Trabalhadores rurais e o mal necessário que beneficia as plantações

Agricultores conscientes reduzem a quantidade de defensivos nas lavouras
segunda-feira, 09 de maio de 2016
por Ana Borges
Trabalhadores rurais e o mal necessário que beneficia as plantações

O Colégio Estadual Agrícola Rei Alberto I, localizado no Parque Estadual de Três Picos - em Salinas, foi criado há mais de 20 anos, numa parceria do município com o governo da Bélgica, através da instituição então denominada Ibelga (Instituto Bélgica - Nova Friburgo). Entre seus objetivos, a participação da família na formação dos jovens e a inclusão dos estudantes no meio profissional de sua região: a agricultura. 

A fazenda-escola, pioneira na área educacional, tinha e tem como meta oferecer tecnologia e conhecimento para o homem do campo, de maneira consistente e abrangente. Uma delas é o descarte correto de recipientes e embalagens. A instalação de uma escola agrícola em Nova Friburgo tem sido, desde sua inauguração, fundamental na formação de uma nova mentalidade na relação do trabalhador com a lavoura, e do morador da zona rural, de modo geral, sobre várias questões, entre elas o tema desta edição sobre a série Agricultura: agrotóxicos.

Segundo o secretário municipal de Agricultura, Selmo Santos, o consumo de agrotóxico em Friburgo já teve um pico de utilização preocupante. “No final da década de 1980 seu uso foi considerado altíssimo. Tal situação durou até os anos 1990 quando começou a diminuir gradualmente, para, finalmente, a partir de 2000, sofrer uma redução importante. Dois fatores contribuíram para essa queda: informação e conscientização”, explicou. 

Com as campanhas veiculadas nas mídias - jornal, rádio e televisão - assim como programas alertando sobre os males causados à saúde pelo uso indiscriminado de defensivos agrícolas, a correta interpretação da fórmula e o devido respeito à dosagem recomendada nos rótulos das embalagens, os agricultores começaram a prestar atenção à quantidade, efeitos e condições de manuseio. 
Na mesma proporção agiram com eficiência órgãos, associações e secretarias de agricultura, orientando lavradores, familiares e, por extensão, moradores de zonas rurais, mesmo aqueles que não trabalhavam com produção agrícola. 

O acerto por linhas tortas
No universo da agricultura coexistem as correntes que evitam defensivos, como a dos agroecológicos, dos orgânicos, dos hidropônicos, e aqueles que não podem prescindir do uso convencional do agrotóxico. O secretário lembra que num primeiro momento, o agricultor diminuiu a quantidade devido ao preço do produto. 

“Agrotóxico é um produto caro devido os insumos importados e isso pesa no bolso do lavrador, chegando a dominar a maior parte do custo da lavoura. O lavrador defendeu o bolso reduzindo o consumo em torno de 30%. Essa medida, antes de tudo, foi o ponto de partida para conscientizar o agricultor em relação à problemática provocada pelo abuso de agrotóxicos. Afinal, trata-se de veneno, afeta a saúde de quem usa no campo e de quem ingere, isto é, todos nós. Deve-se ressaltar que, antigamente, esse trabalhador não tinha a menor ideia do quanto os agrotóxicos eram nocivos”, enfatizou Selmo.  

Em seguida, perceberam que não adiantava colocar uma dose exagerada de defensivos, achando que assim combateria com mais rigor as pragas, porque as plantas só absorvem até certa quantidade. Passando da dosagem recomendada, o excesso é simplesmente descartado. 

Nas últimas décadas, Friburgo aumentou sua área de plantio e produtividade. Há 30 anos, quem produzia 150 caixas de tomate por mil pés, era um campeão. Hoje, são 300 caixas por mil pés. “A produtividade de todas as culturas dobrou, assim como das sementes, porque o agricultor de hoje tem mais conhecimento, está mais preparado em relação a várias questões, como manejo do solo, colocação de adubo e variedade produtiva. Esta última lhe permite saber mais sobre a reação deste ou aquele cultivo no que diz respeito ao clima e às estações. É toda uma gama de informações que se completam”, comentou o secretário, que é zootecnista. 

