Tentações ditatoriais

segunda-feira, 01 de março de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Maurício Siaines (*)

A opção pela ditadura, decorrente do repúdio às mazelas que aparecem no ambiente democrático, é uma escolha a que se chega a partir de uma postura de se atribuir a si próprio o dom de consertar a sociedade, como se esta fosse um aparelho mecânico que não está funcionando bem. Seja quem se supõe com tal poder um indivíduo, um movimento social, um partido político, um movimento religioso.

Esta inclinação tem tido caráter ideológico, às vezes de direita, às vezes de esquerda, sempre adornada por um discurso moralista onde os bons e os maus são respectivamente enaltecidos e condenados. Esta presunção de ter a capacidade de consertar a sociedade numa espécie de intervenção cirúrgica tem tido resultados desastrosos.

Uma forte tradição cultural favorável a esse tipo de intervenção salvadora na vida social, baseada na filosofia positivista, se desenvolveu na sociedade brasileira de meados para o fim do século 19 e teve no ambiente militar um campo fértil para germinar.

Pode-se afirmar, mesmo sem entrar em análise histórica mais profunda, que o Exército, principalmente depois da Guerra do Paraguai (1871-1875), foi uma espécie de vanguarda ideológica e política da mudança que estava por vir. A República nasceu de um golpe militar e se inspirava nos ideais positivistas. A inscrição da bandeira nacional, ordem e progresso, não por acaso, era parte do lema do filósofo Augusto Comte (1791- 1857), fundador do positivismo: o amor por princípio, a ordem por meio e o progresso por fim.

As diversas intervenções dos militares brasileiros na vida política e social se legitimavam, perante eles próprios como grupo social e como instituição, pelos princípios positivistas. Mesmo na ditadura de 1964-1985, o movimento dos agentes do golpe se fundamentava nessa atribuição do direito e da necessidade de realizar uma missão, atribuição do grupo a si próprio.

No caso, tratava-se de opor-se ao comunismo e à corrupção. Havia, é claro, o contexto da Guerra Fria, em que a ideologia anticomunista aglutinava e mobilizava as tendências conservadoras, mas a corporação militar já estava pronta para agir desde muito antes.

As tendências de esquerda, embora em outra tradição de pensamento, também tinham – ou ainda têm, algumas delas – essa inclinação a legitimar suas intervenções na vida social pelas transformações que pretendem promover, atribuindo a si próprias o dom de deter o saber, o conhecimento do caminho correto, instituindo-se assim, como vanguarda das mudanças, da revolução. Buscando a justiça social, as revoluções, na maioria das vezes, geraram estados policiais, que terminaram repudiados pelos povos dos países onde se instalaram.

As intervenções de caráter autoritário costumam agregar ao seu movimento indivíduos cruéis que se comprazem, por exemplo, em praticar a tortura, possibilitando que ela se torne política de Estado. Da mesma maneira, atraem outros, oportunistas, que descobrem naquela ação política autoritária o meio de acumular vantagens econômicas, de acordo ou não com as normas jurídicas vigentes.

Espetáculos de execração pública, seja de políticos corruptos, seja de assassinos ou outros criminosos, não resolvem os problemas. No máximo, eles permitem alguma espécie de regozijo, de prazer por se verem vencidos aqueles agentes individuais que fizeram alguma espécie de mal.

O ditador italiano Benito Mussolini foi fuzilado e seu corpo foi exposto em uma praça na cidade de Milão, pendurado de cabeça para baixo, em 1945. A que terá servido esse espetáculo, além da liberação da raiva contida? Provavelmente a nada. A Itália não se modificou por causa da exposição do corpo de Mussolini.

As soluções autoritárias geram problemas muito maiores do que aqueles contra os quais elas foram aplicadas.

Somente a democracia permite a superação dos problemas, embora ela própria não seja solução. É apenas o meio, o campo onde as forças sociais podem se manifestar, mesmo com lutas, que passam a ter regras. Seguir a tentação autoritária e sacrificar a democracia é iniciar um processo que não se sabe onde vai levar, tal como acontece com o aprendiz de feiticeiro.

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