Sobre as Guardas Municipais e sua atribuição—outro ponto de vista

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
por Jornal A Voz da Serra

Robson da Silva Santos

coronelrobson@hotmail.com

A visão reducionista de que um maior número de agentes públicos nas ruas resulta em maior segurança para o cidadão é antiga e muito conectada ao senso comum.

Sem a capacitação adequada em Escolas de Formação, sem o compromisso com a prestação de um serviço de qualidade e, principalmente, sem a devida autorização constitucional, qualquer contingente uniformizado disposto nos logradouros não passa de mais um expediente ilusório da população.

O “poder de polícia”, tão cobiçado por alguns seguimentos famintos de visibilidade, não se adquire com falação; e tampouco com entrevistas de televisão vazias de substância legal. A mera colocação de equipamentos ou veículos em praça pública não significa a tão almejada proteção—se os agentes não estiverem investidos do poder de polícia necessário. E esse tipo de “poder de polícia” é indelegável e intransferível, não por opinião minha, mas por força do próprio comando constitucional.

Em um estado de direito democrático as mudanças precisam ser feitas na conformidade com a lei, no caso in concreto por via de emenda constitucional, não apenas na base da vontade de um ou outro administrador. Fosse assim, o país estaria tomado de grupamentos uniformizados a serviço desse ou daquele “senhor”.

A verdade é que as Guardas Municipais não podem efetuar o policiamento ostensivo dos logradouros públicos, por força da nossa Constituição. O argumento de que eventuais dificuldades na prestação desse serviço pelas Polícias Militares justificam esse tipo de penetração indevida na função de outra instituição púbica vem corrompendo não só o sistema de segurança como iludindo a população e afrontando a realidade legal.

Os limites de atribuição das Guardas Municipais é a proteção do patrimônio e dos serviços dos municípios.

É lamentável, mas também risível, que no cotidiano dessa discussão, sedentos de visibilidade e reconhecimento público, alguns integrantes das Guardas Municipais, tentando construir um simbolismo de autoridade e capacitação (maior do que possuem), passem a ostentar enormes distintivos e brevês adquiridos no comércio, como forma de se autocondecorarem, alardeando uma condição de importância mas esquecendo-se de que, para que esses penduricalhos tenham qualquer valor, é necessário que a lei lhes dê força de simbolismo público.

Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “o policiamento é apenas uma fase da atividade de polícia. A atuação do Estado, no exercício de seu poder de polícia, se desenvolve em quatro fases: a ordem de polícia, o consentimento de polícia, a fiscalização de polícia e a sanção de polícia. (...) O policiamento corresponde apenas à atividade de fiscalização; por esse motivo, a expressão utilizada, polícia ostensiva, expande a atuação das Polícias Militares à integralidade das fases do exercício do poder de polícia. O adjetivo ‘ostensivo’ refere-se à ação pública da dissuasão, característica do policial fardado e armado, reforçada pelo aparato militar utilizado, que evoca o poder de uma corporação eficientemente unificada pela hierarquia e disciplina”.

Em muitos municípios do Brasil remanescem as seguintes perguntas: Sob que bases está assentado o serviço desenvolvido por um guarda municipal? Possui a Guarda Municipal um Estatuto próprio ou seus agentes são regidos pela CLT? Sob que regulamento disciplinar suas transgressões são apreciadas? O que lhes acontece quando faltam ao serviço? Que compromisso prestam quando de sua contratação? Será o de dedicar-se inteiramente à segurança da comunidade mesmo com o risco da própria vida?

O desembargador Álvaro Lazzarini é categórico: “As atividades de polícia ostensiva admitem perfeitamente a condição de exclusividade, cabendo integral e privativamente às Polícias Militares”.

De fato, outra não pode ser a leitura da Constituição. A nenhum outro órgão é atribuída a missão de exercer o policiamento ostensivo. É mister exclusivo das polícias militares. Razão pela qual a nenhuma guarda municipal poderá ser outorgada, por meio de lei, a incumbência de efetuar esse policiamento. Há situações, como veremos, em que a atividade das guardas municipais pode ser confundida com policiamento ostensivo, como a utilização de viaturas, efetuação de rondas e utilização de armamento. Não há razão de ser dessa confusão. Trata-se de mero exercício das funções das guardas com os recursos existentes a fim de proteger o exercício dos serviços públicos e fazer frente à atuação de ataques ao patrimônio do município (praças, prédios públicos, jardins, etc).

De forma assessória, em não sendo possível a repressão do ilícito, os guardas devem atuar de forma a comunicar a ocorrência imediatamente às forças policiais e coletando e preservando dados que auxiliem na investigação futura, inclusive preservando a cena do ilícito até a chegada da polícia judiciária. Essa comunicação e cooperação e a coordenação entre as forças de preservação da segurança pública se faz necessária, para o bem dos próprios munícipes.

Assim, de acordo com Pedro Luís Carvalho de Campos Vergueiro: “Tais vigilantes do patrimônio municipal, quando no exercício de suas funções, estarão—mediatamente de fato e não por força de obrigação legal, sem ser atividade inerente às suas atribuições—dando, como qualquer cidadão, proteção aos municípios. A sua mera presença nos locais designados, junto a logradouros públicos ou próprios municipais, prestar-se-á como força psicológica em prol da ordem, beneficiando, assim, de forma indireta, os munícipes. Ou seja, essa vigilância do patrimônio municipal, por via de consequência, implicará proteção para os munícipes: aquela como atribuição decorrente da norma jurídica, e essa como um plus empírico resultante daquela”.

Assim, em que pesem os posicionamentos dos integrantes das guardas municipais, onde em meio às discussões e opiniões apaixonadas pela questão, esquecem-se do necessário estudo acadêmico do tema, consideramos que o desenvolvimento por cada instituição pública das suas próprias e peculiares atribuições legais resultaria em um aproveitamento maior para o sistema de segurança pública, bem como para os munícipes locais, mais do que meramente alardear ou autoproclamar uma falsa realidade.

Robson da Silva Santos é coronel da Reserva Remunerada da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, ex-comandante do 11º BPM, professor do curso de Direito da Universidade Candido Mendes.

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