O talento de Marcia Frazão já é conhecido pelas grandes editoras. Tradutora e escritora, ela já escreveu 18 livros e traduziu quase 50 das línguas inglesa, francesa e italiana para o português. Márcia já trabalhou na tradução de livros para seis grandes editoras do país. Ela conhece a proprietária da Editora Gryphus, que comprou o direito de tradução de Em Águas Profundas – Criatividade e Meditação, novo livro de David Lynch. Foi da proprietária da editora que Marcia recebeu o convite para traduzir o livro, que já é um grande sucesso. Marcia afirma que o trabalho do tradutor é muito malvisto no Brasil, pois dificilmente as pessoas procuram saber quem traduziu as obras literárias. “O trabalho do tradutor é árduo, ele precisa conhecer o assunto que é o tema do livro e, para isso, necessita fazer muita pesquisa, tanto do assunto quanto do autor”, explica Marcia.
Apesar de toda a experiência que tem na tradução de livros, Marcia conta que essa foi uma das obras que ela mais gostou de trabalhar, apesar da tradução não ter sido fácil. “A linguagem do livro segue uma bem parecida com as dos filmes que ele escreveu. Em um trecho de um dos capítulos, ele usa uma expressão que, traduzida, ficaria algo como: ‘presta atenção na rosca e não no buraco’. Achei um absurdo traduzir desta forma, mas resolvi ser fiel e arrisquei deixar assim. Quando ele veio ao Brasil lançar o livro, gostou tanto da expressão, que ficou repetindo essa frase”, diverte-se a tradutora.
Para Marcia Frazão, o trabalho de pesquisa do autor não foi tão difícil, já que ela é fã de Lynch e já acompanha sua carreira há algum tempo. “Assisti a boa parte dos filmes dele e li praticamente todos os livros que escreveu. Certamente, isso me ajudou no trabalho de tradução que precisou ser feito em tempo recorde. Se eu não tivesse essa bagagem de conhecimento, não aceitaria traduzir. Rejeito fazer traduções de obras que abordam assuntos os quais não conheço. Faço tradução até de manuais técnicos – como de aparelhos eletrodomésticos, celulares etc – mas se não me sinto à vontade com o tema, rejeito mesmo. Penso que seja isso que define a qualidade do meu trabalho”, conta ela.
Normalmente, Marcia leva de dois a quatro meses para traduzir um livro. Algumas vezes, ela recebe ajuda do marido, Ronaldo Periassu, que também é tradutor. Para dar conta de entregar nos prazos apertados estipulados pelas editoras, a tradutora conta que às vezes acorda às 3h da madrugada e trabalha até 20h ou 21h. “O livro do David demorou pouco mais de um mês para ficar pronto, exatamente por eu seguir esse ritmo louco de trabalho. Foi pressão total, porque ele já tinha agendado uma data para vir ao Brasil e a editora queria aproveitar a viagem para fazer o lançamento do livro. Mas quem pensa que o resultado ficou comprometido devido à correria, vai se surpreender. Eu sou suspeita para falar, mas fiquei muito satisfeita com o produto final. A crítica também elogiou bastante”, avalia Marcia, que já está traduzindo do inglês para o português um novo livro, dessa vez de Marion Zimmer Bradley – autora de As Brumas de Avalon.
Tradutora se surpreende com beleza do livro
“Certamente o livro do David ficará marcado em minha carreira como uma das melhores traduções que já fiz, pois é uma obra linda. As pessoas devem ler, principalmente quem gosta de cinema”, recomenda a tradutora. Para conseguir resultados tão satisfatórios, Marcia conta que o principal segredo é sentir prazer no que faz. “Penso que o prazer do tradutor se dá à medida que ele tenta entrar na cabeça do autor. Eu fico imaginando como a pessoa é, o que ela pensa, o que quer passar para o seu leitor, enfim, procuro entrar na alma do autor. Isso permite que eu me sinta um pouco participante da obra. Existem tradutores que não conseguem isso, já outros defendem o distanciamento – sob o argumento de que é necessário manter a imparcialidade – mas acho que a tradução feita dessa forma fica fria, não gosto. A tradução não é algo impessoal como muita gente pensa. O tradutor precisa travar uma relação com o autor”, ensina Marcia.
“Não gosto, por exemplo, de traduzir poesia. Geralmente as poesias fazem um jogo com as palavras que são escolhidas pela melodia que têm e também para expressar os sentimentos do autor naquele momento. Acho que escolher uma outra palavra para um autor é algo muito delicado. Eu me preocupo sempre em pensar: será que se o autor fosse brasileiro, se falasse português, ele usaria esta palavra?”, esclarece Marcia.
Com um ritmo de trabalho tão intenso, a escritora e tradutora conta que tem momentos que precisa parar tudo o que está fazendo e assistir a um programa imbecil na televisão. “Sinto que quando já não sei mais que língua eu falo, se é português, inglês, espanhol etc, é porque está na hora de dar um tempo para eu ficar diante da televisão só olhando para esses programas que não exigem que você pense diante deles. Até porque se você parar para pensar, não assiste”, diz Marcia, às gargalhadas.
