Selinho entre pais e filhos é um hábito saudável?

Pais e médicos falam sobre o beijinho de boca fechada, que muitos defendem como simples manifestação de carinho
sexta-feira, 08 de fevereiro de 2013
por Jornal A Voz da Serra

Durante um show no litoral paulista, o cantor Nando Reis deu um selinho no filho adolescente, Sebastião. A foto circulou na internet e levantou uma discussão sobre esse tipo de carinho que, aos poucos, torna-se corriqueiro não apenas entre os famosos, mas também em famílias “comuns”: selinho entre pais e filhos é um hábito saudável? 
Acostumado a dar selinhos na filha, Daphne, desde quando ela era bebê, o advogado Eduardo Gasser, 42, considera a atitude uma demonstração de afeto tão normal quanto beijos no rosto ou abraços. “É carinho, amor. Não tem por que reprimir um sentimento bonito entre pais e filhos”, diz. Com a proximidade da adolescência—ela tem 11 anos—, o pai notou que a frequência dos selinhos diminuiu um pouco, mas apenas em público. “Em casa, só nos cumprimentamos assim. E na rua, quando é natural, sai um selinho também.”
O mesmo acontece com Gustavo Galina, 35. Pai de Larissa, 15, o administrador de empresas conta que os selinhos deles intercalam-se com beijinhos no rosto e abraços. “A gente não tem por obrigação dar selinho. É um carinho como qualquer outro e parte tanto de mim quanto dela. Às vezes, viro para dar um beijo no rosto e ela já está com um ‘bicão’ armado, daí é selinho. É tão espontâneo que muitas vezes nem reparo o que foi”, afirma.
Só que muita gente não deixa a cena passar em branco. Gustavo lembra de uma vez em que levou Larissa ao dermatologista e, ao ser chamada, ela deu um selinho no pai. “Uma recepcionista falou: ‘nossa, sua namorada é novinha’. Quando expliquei que era minha filha, ela comentou que então achava mais tranquilo a gente se beijar. Mas notei um ar de desaprovação”, recorda. 
Eduardo também passou por uma situação parecida recentemente. “Estávamos no posto de gasolina e, antes de ir à loja de conveniência, Daphne me deu um selinho. Olhei para o lado e vi uma senhora me encarando com reprovação. Talvez ela tenha achado que eu era um desses caras que saem com menininhas, ou que pai e filha não devam se beijar”, lembra o advogado. Assim como Gustavo, Eduardo não pretende mudar o comportamento por causa de desconhecidos.
E se eles tivessem filhos meninos? Agiriam da mesma maneira? Eles garantem que sim. “Para pai e mãe, carinho não tem gênero”, defende Eduardo. “Eu não trataria um filho com mais frieza só por ele ser homem”, reflete Gustavo.

Estranheza social 

Atualmente, muitos psicólogos não vêem problema em pais darem selinhos nos filhos, desde que a atitude não seja forçada e haja diálogo. “Se um dos membros questionar e não se sentir à vontade para continuar a fazê-lo fora de casa, seu desejo deve ser respeitado. Os adolescentes costumam evitar o selinho familiar”, explica a psicóloga Olga Tessari. “Nesse momento, é importante os adultos estabelecerem para si alguns limites”, completa a psicóloga especializada em adolescentes Eliana Olímpio.
Não importa quão bem resolvida seja a situação na família, o risco de estranheza alheia sempre existirá. Para Olga, o problema são os outros: “Muitos enxergam o selinho com uma conotação de estimulação sexual, mas se trata apenas de um hábito pouco usual socialmente, sem conotação nenhuma. A malícia e o preconceito estão nos olhos de quem o vê fora de seu contexto familiar.”
Além disso, o pai dar selinho na filha tende a ser recriminado por desafiar o estereótipo do macho. “Em nossas regras sociais, a expressão de afeto é mais coibida se manifestada pelos homens”, diz Eliana. Se o selinho for entre pai e filho, o problema pode ser maior, como esclarece o psicólogo pós-graduado em Psicologia Clínica e Institucional, Marcelo Quirino. “Questionamentos de estimulação de desejos homossexuais certamente aparecem nessa situação. A sociedade brasileira tradicional ainda resiste às trocas de carinhos homoafetivos. Logo, é uma visão dos homossexuais projetada sobre a troca de carinho entre pai e filho.”
Talvez por isso Fabiane Gasser, mãe de Daphne e mulher de Eduardo, nunca tenha percebido censura ao fato de ela também dar selinhos na filha. “Nunca notei olhares e nunca falaram nada para mim ou para ela. Eu beijo mesmo. Acho que errado seria não beijá-la no rosto, na testa, na boca. Sendo cercada de amor, ela só passará amor adiante”, afirma. 

Público e privado 

A naturalidade dos selinhos familiares não exime os pais da responsabilidade de ensinar à criança que beijinhos na boca não são adequados em todos os lugares, com todas as pessoas. “Deixar claro quais toques são pertinentes entre pessoas faz parte do processo de educação, assim como se orienta um filho a se portar em um restaurante ou em uma festa”, exemplifica Eliana.
“É preciso checar com a escola e amigos se a criança tem esse hábito com pessoas fora do seu círculo familiar e observar seu comportamento. O mais importante é os pais conversarem com a criança, pois, ao contrário do que se acredita, elas entendem os limites quando claramente expostos”, assegura Quirino. Olga vai adiante: “Cabe aos pais mostrar que não é errado dar selinhos, mas que as pessoas que não fazem parte da família não têm esse costume e podem estranhar. A orientação deve ser para manter esse comportamento apenas com membros da família.”

Saúde 

Além da questão social, é importante esclarecer as consequências que a troca de selinhos traz para a saúde dos envolvidos. Por meio do beijo, os pais podem transmitir doenças virais e bacterianas para os filhos. Raquel Muarrek, infectologista do Hospital e Maternidade São Luiz, enumera as que têm maior risco de contágio: mononucleose, herpes, coqueluche e meningite.
Justamente por causa da meningite os selinhos devem ser evitados nos seis primeiros meses de vida do bebê - idade de tomar a segunda dose da vacina. “Se o pai ou a mãe estiver doente ou com sintomas de doenças, deve ter o bom senso de não dar selinhos e evitar até beijos no rosto”, aconselha. “O controle está nas mãos dos adultos”, finaliza. (fonte: IG)

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