Trabalho, esforço e recompensa

segunda-feira, 08 de outubro de 2012
por Jornal A Voz da Serra

Leonardo da Cunha Pinheiro


Graças à gentileza deste Jornal, que graciosamente publicou na íntegra um artigo por mim enviado na semana passada, vários conhecidos me abordaram questionando o fato de eu não ter mencionado os temas relacionados ao meio ambiente e a segurança pública como prioridades a serem tratadas na futura gestão do município. Outros expressaram dúvidas a respeito da forma de viabilizar as propostas feitas por mim para a melhoria da educação pública no município. Naturalmente o espaço (embora generoso) não me permitiu abordar todos estes temas em profundidade e por isso tentarei encaminhar um pouco mais alguns deles.
Uma das principais preocupações levantadas dizia respeito à questão ambiental e do grave problema do lixo na cidade—tema esse inclusive que tem merecido a cobertura regular e vigilante desse jornal além da manifestação recorrente de diversos leitores—haja vista por exemplo a repercussão da matéria sobre o estado de abandono e a sujeira das ruas na região das Braunes.

Nova Friburgo vive o efeito “metrô ao contrário”. Explico: é sabido que as instalações do metrô são muito limpas, em parte porque são permanentemente cuidadas, mas também porque em boa medida a maioria das pessoas, ao entrar num ambiente asseado, se sentem inibidas a jogarem o lixo em qualquer lugar. Mas em nossa cidade estamos testemunhando o efeito contrário: o abandono e a sujeira persistente das vias públicas, aliada à falta de varrição adequada, à ausência da coleta regular de entulhos residenciais e comerciais, a falta de fiscalização dos terrenos baldios e o acúmulo de detritos principalmente a partir de janeiro de 2011, têm provocado uma piora permanente do quadro ambiental. Basta reparar no crescente número de estradas vicinais (algumas bem próximas ao centro, como a Estrada Velha de Amparo, na região da Fazenda Bela Vista) que tem se transformado em verdadeiros vazadouros de lixo clandestino—trazidos inclusive por empresas de caçamba que depositam, em plena luz do dia e à beira das estradas, restos de obras e entulhos ou por pessoas que lançam seu lixo doméstico sem nenhuma cerimônia. 
Se já está sujo, que diferença faz jogar mais um saquinho de lixo num terreno baldio aqui ou arremessar uma garrafa pet num rio acolá? O fenômeno piorou sensivelmente após a tragédia, quando—associada à degradação da paisagem provocada pelos inúmeros deslizamentos e os detritos daí derivados—juntou-se o acúmulo de milhares de pilhas de destroços espalhados por centenas de ruas em diversos bairros, o que contribuiu para o desânimo coletivo em relação à limpeza pública. Esse mesmo desânimo estimula o desrespeito e a falta de zelo pela coisa pública, reforçando um ciclo vicioso que é agravado ainda mais pela inércia do poder público. Nos últimos anos e especialmente após o ocorrido em 2011, o governo foi negligente ao deixar de organizar uma força-tarefa para limpeza e remoção dos entulhos espalhados pelas comunidades, repercutindo uma percepção negativa que estamos vivendo no império da desordem e do descuido com os bens coletivos.
Não  existem soluções fáceis por conta desse grave estado de coisas a que chegamos, mas afora a necessidade de se promover uma força-tarefa emergencial para a limpeza do município, Nova Friburgo não pode mais se esquivar de implantar—de uma vez por todas—a coleta seletiva ampla acompanhada da instalação de ecopontos. 
O serviço atual de coleta, justiça seja feita, funciona de forma satisfatória no que diz respeito a sua abrangência e regularidade. Mas ele falha sonoramente ao negligenciar seu custo ambiental de longo prazo, ao acelerar o esgotamento do nosso aterro sanitário e por não corresponder mais às expectativas de diversos setores organizados da sociedade que gostariam de ver o destino final do lixo tratado com mais consciência.
Além disso, o sistema atual e pontual de estações de coleta de recicláveis espalhados em alguns poucos pontos nitidamente não funciona; além de sua abrangência limitada, operacionalmente são ineficientes e ambientalmente questionáveis por não acomodar de forma adequada os resíduos.
Mas existem dois nós para a implantação de um modelo viável de reciclagem em nossa cidade: um econômico e o outro relacionado ao modelo de concessão adotado. O econômico diz respeito à dificuldade de escoamento na região do material potencialmente reciclável a ser coletado, associado à inexistência na cidade de um setor organizado voltado à agregação de valor a estes resíduos. Historicamente, a mistura de lixo úmido com o lixo seco antes de serem enviados ao aterro sanitário na Friburgo-Teresópolis aniquilou qualquer possibilidade de reaproveitamento e geração de receita com esses resíduos. Além disso não temos cooperativas organizadas de catadores, embora a bem da verdade, a maioria das existentes no Brasil se caracterizam pelas condições degradantes de trabalho. Esse quadro municipal justifica a ausência generalizada de uma cultura da separação de lixo em nosso município, inclusive a de separação de pelo menos materiais de maior valor comercial, como papel, papelão e alumínio. Em suma, faltam estímulos econômicos para consolidar a atividade. 