Paralelo ao trabalho de tradutora, Marcia Frazão ainda encontra tempo e inspiração para não abandonar a carreira de escritora e ainda tem projetos para se aventurar em outras mídias. “Como escritora, trabalho muito no sistema americano, ou seja, não saio por aí escrevendo e quando já tenho um livro pronto saio em busca de uma editora para publicá-lo. Eu tenho uma agente literária que pega o primeiro capítulo de um livro e o esqueleto dos outros – os títulos dos demais capítulos – e negocia com as editoras. Depois que está tudo fechado, então levo adiante o trabalho”, ensina ela. Além disso, Marcia está em fase de negociação com uma produtora para fazer um programa de TV e acertando com a apresentadora Ana Maria Braga, da TV Globo, para ter um quadro fixo no programa da loura, onde ela daria dicas de cuidados com hortas e plantas em geral. É que Marcia, além de tudo, estuda as plantas e tem vasto conhecimento na área.
Embaixador da meditação, David Lynch
fala sobre criatividade e ensina a receita da felicidade infinita
“Um homem apaixonado por idéias.” Assim o cineasta David Lynch (foto) se definiu. Segundo o norte-americano, conhecido por seus filmes sombrios, “artista em depressão não cria; não consegue nem sair da cama”. Em sua passagem pelo Brasil na semana passada, o cineasta David Lynch atraiu centenas de fãs. Ele falou de sua paixão pela meditação transcendental e comentou sua carreira cinematográfica. A primeira visita de Lynch ao Brasil começou no dia 4, no Rio de Janeiro. Ela fez parte dos trabalhos de divulgação de seu novo livro, Em águas profundas – criatividade e meditação.
A tranqüilidade e o bom humor de David Lynch talvez tenham surpreendido quem o conhecia apenas por suas obras perturbadoras e soturnas, como a série de TV Twin Peaks e os filmes A Estrada Perdida, Veludo Azul e Cidade dos Sonhos. A explicação para esse contraste Lynch tem na ponta da língua: “Artista em depressão não cria; não consegue nem sair da cama! Criar a partir do sofrimento é uma idéia francesa. Acho que é uma maneira de artistas conseguirem garotas. Elas ficam com pena deles (risos). Dor não ajuda a criar. Artista não tem que sofrer para mostrar sofrimento”, concluiu.
O diretor norte-americano – fundador de uma linguagem cinematográfica própria em que o estranhamento, a violência, o sexo e a desconexão temporal são fundamentais – é conhecido por filmes envolvidos em muita abstração. O cinema é um “mundo de idéias”, insistiu o cineasta durante entrevista. “Tudo começa com uma idéia. Quando você tem uma idéia, você se apaixona por ela, e deve segui-la”, argumentou o diretor.
Mas as idéias de Lynch são recebidas de formas diferentes pelo público, dividindo opiniões, acumulando críticos e fãs por onde seus filmes são exibidos. “Essas idéias têm um significado para mim, mas quanto mais abstrato, mais margens para interpretações diferentes a obra pode apresentar”, disse. “No cinema, você pode dizer coisas que seriam impossíveis de se dizer”, complementou.
O mergulho de David Lynch
Em sua temporada pelo país, David Lynch, que diz praticar meditação há 35 anos, duas vezes por dia, fez um paralelo com o título de seu livro. “Se você quer um peixe pequeno, pode pescar em água rasa. Mas para algo maior, terá que ir buscar bem no fundo”, metaforizou, concluindo sua tese de que as idéias são “a alma do negócio” no cinema.
O livro Em Águas Profundas: Criatividade e Meditação, da editora Gryphus, é uma mistura de autobiografia, história do cinema, ensaio espiritual, manual de meditação e auto-ajuda. Na obra o célebre diretor conta como a prática da meditação transcendental mudou a sua vida, além de revelar como ela o ajuda a concentrar energias, estimulando sua criatividade e consciência. Um relato de experiências entremeado de histórias jamais reveladas sobre a produção de suas obras-primas cinematográficas.
A obra é uma compilação de pequenos textos, alguns em formato de pílula, nos quais o cineasta explica como a meditação transcendental é importante para alcançar a criatividade, o bem-estar e, conseqüentemente, a paz que, segundo Lynch, “parece piada de concorrente a concurso de beleza”, mas é fundamental.
O envolvimento do diretor com essa técnica difundida pelo guru espiritual Maharishi Maheshi Yogi (o mesmo dos Beatles) é baseada no repetição de sons específicos (mantras). Influenciado pela irmã, Lynch procurou um centro de meditação em Los Angeles – cidade em que vive até hoje – e, desde então, passou a se dedicar à prática em duas sessões diárias. Em seu livro ele assegura que conseguiu alcançar a consciência profunda e a tranqüilidade espiritual que tanto almejava.
Quando questionado se a meditação transcendental ajudaria a compreender seus filmes complexos e surrealistas, o cineasta respondeu na lata: “Absolutamente”, arrancando gargalhadas. São as respostas a esses tipos de questionamentos, o tom confessional e as histórias autobiográficas que tornam Em Águas Profundas... uma obra interessante, se não relevante do ponto de vista artístico, ao menos importante para se compreender melhor o trabalho do cineasta.
Os textos são curtos, escritos em pequenas passagens que, na pretensão do autor, devem fluir e dançar ao longo das páginas que, viradas continuamente, provocam uma sensação de viagem na mente do leitor. São 84 capítulos breves, de no máximo três páginas cada um, que expõem a visão de Lynch sobre o seu processo criativo e sua relação com o mundo.
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