Sócrates, o mito vivo

sexta-feira, 15 de março de 2013
por Jornal A Voz da Serra

Valfredo Melo e Souza (*)

Os ensinamentos de Sócrates, sempre que possível, são empregados, por razões óbvias, nas escolas esotéricas. Todo pensamento sufocado, todo intelectual perseguido por ideias, é Sócrates que se envenena de novo. Todo questionamento que se exercita nas interrogações essenciais, toda voz intransigente que resiste às consciências satisfeitas, é Sócrates que revive nos Rituais. 
Como ponto marcante de sua filosofia, ficou a maiêutica, método através do qual ele não instrui seus discípulos, mas faz com que os mesmos se questionem até tirarem suas próprias conclusões. Platão, fiel discípulo do Mestre, no texto de Laques, nos mostra uma ideia da maiêutica: dois cidadãos de Atenas, Lisímaco e Melésias, discutem um caminho para a educação e instrução de seus filhos. Pedem então a dois célebres generais, Nícias e Laques, que assistam com eles aos exercícios de um mestre d’armas, pois querem saber se a hoplomaquia (exercícios com armas) proporciona uma boa formação cívica. Próximo, estava Sócrates, sempre cercado de jovens, conhecedor da nova geração ateniense que os escuta e procura instruir-se com o discurso dos generais. Nícias explica que a hoplomaquia é uma excelente preparação para o combate e uma boa escola de coragem. Laques discorda e diz que os exercícios com armas jamais tomaram bravo um covarde. Diante disso, o filósofo solicita que se esclareça o debate e indaga: De que se fala? Da hoplomaquia, sem dúvida, responde Laques. Claro, concorda Sócrates. Mas quando se delibera sobre um remédio para os olhos, é sobre os olhos e não sobre um colírio que se discute, e é a um especialista de olhos a quem se deve dirigir. Quando discutimos acerca de um fim é este fim o objeto da discussão e não o meio subordinado ao fim; neste caso é a alma de vossos filhos e a virtude deles que está em discussão e não o exercício que é destinado a aperfeiçoá-la. Procurai, pois, um especialista em educação e não em armas! Sócrates propõe que resolvam o assunto em conjunto. Todos concordam. 
Nicias sabia que seriam conduzidos “a nos deixar levar pelo fio da conversa, a explicações sobre nós mesmos, nosso gênero de vida e sobre toda nossa existência anterior”. Sócrates volta ao assunto: é preciso para curar os olhos, conhecer a virtude que queremos adquirir ou recobrar, isto é, a visão. No caso, não é a coragem a virtude que se trata a transmitir? Comecemos, pois, por definir a coragem. Veremos qual é o melhor meio para assegurar a presença dela nos jovens, na medida em que os exercícios com armas e o estudo podem lograr tal feito. Tenta, pois, Laques, responder à minha questão: o que é coragem? Assim acaba todo o prelúdio de todo o diálogo socrático, ou seja, pela questão. 
Atinge-se o ponto esperado pelo filósofo: A busca por um conceito que sirva a qualquer tempo e lugar. O Bem é o Bem em qualquer espaço. A Coragem é virtude em qualquer cultura. É preciso fundar nossa cultura na razão, estabelecendo o “invariante” que temos de pensar para poder agir racionalmente. 
Ao final da discussão, Laques e Nícias se identificam no resultado incompleto do debate. Voltam ao início da questão. 
Sócrates lhes reergue, por última vez, o moral: a gente volta a falar nisso amanhã.

(*) jornalista e escritor em Brasília

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