Se, antes, fazer uma tatuagem era coisa de doidão, de marginal, hoje se tornou uma coisa normal, quase careta. As tatuagens, que estão cada vez maiores, conquistam mais e mais adeptos, inclusive entre pessoas mais velhas. Hoje é comuníssimo ver uma pessoa com pelo menos um dragão, uma borboleta, uma fada, uma flor ou uma estrelinha tatuada em algum lugar do corpo.
A moda da tatuagem, que começou há cerca de duas décadas no Brasil, parece estar definitivamente consolidada. Os jovens estão fazendo suas primeiras tatuagens cada vez mais cedo, com a anuência dos pais, que muitas vezes aproveitam a ocasião para se tatuar também. Aqueles que já tinham uma tatuagem acabam fazendo outras.
Arrependimento? Esta é uma palavra que não parece estar no vocabulário dos fanáticos por tatoos. A exceção fica por conta dos apaixonados, que tatuam o nome da pessoa amada e, depois que o romance acaba, querem se livrar da antiga tatuagem. Mas um bom tatuador sempre dá um jeito de fazer um novo desenho por cima do tal nome, de modo que este fique imperceptível.
O medo da dor ou a possibilidade de pegar uma infecção também não assustam ninguém. E pode-se afirmar sem erro que a moda da tatuagem só não se popularizou ainda mais por causa do custo. É, não resta dúvida de que este é um ornamento caro e inacessível para muitos. Basta dizer que uma simples estrelinha não sai por menos de R$ 50. O que dizer, então, das tatoos maiores? E nem poderia ser diferente, pois os corantes empregados são importados, o material é descartável e o serviço, muito trabalhoso, exige horas e horas de dedicação por parte do profissional.
Entre os tatuadores que atuam em Nova Friburgo, um nome tem se destacado dos demais. Com apenas 21 anos, Daniel Rezende, mineiro de Leopoldina, tem um traço seguro, certeiro e um estilo inconfundível, marcado por desenhos coloridos, curvas, sombreamentos e profundidades. Daniel trabalha com uma grande riqueza de detalhes e toma muito cuidado com a sutileza do desenho para que a tatuagem não fique poluída demais.
Daniel só vem a Nova Friburgo de 15 em 15 dias e atende no Studio F (Rua Portugal 22/loja A). Sua agenda é disputadíssima. Para conseguir hora com ele é preciso marcar com pelo menos um mês de antecedência. Nesta entrevista, ele fala de seus primeiros contatos com a tatuagem, de como se tornou conhecido num mercado tão competitivo, das tendências e novidades do mundo da tatuagem, assim como o fim do preconceito que até há pouco tempo cercava esta prática.
LIGHT - O QUE HÁ DE NOVO NO UNIVERSO DA TATUAGEM?
DANIEL REZENDE - As tatuagens grandes, com certeza! As pessoas estão tendo noção de que fica mais legal uma tatuagem maior do que um desenho minúsculo, perdido em algum lugar do corpo. Elas custam mais caro, até porque são feitas em várias seções e consomem mais tinta, mas quem pode fazer sempre acaba optando por um desenho maior. Eu mesmo tenho oito tatuagens, feitas por dois colegas mineiros, duas delas bem grandes, o deus hindu Shiva e o perfil do imperador César. E quero mais.
LIGHT - QUAIS AS TATUAGENS MAIS PEDIDAS?
DANIEL - As tatuagens orientais, como os dragões, carpas e flores, o que para mim é ótimo, pois sempre fui mais chegado para o lado oriental, japonês. A arte deles é mais simples e objetiva, sem muitos efeitos, mas com figuras marcantes. Também curto muito fazer maoris, que são tatuagens de tribos originárias da Nova Zelândia. Elas são simétricas e de difícil execução, porque os dois lados têm que ficar rigorosamente iguais. Por isso mesmo, exigem muita calma e paciência. Também tenho feito desenhos conhecidos como bioorgânicos, com voltas, curvas, sombreamentos, profundidades. Fica muito bonito.
