Dalva Ventura
Com 116 anos, a União Beneficente Humanitária dos Operários está passando por uma verdadeira revolução. Seu estatuto, que era muito antigo e estava totalmente ultrapassado, foi todo reformado para se adaptar aos novos tempos.
Antes tarde do que nunca. Basta dizer que, até o mês passado, antes da reforma do estatuto, a Humanitária não aceitava mulheres como sócias e nem pessoas com mais de 40 anos. Da mesma forma, só operários podiam se associar à entidade. Quem tinha formação técnica ou superior era vetado.
Resultado: a Humanitária, que no começo do século passado chegou a ter quase mil sócios, foi perdendo espaço e hoje não tem nem cem, contando os remidos. Fácil imaginar o motivo. A instituição, que já teve um papel muito importante na sociedade local, foi perdendo terreno e, consequentemente, associados.
Na época de sua fundação, em 1896, os trabalhadores brasileiros não tinham nenhuma lei previdenciária. Não tinham direito à aposentadoria, a serviços de saúde, a nada. Foi quando um grupo de ferroviários locais teve a feliz ideia de criar uma entidade que suprisse esta lacuna. A partir de uma contribuição mensal, os associados passaram a contar com uma espécie de seguridade social, que lhes assegurava amparo nos momentos de doença e na morte. O estatuto da Humanitária era tão interessante que serviu de base para a criação das leis trabalhistas brasileiras durante o governo de Getúlio Vargas.
Vargas tomou conhecimento do estatuto quando visitou a entidade, em 1943, por ocasião de sua vinda a Nova Friburgo, para inaugurar a Legião Brasileira de Assistência (LBA). Ao lhe ofertarem o estatuto da entidade, o comentário dele foi o seguinte: “Isto me é interessante”. Coincidência ou não, meses depois Getúlio implantava a seguridade social no Brasil.
Entidade quer resgatar sua importância para a comunidade
Os fundadores da Sociedade Humanitária tinham uma visão incrível. Eles já ofereciam auxílio-funeral, auxílio-enfermidade, só que os sócios foram se evadindo e os valores se tornando cada vez mais defasados. “A verdade é que nós paramos no tempo e o mundo se tornou muito dinâmico”, reconhece o presidente, Sebastião Correia de Mendonça, afirmando, porém, que a intenção da diretoria agora é recuperar o tempo perdido e seguir adiante.
Depois disso, a Humanitária foi deixando de ter a mesma importância de antes para a comunidade. E, de lá para cá, foi se tornando cada vez mais anacrônica e obsoleta. Só não acabou devido à dedicação de seus dirigentes ao longo desses anos e graças às doações dos associados. Muitos deixaram bens, inclusive imóveis para a entidade.
Além da sede própria, na Rua Augusto Cardoso, a Humanitária é dona de vários prédios e terrenos vizinhos, mas até pouco tempo o valor dos aluguéis não cobria sequer as despesas fixas. A entidade também tem dois pavimentos do Edifício-Garagem, localizado em frente ao Senai, mas, após estudo detalhado a diretoria decidiu colocar este patrimônio à venda, aplicando os recursos obtidos na compra de novos imóveis.
Segundo o advogado da Humanitária, Robson Barcelos, que há dois anos abraçou a causa, as finanças da Humanitária se encontram rigorosamente saneadas. “Conseguimos dobrar o valor dos nossos aluguéis, que eram ínfimos, e estamos prontos para retomar a busca de nossos objetivos, que é dar assistência a nossos associados e suas famílias”, afirmou.
Para tanto, além de assistência jurídica o associado conta com atendimento médico e odontológico, graças ao convênio firmado com o Sesi. Tem direito também ao Serviço de Assistência Funeral (SAF). Tudo isso desembolsando apenas R$ 10 por mês, o valor atual da contribuição. O estatuto estabelece uma mensalidade de 5% do salário mínimo – ou seja, R$ 25 – mas, como a entidade ainda oferece muito pouco aos associados, os diretores decidiram em assembleia cobrar menos que o valor previamente estipulado.
Com isso, esperam que os friburguenses voltem a se associar àquela casa, que já foi tão importante para a população da cidade. Afinal, R$ 10 é praticamente um valor simbólico e já dá direito a vários benefícios.
Vale lembrar que hoje, após a reforma do estatuto, qualquer pessoa maior de idade pode se associar à Humanitária. Difícil acreditar, mas na hora de votar determinados itens na assembleia, como o ingresso de mulheres, por exemplo, a resistência foi grande. Alguns, mesmo sendo voto vencido, continuam reticentes até hoje. “Custamos a convencer alguns companheiros de que era preciso mudar alguns itens do estatuto, como o que vetava o ingresso de mulheres, mesmo quando mostramos que hoje em dia isso é ilegal. Eles também achavam que a Humanitária era dos trabalhadores, dos operários, por isso, quem tinha curso técnico ou superior não podia se associar. Hoje, porém, a Humanitária está aberta a todos os friburguenses e, temos certeza, logo vamos conseguir aumentar, e muito, nosso quadro de sócios”, afirmou.
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