Isso nos leva à questão do modelo da concessão: é provável que todos concordem sobre a necessidade ambiental de se redesenhar o serviço de coleta na cidade para incluir os recicláveis. Mas é óbvio que esse ajuste vai implicar custos adicionais para sua operação e, por isso, faz-se necessária uma revisão mais ampla do modelo atual de concessão. Caso contrário, o agente privado não irá se motivar—independente da pressão social exercida sobre ele e considerando que vivemos num ambiente jurídico de respeito aos contratos.
Quais seriam as saídas? Pra começar, o futuro gestor municipal poderia por exemplo estender o prazo da concessão para permitir a obtenção do reequilíbrio financeiro da operação desse agente ao ter que investir na infraestrutura de coleta separada e reciclagem; adicionalmente, a prefeitura poderia avaliar a ampliação da abrangência do serviço prestado, de forma a incluir também a varrição, roçada e limpeza de ruas, canteiros e praças. O concessionário poderia ser obrigando inclusive a recontratar dos atuais trabalhadores do quadro de limpeza da prefeitura, investindo obrigatoriamente em sua capacitação e garantindo o recebimento de benefícios como assistência médica e seguro de vida.  
Caberia à prefeitura, nesse novo cenário, fiscalizar os serviços prestados e garantir que os pagamento sejam feitos mediante o cumprimento de métricas rígidas de performance e indicadores públicos de qualidade. Obviamente que sem um quadro decente de fiscalização a delegação desses serviços é inviável, e por isso que é obrigatória a reabilitação das funções fiscalizadoras do município, a começar com a contratação imediata de mais fiscais. Seria interessante também instituir coordenadorias regionais de conservação e limpeza nos bairros, decentralizando a gestão com o objetivo de melhorar o serviço prestado aos cidadãos. 
Na minha opinião, e uma vez adotadas as ações estruturais sugeridas acima, algumas medidas simples poderiam ser rapidamente aplicadas. Entre essas medidas destacaria a reprogramação dos dias da coleta de lixo, com a designação de dias diferentes para diferentes tipos de material. Poderíamos por exemplo dedicar três dias da semana para o lixo orgânico (segundas, quartas e sextas-feiras), dois dias para coleta de recicláveis em geral (às terças e sábados) dedicando um dia exclusivamente (quem sabe na quinta-feira) a um serviço público de cata-trecos, abrangendo todos os bairros. Esse cata-treco seria o principal responsável pela retirada de restos de móveis, eletrodomésticos quebrados e outros materiais inservíveis que não encontram lugar nas duas outras coletas e resolveria um dos principais responsáveis pela degradação ambiental generalizada que se vê hoje pelas ruas e estradas da nossa cidade.
Já os entulhos de obras, restos de podas e materiais cuja natureza, dimensão ou peso ultrapassassem a capacidade desse cata-treco, seriam recebidos em ecopontos distribuídos pelos principais bairros. Esses ecopontos funcionariam em locais fixos e murados, com horário de funcionamento pré-estabelecido e que contariam com a presença de pelo menos um funcionário da prefeitura—que teria por função orientar a disposição adequada destes materiais em baias de coleta para seu posterior transbordo através de caminhões de maior porte da prefeitura até sua destinação final. Inclusive o material proveniente de entulhos da construção civil seria destinado a usina de reciclagem que foi doada pela Fundação Banco do Brasil ao município depois do evento climático de 2011—e que transformaria esse entulho em material utilizável nas obras públicas de pavimentação. 
Com isso encaminharíamos o tema do descarte de entulho na cidade, tratando-o de forma apropriada e eliminando seu descarte clandestino ou inadequado. Quem sabe acabaríamos até com a autêntica proliferação de lixões que ocorre atualmente. 
Mas para um programa mais amplo como esse parar de pé é necessário definir a origem dos recursos, principalmente considerando o caixa apertado do município e sua baixa capacidade de investimento. Entretanto  é possível viabilizar estas medidas através do aumento dos repasses do ICMS Verde (oriundo do governo estadual) e investimentos de órgãos como o Ministério das Cidades; as contrapartidas do governo municipal seriam a estruturação desse programa municipal de coleta e reciclagem e a disponibilização de áreas para os ecopontos e a Central de Triagem. A criação dessa central de triagem e reciclagem, associada ao estímulo fiscal para a criação de uma pequena indústria local de reaproveitamento de resíduos na área de plásticos e papel (que poderia estar localizada no futuro distrito industrial de Conquista), viabilizaria inclusive a criação de um arranjo produtivo local formado pelo mercado consumidor das empresas friburguenses de artefatos plásticos e tubos de PVC e outras que futuramente poderiam se instalar na área de embalagens, de forma que a longo prazo elas poderiam adquirir aqui boa parte de sua matéria prima, viabilizando a consolidação de uma indústria de transformação de resíduos. 