LIGHT - HOJE AS TATUAGENS ESTÃO BEM MAIS COLORIDAS. VOCÊ ACHA QUE ESTA TENDÊNCIA DEVE PERMANECER?
DANIEL - Com certeza. Isso vem acontecendo, em primeiro lugar, por causa das tintas, que hoje em dia têm uma qualidade muito superior. Também contamos atualmente com cores e nuances bem diferentes, o que permite uma gama maior de opções. Detalhe: só uso pigmentos importados e antialérgicos, material esterilizado e descartável. Até a tinta que sobra nos potinhos também é descartada, um cuidado que nem todo tatuator tem, infelizmente.
LIGHT - JÁ ACONTECEU DE ATENDER A PESSOAS QUE SE ARREPENDERAM DA TATUAGEM E QUEREM CORRIGIR O ESTRAGO?
DANIEL - É muito comum que pessoas nos procurem para fazer um cover up, isto é, uma outra tatuagem por cima, principalmente para cobrir nomes de ex-namorados ou namoradas. Também fazemos uma nova tatuagem por cima de tatoos que já foram feitas há muito tempo e estão meio apagadas. Como eu disse, os pigmentos não tinham a qualidade de hoje.
LIGHT - POR FALAR NISSO, O QUE VOCÊ ACHA DO MODISMO DE TATUAR NOMES DE PESSOAS?
DANIEL - Depende. Se for para tatuar o nome de um filho, do pai ou da mãe, por exemplo, acho válido. Eu, pessoamente, não gosto, mas admito que muita gente queira deixar esta marca em seu próprio corpo, como uma manifestação de carinho e amor. No caso de namorados, porém, sou totalmente contra, embora não possa me recusar a fazer o serviço. Tatuagem é uma coisa que fica para sempre, mas no coração das pessoas não é isso que acontece. Até conseguimos disfarçar o nome com um outro desenho, mas dá muito mais trabalho e nem sempre com aquela figura que a pessoa escolheria.
LIGHT - QUEM FAZ MAIS TATUAGENS, OS HOMENS OU AS MULHERES?
DANIEL - As mulheres, com certeza. Cerca de 70% dos meus clientes são mulheres.
LIGHT- QUAIS SERIAM, A SEU VER, AS CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DE UM BOM TATUADOR?
DANIEL - A paciência, principalmente com os clientes. É um trabalho que exige muita calma, concentração. Eu sou capaz de trabalhar cerca de oito horas por dia (três a quatro seções), parando a cada duas horas. Mais que isso, já seria demais. Também é fundamental saber desenhar e estar antenado com o que acontece no mundo da tatuagem, através de revistas, da internet e freqüentando convenções nacionais e internacionais de tatuadores. Elas são importantes para conferir as novidades e tirar dúvidas. Além disso, representam uma ótima oportunidade para trocas de experiências.
LIGHT- VOCÊ ACHA QUE A TATUAGEM É UMA TERAPIA OU UMA ARTE?
DANIEL - Os dois. Claro que é uma arte, na medida em que envolve desenhos, traços, utilização de cores. É uma arte que está aí nas ruas para ser observada. Mas exige também todo um equipamento, assim como conhecimentos específicos por parte do profissional. Sem conhecer a técnica de montagem das agulhas, por exemplo, não se consegue fazer sequer um sombreamento perfeito.
LIGHT - COMO VOCÊ VÊ O MOMENTO ATUAL DA TATUAGEM NO BRASIL?
DANIEL - Bem, a tatuagem passa por uma evolução assustadora. Quando você menos espera, aparece um novo talento com pouco tempo de experiência, mas que impressiona com seus lindos trabalhos. O Brasil está muito à frente de países milenares na arte da tatuagem.
LIGHT - QUEM SÃO OS PAPAS DA TATUAGEM, AQUELES QUE VOCÊ GOSTARIA QUE FIZESSEM UMA EM VOCÊ?
