajuda era de 50%, o segundo lugar era de 30%.

 

AVS – Você sempre esteve “correndo atrás”, não é?

Guilherme – Sempre. Acho que quando se tem um sonho, é preciso batalhar por ele e foi isto que sempre procurei fazer: tentei vencer as dificuldades. Venho de família humilde, que não tinha condição de ajudar muito, não tinha contatos, não havia jornalistas na família. Eu não tive a pessoa que me indicasse, que me levasse. Meus pais não tiveram oportunidade de estudo, mas sempre lutaram muito para que eu pudesse ter.

 

AVS – Você nasceu em 1988, exatamente quando está se estabelecendo a crise econômica na cidade. Você cresceu no meio dessa transformação. Você já parou para pensar nisso?

Guilherme – É uma situação realmente interessante, a cidade estava em transformação. Com isto houve uma nova organização na cidade que, de certa forma. também abriu algumas portas. Saiu-se de uma esfera em que havia empregados, trabalhadores nas fábricas, e a crise provocou um sentimento empreendedor nas pessoas. Se não fosse a crise, Friburgo não seria o polo de moda íntima do país. É no momento difícil que se consegue dar valor a cada passo. No meu caso particular, a dificuldade financeira ajudou a cada passo ser mais batalhado.

 

AVS – Sua experiência não é um caso à parte, são inúmeros os jovens de suas idade, nos mais diversos ofícios, com vivências semelhantes. Isto pode vir a configurar uma mudança cultural na cidade, não acha?

Guilherme – É uma mudança de pensamento. Depois da crise, houve essa mudança de paradigmas. Antes havia divisão de classes sociais—quem teria oportunidades, quem não teria, quem era classe operária, quem era o pessoal do dinheiro—, acho que, de uns anos para cá, essa questão se quebrou um pouco. Penso que esse momento de transformações abriu algumas portas, sim, e é um momento que não acabou, que continua. Foi uma evolução de Friburgo, foi uma evolução dos próprios meios de comunicação, uma evolução de pensamentos e de tecnologias, que acabou abrindo portas. [Nesse contexto] a televisão se tornou mais popular e mais próxima da comunidade.

 

AVS – E como é essa proximidade maior entre mídia e comunidade?

Guilherme – Quando a gente sai de casa, o pensamento tem que se voltar para a forma como se vai poder favorecer e ajudar outras pessoas. E o jornalismo é uma profissão apaixonante porque nele se vê isso mais de perto. O jornalismo não tem o poder de resolver os problemas, mas tem o poder de, em doses homeopáticas, ajudar na solução. Porque, a partir do momento que a gente denuncia o problema—seja o buraco na rua, ou a falta de médico no posto de saúde—o problema deixa de ser local, de determinadas pessoas e passa a ser de todo mundo. E a maior recompensa é ser parado na rua por uma pessoa e ela dizer: “Olha, lembra aquele buraco lá na rua? Foram lá, taparam. Lembra daquele posto de saúde que estava sem médico? Resolveram a situação.” Esta é melhor recompensa, saber que, de certa forma,  você ajudou um pouquinho na solução daquele problema.

 

AVS – As inovações tecnológicas vêm tornando fazer televisão uma atividade mais acessível. Ao mesmo tempo, temos vivido mudanças na configuração social. Como você vê essa relação entre as mudanças nos meios de comunicação e as transformações sociais?

Guilherme – Se a televisão passou por essa evolução a partir de 20 anos atrás, ela também se tornou mais próxima das pessoas, não só nos grandes centros urbanos. Isso obrigou as grandes redes a se tornarem mais locais, a mostrar interesses comunitários e acompanhar a rotina das cidades. Foi o caso de Friburgo e de tantas outras cidades do país. Com essa aproximação, passou-se a acompanhar a rotina e a história, a evolução dessa sociedade. Assim, essas mudanças tecnológicas dos meios de comunicação se relacionam com as mudanças nas vidas das pessoas. Assim, [o profissional] convive com as pessoas e vivencia momentos de tristeza ou de alegria. Esta é a grande questão de nosso trabalho no dia a dia. Na rua se conhecem pessoas novas, lugares novos, assuntos novos. E passa-se a fazer parte da comunidade. Um dia você faz parte da comunidade [do bairro] de Conselheiro Paulino, outro dia é a comunidade de Olaria. Passa-se a conhecer as pessoas, a participar de sua rotina e a conhecer como funciona aquela comunidade. É como se fizesse um raio-X do que acontece na cidade. É claro que não temos um jornalismo comunitário ao pé da letra, mas na medida em que tentamos nos colocar um pouco naquela rotina e na vivência daquelas pessoas, conseguimos mostrar o que tem de bom e o que tem de ruim, na visão daquelas pessoas.