Líder mundial no uso de agrotóxico
O Brasil é considerado o maior consumidor mundial de agrotóxico na proporção em que é também um dos maiores produtores de hortaliças, legumes, frutas e flores. País continental com cerca de 230 milhões de habitantes, esta é uma questão de demanda. Afinal, quem produz mais tem um mercado diversificado, farto e atraente. Na ponta final dessa cadeia está o consumidor, que por sua vez está ingerindo mais agrotóxico. 

“Hoje, o agricultor reduziu bastante a quantidade de agrotóxico nas plantações, mas a quantidade vendida continua no mesmo patamar devido à expansão da área cultivada. A floricultura, por exemplo, cresceu e o uso de agrotóxico, também, embora o volume seja três vezes menor por área plantada. O fato relevante aqui, é: a produção de alimentos em Friburgo aumentou mas a venda de agrotóxicos, não. O que alterou positivamente o custo-benefício, da seguinte forma: o custo da produção caiu em decorrência do uso consciente do agrotóxico.  

Outra mudança de comportamento que ajudou nessa redução foi a obediência à carência entre pulverização e consumo. Antes, o agricultor lia a recomendação no rótulo - diluir um litro de agrotóxico em 100 litros de água. “Mas ele não acreditava, aumentava a dose com medo de perder a lavoura para as pragas, intoxicando a si e a plantação. Desconhecia, então, que não adiantava colocar mais. Como a lavoura não absorve superdose, o excesso é descartado, o que ratifica a recomendação descrita no rótulo. Do contrário, é desperdício de tempo e dinheiro. E prejudicial à saúde”, salientou. 

Não basta fiscalizar,tem que apontar soluções

A região formada por Nova Friburgo, Sumidouro e Teresópolis, Selmo batizou de “triângulo das verduras” em decorrência do adensamento de sua agricultura familiar, que trabalha de forma séria e consciente. No entanto, segundo Selmo, os órgãos de pesquisa, de avaliação ou de fiscalização (como Fiocruz, Vigilância Sanitária, entre outros) precisam ter o compromisso de orientar o agricultor sobre como agir depois de apontar um problema. Se há problemas que apontem soluções. Para ele, não é justo uma equipe chegar, falar que aqui e ali há problemas, isso e aquilo, e ir embora. 

“Há problema? Como podemos resolver? Porque queremos fazer as coisas direito, mas como? Já aconteceu de vir um pessoal para analisar o nosso tomate e depois ir para a mídia alertar a população que o tomate de Friburgo não era bom para consumo. Não acho que essa seja a forma correta de se relacionar. Essa atitude prejudicou o município, principalmente o pessoal da agricultura familiar que planta tomate. Por outro lado, a Vigilância Sanitária, que é um departamento da secretaria estadual de Agricultura visita as lavouras com regularidade, o que para nós, é muito positivo: confere o plantio, vai aos galpões, observa o empacotamento e o descarte dos recipientes de agrotóxicos. Se encontrar algum problema, diz como resolver. É assim que deve ser”.

Selmo Santos aponta o avanço no destino final das embalagens usadas como um fato a ser destacado. A Associação dos Revendedores de Embalagens de Agrotóxicos da Região Serrana Fluminense (Arasef), ao lado do Ceasa, em Conquista, recebe os recipientes vazios dos agricultores. “Antigamente eram jogados em terrenos baldios, beira de estradas, margens dos rios. Adultos que ignoravam o perigo muitas vezes os recolhiam para reutilizar, e as crianças, para brincar. Hoje, é difícil encontrar esse tipo de embalagem jogado por aí”, acredita o secretário.  

Foto da galeria
Segundo o secretário municipal de Agricultura, Selmo Santos, o consumo de agrotóxico em Friburgo já teve um pico de utilização preocupante
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TAGS: agricultura | agrotóxicos
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