DANIEL - Difícil citar. Temos tatuadores muito bons. O mais famoso é, sem dúvida, o Ledz. Gosto muito da Akemi, que trabalha no estúdio dele, em São Paulo. Ela tem um estilo diferente, faz um desenho mais obscuro, umas bonequinhas tortas, nossa, ela é excelente também. Outro paulista que manda muito bem é Evan Szazi, que só trabalha com tatuagens orientais. O Maurício Teodoro não aparece muito nas revistas, mas é fera. No Rio, temos o Tyès, que é um ótimo tatuador, e o Daniel Novaes, meu xará. E não quero esquecer o Marcelo Mordente, um dos mais criativos do Brasil. Ele enfoca muito a arte nacional, suas tatuagens de índios, aves e outros animais da nossa fauna já ganharam o mundo.
LIGHT - QUAIS SÃO AS SUAS MAIORES INFLUÊNCIAS NA TATUAGEM E NO DESENHO?
DANIEL - Admiro muitos tatuadores, mas procuro desenvolver meu próprio estilo. Procuro mixar um pouquinho de cada um, dos iniciantes aos veteranos.
LIGHT - COMO VOCÊ LIDA COM AQUELES CLIENTES QUE JÁ CHEGAM COM UM DESENHO PRONTO PARA TATUAR E VOCÊ JÁ SABE, DE ANTEMÃO, QUE NÃO VAI FICAR BOM?
DANIEL - Bem, eu até faço, mas antes troco uma idéia, tento dar uma opinião. Mas quando a pessoa vem com uma idéia já pronta e quer fazer, em geral não tem jeito. Isso acontece muito, há coisas que eu não curto, que não faria nunca em mim mesmo, mas se o cliente quiser, eu faço com o maior cuidado. Mas o ideal é quando eu e o cliente nos identificamos com o desenho, quando os dois entramos em sintonia na hora de escolher.
LIGHT - COMO FOI SEU PRIMEIRO CONTATO COM A TATUAGEM, FOI AMOR À PRIMEIRA VISTA?
DANIEL - Na verdade, eu não me lembro quantos anos tinha quando vi a primeira tatuagem, mas sempre que via alguém com tatuagem eu ficava o tempo todo em volta da pessoa só para ver a tatuagem e morrendo de vontade de ter uma. Comecei a tatuar aos 17 anos com um amigo de Leopoldina, minha cidade natal, mas minha vida no colégio era desenhar. No começo não possuía nem o equipamento básico de tatuagem.
LIGHT - SABEMOS QUE A BUSCA POR APERFEIÇOAMENTO E NOVAS TÉCNICAS É MUITO IMPORTANTE. MAS, FALANDO SÉRIO, VOCÊ ACHA QUE NO BRASIL ALGUNS TATUADORES PARARAM NO TEMPO?
DANIEL - Na verdade, poucos tatuadores correm atrás de novidades. Muitos pensam que sabem tudo ou inventam desculpas, dizendo que não têm tempo para desenhar ou viajar, por exemplo. Eu acho que sempre temos muito para aprender.
LIGHT - VOCÊ ACHA QUE AINDA EXISTE MUITO PRECONCEITO COM RELAÇÃO À TATUAGEM?
DANIEL - Com o crescimento observado nos últimos dez anos, creio que em pouco tempo não haja mais discriminação alguma contra tatuagens. As pessoas não estão mais vendo a tatuagem como uma coisa transgressora. Na verdade, a tatuagem dá um toque jovem, contemporâneo ao visual, uma coisa assim meio de tribo. Por isso mesmo, até pessoas mais velhas estão se tatuando. A tatoo serve para mostrar que elas são pessoas antenadas, que estão na área. Eu já tatuei até senhoras de 60 anos. Hoje ainda há alguma resistência em certos redutos mais caretas, mas isso está acabando. As tatuagens estão tão disseminadas, que até os mais resistentes passaram a aceitá-las, mesmo no caso de tatuagens grandes e que cobrem quase todo o corpo.
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