Leonardo Lima
Quando deitou-se para dormir, na noite do último dia 11, a técnica de enfermagem Rose Matsuyama não podia imaginar o que estava por acontecer em sua vida. Após poucas horas de sono, ela acordou preocupada com as fortes chuvas que caíam na cidade. “Não consegui mais dormir. Ouvia os vizinhos pedindo socorro, mas estava tudo escuro e não podia fazer nada. Quando o dia começou a clarear, eu e meu irmão fomos até uma casa que havia desabado. Chegando lá encontramos um homem soterrado, porém seu rosto estava para fora da terra e ele estava respirando”, relembra Rose.
A partir deste momento, a rotina de sua vida mudou completamente. Moradora do Loteamento São Jorge, no distrito de Conselheiro Paulino, ela tentou auxiliar a vítima com seus conhecimentos profissionais. “Peguei uma manta e água limpa para aquecer o homem e limpar seu rosto, para desobstruir as vias respiratórias. Apareceu um bombeiro e conseguimos retirá-lo de lá com uma corda”, diz. Em seguida, os moradores pararam um caminhão que passava, para levar o homem até o Hospital Municipal Raul Sertã. Entretanto, a situação era muito mais complicada do que todos podiam imaginar. “Estávamos ilhados. Não tinha como tirá-lo de Conselheiro. Então, alguém sugeriu que o levássemos para a quadra da Alunos do Samba, já que lá estava seco”, recorda Rose.
Segundo ela, diversos outros feridos também se dirigiam para a quadra, em busca de atendimento. “Às 11h da quarta-feira já tínhamos 21 pacientes graves, com fraturas em diversas partes do corpo. Felizmente contei com a ajuda de toda a comunidade. Perguntaram-me o que eu precisava e imediatamente apareceram com gase, água, soro, tesoura, e até mesmo com um balão de oxigênio”, afirma a técnica de enfermagem.
Para Rose, morte de criança foi o momento mais dramático
Além do apoio da comunidade, Rose contou também com a contribuição de profissionais da área de saúde, como dentistas, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, que não paravam de chegar ao longo de todo o dia. Entretanto, não aparecia um médico. “Um pai chegou com a filha de 7 anos. Ela estava tendo uma parada respiratória, fizemos massagem, mas, infelizmente, não conseguimos salvá-la. Não sou médica, mas pela minha experiência sei que, caso tivéssemos uma ampola de adrenalina ali, ela não teria morrido”, lembra Rose, visivelmente emocionada. Ela revela que somente após este episódio conseguiu descansar. “Ali eu me desesperei. O pai me olhou com um olhar, como quem dizia: faz alguma coisa. E eu não podia fazer mais nada. Só ali eu parei para dar uma respirada, me recompor, mas cinco minutos depois já estava de volta”, conta Rose, que por sua dedicação foi apelidada de guerreira pela comunidade.
De acordo com ela, durante cinco dias toda a equipe de voluntários organizou o atendimento e o cadastro das vítimas. “Pedi para os voluntários procurarem as famílias das vítimas para coletar informações e anexá-las num papel, ao lado do colchão onde estavam. Colocamos os corpos em cima do palco do Alunão. Somente depois conseguimos removê-los para a quadra da Creche Girassol. Eram, ao todo, 53. Somente três deles não continham nenhum tipo de informação quando foram transferidos para o Ginásio Celso Peçanha, no Ienf”, explica.
Sem espaço e medicamentos suficientes, a equipe decidiu arrombar o posto de saúde e, a partir de então, passou a fazer no local o atendimento das vítimas. “Lá conseguimos vacinas antitetânicas e aplicamos, num primeiro momento, nas pessoas que lidavam com os corpos, em quem se feriu e em nossa equipe. Depois chegaram os médicos”, explica Rose, que voltou a atuar no Alunão, orientado as pessoas e organizando uma listagem com a relação de todas as famílias na comunidade atingidas pela catástrofe.
Técnica de enfermagem faz alerta às autoridades
Após ficar dez dias envolvida na tragédia, Rose, enfim, conseguiu dormir uma noite inteira. Como resultado, ela aponta que diversas lições foram aprendidas. “Em nenhum momento fiquei sozinha. Toda a comunidade foi muito solidária. Chegou uma hora em que as doações começaram a sobrar. Todo mundo foi bastante compreensivo. Entendiam quando não podíamos mais ajudar, e em nenhum momento me trataram com agressividade”, frisa.
Ela deixa um recado às autoridades: “Essa foi a primeira, mas, infelizmente, outras tragédias de porte igual ou até mesmo superior poderão acontecer. Não há solução. O que se pode fazer é criar cursos, promover palestras para casos de atendimentos de emergência. Hoje não há grupos preparados na cidade para orientar a população em situações como essa. Não há logística, precisamos multiplicar o número de pessoas preparadas. O município não tem ninguém com capacidade de observação e organização nesse momento. Fica todo mundo sem saber como agir”, conclui Rose, que garante estar à disposição desses grupos, caso sejam criados. “Não tenho interesse em conseguir um emprego. Quero apenas continuar como voluntária e ajudar, passando aos outros o que aprendi e adquirir novos conhecimentos”, esclarece.
Para finalizar, ela agradece a todos que apoiaram e cita, um a um, o nome dos voluntários da saúde, que foram essenciais para que todo o apoio pudesse ser prestado: os técnicos de enfermagem Paulo César, Giovana, Cristina, Línea, Rosimeri, Luciana, Xaiane, Braz e Tiago; as auxiliares de enfermagem Elme e Luciana; os enfermeiros Carlos Manoel, Osmar e Josi; a auxiliar de dentista Rosiane; o técnico de segurança do trabalho, Sérgio Murilo; os dentistas Végner e Lucília; os médicos Romel e Rafaela; além dos escoteiros Murilo, Daniel e Bruno; e do presidente da Alunos do Samba, o Silvinho.
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