 

AVS – Quando você diz que não existe “jornalismo comunitário ao pé da letra” é porque sempre existe um emissor da informação e é ele que orienta o fluxo da informação e do que deve ser falado. É mesmo este o motivo?

Guilherme – Isto acontece no jornalismo em geral. Não se tem uma realidade de jornalismo comunitário produzido pela comunidade e para a comunidade, sempre vai existir um emissor e um receptor. Então, a diferença fica por conta da forma como essa mensagem vai ser passada. Então, a responsabilidade está justamente em não distorcer a questão, passá-la de forma mais próxima possível [do esperado pela comunidade]. Acho que viver um pouco aquela rotina [da comunidade] facilita isto. É preciso viver as rotinas, as alegrias, as tristezas, o bate-papo com as pessoas.

 

AVS – Nós estamos vivendo agora outra mudança, a da internet. Nela, especialmente nas redes sociais, há vários emissores ao mesmo tempo. Como você vê essa realidade?

Guilherme – É também uma evolução tecnológica. A partir de alguns anos atrás, todo mundo tem computador e pode acompanhar essa velocidade da informação. Mas a internet não substitui o rádio, não substitui a televisão. Veio complementar, por conta dessa velocidade. Acho que deu mais vez e voz às comunidades, porque agora qualquer um pode ser produtor de conteúdo e isso facilitou o nosso trabalho, porque as pessoas podem dar sugestões, podem, participar, criticar, elogiar. E evolução da tecnologia, especialmente da internet, permite, além de acompanhar em tempo real as notícias, o ir e vir das informações, facilita aos jornalistas ter um retorno de seu trabalho, saber se está indo no caminho certo ou no errado. E principalmente permite à comunidade dizer o que ela quer ver na televisão, ouvir no rádio ou ler no jornal. Esta não é a única forma de participar, mas é uma forma mais fácil. É um processo em construção.

 

 

O pensador canadense Marshall McLuhan (1911-1980) entendia os meios de comunicação como extensões do ser humano. Extensões como as roupas, os meios de locomoção e todos os artefatos criados pelo homem, que aumentam as potencialidades de seu corpo. Tais extensões alteram a vida e os próprios corpos humanos: o homem urbano, por exemplo, afeito ao uso de sapatos, tem o desenvolvimento de seus pés certamente diferentes de indígenas que sempre estão descalços. 

Guilherme Peixoto nasceu em Nova Friburgo no ano emblemático de 1988, quando se promulgou a nova Constituição da República e também às vésperas da crise econômica que alteraria a feição da cidade. Cresceu, assim, no meio de duas transições, uma institucional e outra econômica. Nova Friburgo com menos de 200 mil habitantes, tem cinco emissoras de TV a cabo locais, rádios comunitárias, inúmeros blogs, além de duas das principais emissoras de TV aberta, a InterTV—Rede Globo no interior do estado do Rio—e o SBT. Isto sem falar em antigas mídias como o jornal A VOZ DA SERRA e a Rádio Friburgo AM, vivamente atuantes.

Se McLuhan estava certo, a vivência de Guilherme Peixoto nos meios de comunicação, em permanente transformação, paralela às profundas transformações da sociedade friburguense, permite-lhe reflexões sobre o processo de comunicação e a vida social, reflexões estas que podem ajudar no esforço de se pensar o conjunto da cidade nestas mudanças por que passa. (MS)

 

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