As histórias de superação no esporte são comuns, mas não perdem o brilho. O ciclista friburguense José Alberto Manger, mais conhecido como Tequinha, teve sua vida de atleta interrompida após o acidente que o deixou tetraplégico. Com a ajuda da família, amigos e de engenheiros friburguenses, Tequinha voltou a competir.
Marcelo Manger, filho de Tequinha, conta que o esporte sempre esteve presente na vida do pai e que tudo começou quando a família se mudou para o condomínio Bom Pastor. “Meu pai sempre foi atleta e isso passou para mim e a família, em geral. Quando ele começou com o ciclismo aqui em Friburgo, a atividade era praticamente uma novidade, não só no bairro, mas na cidade”, conta. Tequinha foi se aprimorando e com 58 anos participou da primeira competição de mountain bike, em Friburgo. Depois de pegar gosto pela disputa, ingressou em competições estaduais e nacionais. “Meu pai é bicampeão do Iron Biker, competição realizada em Minas Gerais, essa prova tem a duração de dois dias. Ele também é bicampeão carioca e campeão de outras provas realizadas na cidade e em outros municípios do país”, orgulha-se.
A saúde impressionava e a idade nunca foi problema. Com 67 anos, durante um treinamento de rotina, em julho de 2013, Tequinha sofreu o acidente que mudou sua vida. Ao fraturar a coluna cervical, C5 e C6, a medula foi afetada e a partir desse momento perdeu os movimentos de quase todo o corpo. Foi um período muito complicado. De acordo com Marcelo, seu pai entrou em depressão e perdeu o interesse na prática de esportes. “Pensávamos que por ser atleta ele fosse superar mais esse desafio da vida, mas a reação foi outra. Sentia muitas dores, ficou desanimado por conta da situação e entrou em depressão. Ele ficou arredio, não queria fazer nada para melhorar sua condição e não falava com ninguém”, recorda o filho.
Só após muita insistência da família para reanimá-lo, Tequinha aceitou o desafio de voltar a participar de uma corrida, em companhia do filho. “Fiz a proposta para que ele participasse de uma corrida de cinco quilômetros comigo. Ele demorou um pouco. A primeira resposta foi uma negativa, mas depois de conversarmos muito, finalmente aceitou”, conta Marcelo.
Após participar da corrida, o ânimo de Tequinha voltou e junto com ele, a vontade de disputar corridas e de montar uma bicicleta. É aí que entra o trabalho do professor da Uerj, Damiano Militão, e dos estudantes de engenharia Mateus Pereira e Raphael Ramalho. Marcelo procurou Damiano, que também é ciclista e participa de competições pelo país, para desenvolver uma cadeira de rodas especial. A realização do projeto durou cerca de um ano e é uma iniciativa pioneira na cidade. “Na região, eu desconheço que tenha um projeto desse tipo, na cidade eu acredito que sejamos os primeiros a desenvolver esse trabalho”, afirma Damiano.
Segundo o professor, Marcelo queria uma cadeira que fosse leve, resistente, com segurança adequada e conforto, para que seu pai aguentasse o ritmo das competições. “Essas foram as orientações do Marcelo. Ele me perguntou se na engenharia mecânica da Uerj, e eu como professor, não conheceria alguma forma de auxiliá-los”, conta Damiano. A parceria com seus alunos, Mateus Pereira e Raphael Ramalho, foi fundamental. “Eu orientei os dois a respeito das necessidades que a estrutura deveria ter, o que geralmente é utilizado em competições para que fizéssemos uma cadeira de rodas ideal e sem falhas, junto com toda essa parte da análise mecânica”, completa o professor.
As principais dificuldades que os estudantes encararam estavam relacionadas às necessidades de habilidades e conhecimentos até então não passados pela faculdade, como explica Mateus. De acordo com o estudante, o uso de programas específicos para modelagem, como a criação do protótipo virtual, e cálculos estruturais foi resolvido com a procura por cursos extracurriculares.
O projeto começou com a apresentação de uma adaptação já feita por Marcelo, sobre uma cadeira de rodas convencional, para participar das provas de corrida. Iniciada a modelagem do novo protótipo, a principal preocupação era solucionar todos os problemas antes encontrados e aperfeiçoar as características da primeira cadeira. “Nós montamos a cadeira de rodas com peças de bicicletas. Tudo isso foi pensado para fazer com que ele realmente se sentisse em uma bicicleta, e assim, em casa”, conta o estudante. A parte de ergonomia da cadeira teve que ser bem trabalhada, principalmente pelo fato de o cadeirante passar o tempo todo na mesma posição, nas provas de longa duração. “A cadeira foi feita sob medida para o Tequinha e proporcionamos a ele a posição mais confortável possível”, completa Pereira.
Projeto com tecnologia friburguense foi pensado sob medida para Tequinha
Raphael explica que algumas alterações na estrutura da cadeira foram fundamentais para o êxito do projeto. “Em cadeiras comuns, as rodas traseiras são paralelas e, por conta disso, em uma corrida, ela pode tombar. Botamos uma leve inclinação para dar mais estabilidade”, explica o estudante.
O projeto foi totalmente personalizado. Devido às freadas bruscas durante as corridas, os engenheiros mudaram a geometria da cadeira, para que Tequinha não tivesse deslocamento de torço (quando o corpo vai pra frente, após uma freada).
Com o projeto finalizado e entregue, os engenheiros viram a satisfação e a importância de fazer um trabalho com impacto direto na vida de alguém. Com esse sentimento, Raphael Ramalho afirma que valeu a pena todo o esforço. “Quando se faz um projeto desses, a gente sente orgulho da carreira que escolheu. Não só fizemos a diferença na vida de alguém como vimos o nosso esforço sair do papel. Não há remuneração que pague isso”, emociona-se.
Damiano fala que projetos como esse, aos poucos, suprem uma demanda na comunidade friburguense para solucionar problemas de construção de estruturas. “Caso alguém precise da nossa ajuda, como o Tequinha precisou, estamos abertos ao diálogo para ajudar no que for possível. Temos alunos para ajudar, auxiliar e otimizar a resolução de futuros projetos. Podem nos procurar, aqui na Uerj”, convida.
Após a motivação de competir voltar, a grande vontade do pai era retornar a andar de bicicleta. Com a ajuda dos engenheiros friburguenses, o desejo foi realizado. “Foi um presentão de Natal que meu pai ganhou. A “bike” e um equipamento para puxá-la. Depois de quase três anos, no dia 25 de dezembro do ano passado, ele voltou a ‘pedalar’”. A volta às corridas rendeu a Tequinha uma homenagem, em competição realizada em Nova Friburgo, no ano passado. “Foi uma alegria para ele e para toda a família. Segura o velhinho, agora com seus 71 anos”, brinca.
Conquistas
Antes do acidente
Iron Bike-MG: Bicampeão / 2º lugar / 3º lugar
Campeonato Estadual- RJ: Bicampeão
Montanha Cup – Nova Friburgo: Tetracampeão
Depois do Acidente
Corrida de Rio das Ostras: Campeão / 3º Lugar
Corrida de Macaé: 3º lugar
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