STF confirma: taxa de incêndio é inconstitucional

Advogada explica que serviço público oferecido pelo Corpo de Bombeiros é essencial, geral e indivisível, não podendo ser cobrado como taxa
quinta-feira, 04 de abril de 2019
por Guilherme Alt (guilherme@avozdaserra.com.br)
A taxa de incêndio: fundo financia compra de equipamentos para a corporação (Reprodução da web)
A taxa de incêndio: fundo financia compra de equipamentos para a corporação (Reprodução da web)

Os boletos da taxa de incêndio já começaram a chegar às residências dos contribuintes de quase todo o estado do Rio de Janeiro e os vencimentos estão programados para os próximos dias 8 a 12. O que quase ninguém sabe é que a taxa foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A informação foi confirmada com exclusividade por A VOZ DA SERRA. A decisão, por seis votos a quatro, é válida desde maio de 2017.

Confira o trecho da decisão do STF, retirada do próprio site do órgão: “No julgamento do RE 643247, concluído no dia 24 de maio deste ano (2017), a Corte manteve decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) e julgou inconstitucional a cobrança da Taxa de Combate a Sinistros (Lei Municipal 8.822/1978). Essa taxa foi criada com o objetivo de ressarcir o erário do Município de São Paulo do custo da manutenção do serviço de combate a incêndios. A tese, aprovada por unanimidade, foi proposta pelo relator do recurso extraordinário, ministro Marco Aurélio, e redigida nos seguintes termos: ‘A segurança pública, presentes à prevenção e o combate a incêndios, faz-se no campo da atividade precípua pela unidade da federação e, porque serviço essencial, tem como a viabilizá-la a arrecadação de impostos, não cabendo ao município a criação de taxa para tal fim’”.

A advogada de Nova Friburgo Lia Rodrigues Fontoura explica a decisão do STF. “Taxas somente podem ser cobradas como contraprestação pelo exercício do poder de polícia ou pela utilização de serviços públicos específicos e divisíveis. É muito importante ter isso em mente para entender a razão pela qual as taxas de incêndio não são constitucionais. Podemos desenvolver o seguinte raciocínio: a taxa de incêndio funciona como um valor pago ao estado para que o mesmo exerça o serviço de prevenção e extinção de incêndios. Logo, trata-se inequivocadamente de um serviço público. Não obstante, precisamos ainda estabelecer se esse serviço público atende aos requisitos de ser específico e divisível”, observa a advogada.

Ainda segundo Lia, os serviços são específicos quando podem ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas. Isto é, quando o contribuinte sabe por qual serviço está pagando. Por outro lado, os serviços são divisíveis quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um de seus usuários, ou seja, quando é possível especificar quem está utilizando o serviço público. “Tomemos o seguinte exemplo: alguns entes públicos cobram uma taxa pela coleta residencial do lixo. Esse serviço é específico, porque diz respeito à coleta de lixo, e é divisível porque é possível individualizar cada casa que se beneficia do serviço. No caso da taxa de incêndio, tem-se que o serviço de prevenção e extinção de incêndios é genérico e indivisível, na medida em que não é possível estabelecer precisamente o beneficiário do serviço. Essa taxa favorece, no caso, não apenas os proprietários ou os possuidores dos bens imóveis, mas a coletividade como um todo”, observa a advogada.  

O STF já reconheceu em decisão com repercussão geral que é inconstitucional a cobrança de taxa de incêndio por estados ou municípios. A advogada Lia entende ser cabível demandas judiciais visando à repetição do indébito tributário e a declaração de inexistência de relação jurídica tributária. O STF corrobora o entendimento da advogada e afirma que: “Isso deve ser analisado caso a caso, pelo Judiciário estadual.”

“O STF proibiu a cobrança de taxas de incêndio por parte dos municípios, determinando, inclusive, a devolução de valores pagos a este título. Quanto aos estados, há de se ter um pouco mais de cautela, visto que não houve uma proibição explícita. Não obstante, a partir do momento em que se fixou o entendimento de que a segurança pública, campo em que se inclui a prevenção e o combate a incêndios, é serviço essencial, geral e indivisível, tem-se como única conclusão possível que o mesmo não pode ser cobrado mediante taxas, devendo ser viabilizado através da arrecadação de impostos”, concluiu a advogada.

O que diz a Defensoria Pública

A coordenadora de Fazenda Pública e Tutela Coletiva da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), Samantha Monteiro, entende que tal prestação de serviço afeta a segurança pública e portanto remunerada por impostos e não taxa. Ela recomenda que as pessoas que se sentirem lesadas recorram ao Poder Judiciário para fazer cessar a cobrança.

O que diz o Corpo de Bombeiros

Procurado por A VOZ DA SERRA, o Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ) informou que não foi notificado sobre o assunto e atua baseado na constitucionalidade da lei que instituiu a cobrança do tributo, cuja arrecadação mantém, em nível de excelência, o serviço prestado pela corporação à sociedade fluminense.

Capacitação dos militares, viaturas e equipamentos de última geração estão entre os benefícios custeados pela arrecadação com a Taxa de Incêndio, cujo valor varia de acordo com finalidade e a metragem da edificação. Vale informar que a corporação militar, como instituição pública, pauta sua conduta em normas vigentes e não questiona decisões judiciais transitadas em julgado direcionadas ao Estado do Rio de Janeiro, que englobem  o Corpo de Bombeiros.

O secretário estadual de Defesa Civil e comandante-geral do Corpo de Bombeiros, coronel Roberto Robadey, pretende encaminhar à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) um projeto de lei para que 5% do Fundo Especial do Corpo de Bombeiros (Funesbom), mantido com a arrecadação anual da taxa de incêndio, sejam destinados aos municípios. No ano passado, o fundo arrecadou R$ 232,7 milhões. “Vamos fazer uma distribuição dos recursos para que os municípios possam aplicar nas suas defesas civis, adquirindo equipamentos, investindo em treinamentos, entre outras finalidades. Isso trará grande avanço”, detalhou o comandante, em entrevista concedida em janeiro deste ano.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
TAGS: imposto
Publicidade