Mudando para segurança pública, vale esclarecer que existe muita confusão e desinformação nas propostas dos candidatos a prefeito em geral sobre esse assunto. Segurança pública é uma atribuição constitucional do governo estadual e federal e o papel da Guarda Municipal nas cidades é voltado exclusivamente para a preservação do patrimônio público e à realização da ronda escolar. Recentemente Nova Friburgo tem sofrido com o aumento de assaltos e furtos, em parte decorrente do próprio crescimento populacional, mas também por conta do aumento da receita da população—fenômeno comum em economias emergentes vivendo surtos de crescimento econômico em meio a um cenário ainda persistente de desigualdade social. 
Novamente, insisto que medidas acertadas de gestão podem contribuir bastante para a melhoria da segurança dos cidadãos. Me restringirei a duas delas: a criação de um Centro de  Comando e Controle, responsável por articular e coordenar as ações de diversos atores (Defesa Civil, Polícias Militar e Civil, Corpo de Bombeiros e concessionárias de serviços públicos) e por monitorar em tempo real e através de câmeras vários pontos-chave da cidade—o que comprovadamente diminuiria a incidência de assaltos em praças públicas, arrastões, riscos oriundos de locais com iluminação queimada, ocorrência de tumultos em eventos etc. Outro papel-chave desse Centro e tão necessário quanto a gestão da segurança seria a coordenação das respostas da cidade no caso de eventos climáticos e desastres naturais, além do papel de monitorar os vários aspectos cruciais da vida diária do município tais como o trânsito, atendimento às emergências, problemas com semáforos, quedas de energia entre outros.
Outra medida estrutural em segurança pública, seguindo modelo de sucesso adotado em algumas cidades brasileiras, seria a implantação de uma operação delegada com a Polícia Militar. Numa operação delegada, os policiais militares trabalham nos seus dias de folga e recebem gratificação do município. O efeito imediato dessa manobra é o aumento do efetivo disponível no patrulhamento das ruas, a eliminação dos bicos ilegais feitos por estes profissionais em empresas de segurança privada e o alívio do efetivo da Guarda Municipal, que poderia se concentrar em suas atribuições constitucionais. O único porém desse modelo é a necessidade de se ter caixa disponível na prefeitura para acomodar esse gasto, sem infringir a Lei da Responsabilidade Fiscal e sem prejuízo de áreas que precisam de reforço urgente em seus quadros de pessoal, como a educação.
E é sobre educação que termino meu texto. A respeito das dúvidas levantadas sobre como melhorar nosso sistema municipal de ensino e a performance de nossos alunos não existe mistério. Primeiro, nossa secretaria de educação tem que ser ocupada por gestores. O lugar dos pedagogos é na escola, na sala de aula. Melhorar a gestão do sistema é o passo número um, pois favorece a criação de métricas de desempenho, o planejamento centralizado consistente e a racionalização dos recursos à disposição das escolas, professores e alunos. É imprescindível por exemplo trabalhar na capacitação dos professores. Devemos começar pela criação de um currículo de educação continuada desses profissionais, que incluiria por exemplo a criação de vagas de mestrado e/ou especialização em instituições públicas ou privadas dedicadas ao magistério municipal. A própria Faculdade Santa Doroteia, caso venha a ser absorvida por alguma instituição privada ou mesmo estadualizada, poderia dedicar vagas específicas para profissionais do município, que seriam financiadas através de benefícios como isenção parcial de IPTU ou de taxas municipais em troca da criação dessas mesmas vagas. Em paralelo, o município deve identificar seus melhores professores e bancar seu deslocamento aos grandes centros para cursos de especialização em instituições de ponta, premiando o mérito com o investimento em seu desenvolvimento e criando um corpo de elite na estrutura.
Nas salas de aula precisamos acabar com o improviso pedagógico. As aulas devem ser preparadas com antecedência, obedecendo a um conteúdo programático rígido e antecedidas de planejamento semanal sistemático além da discussão diária do quadro de professores sobre a evolução dos alunos daquela escola. O professor não deveria ter dúvida sobre que conteúdo ensinar e muito menos se o programa da aula está sendo cumprido. Mais do que boas instalações (obviamente necessárias) precisamos de bom conteúdo, junto com o acompanhamento permanente dos alunos para adoção de medidas corretivas. A mera extensão da carga horária na escola (que sugeri no meu artigo anterior) obviamente não resolve o problema da educação nem do baixo desempenho observado em nossos alunos. Nesse sentido, uma boa ideia seria a contratação de estagiários que atuariam como professores-assistentes em classe, o que diminuiria inclusive o número atual de contratos temporários (e precários) para preenchimento de vagas de professores da rede pública municipal.
Todas essas ideias demandam muito trabalho para serem planejadas, um enorme esforço na sua implementação, mas apontam para uma clara recompensa: a melhoria das condições de vidas de todos os cidadãos da nossa querida Nova Friburgo.

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