Márcio Madeira
Na semana dedicada aos trabalhadores, A VOZ DA SERRA conversou com um profissional especializado justamente em orientar pessoas a escolher as carreiras mais adequadas a cada perfil, a fim de conhecer os avanços recentes nessa ponte tão importante para a realização pessoal, e também para o melhor aproveitamento social dos talentos existentes. Sanmyo Paiva é psicólogo clínico, psicopedagogo clínico-institucional e consultor educacional especializado em orientação profissional e coaching em carreiras.
A VOZ DA SERRA - Quais as tendências atuais que regem os procedimentos de orientação vocacional?
Sanmyo Paiva - Na verdade, as mudanças recentes refletem-se no próprio nome da orientação. O termo vocação vem do latim "vocare”, de cunho religioso, dando a ideia de chamado, de uma escolha definitiva para toda a vida. Com o passar dos anos, essa expressão tornou-se pobre para traduzir a abrangência e a importância do profissional que ajuda o orientando a administrar sua carreira, pois o tempo nos mostrou que mudanças profissionais podem ser necessárias e salutares. Desde os anos 90 para cá, temos visto pessoas buscando mudar de profissão, conforme elas próprias vão mudando ao longo da vida. Por isso, esse termo "orientação vocacional” vem caindo em desuso. A expressão mais adotada atualmente é "orientação profissional”, mas mesmo esse termo ainda não expressa de forma satisfatória o trabalho que fazemos.
Seria possível explicar por que não?
Porque quando falamos em orientação profissional, pode parecer que trabalhamos apenas tendo em vista a profissão, e na verdade não é só isso. A rigor, nós trabalhamos sobre três pilares: autoconhecimento, mercado de trabalho e informação profissional; e também a tendência e a viabilidade das opções disponíveis, conforme a realidade do orientando. Nós, da Associação Brasileira de Orientação Profissional, buscamos sempre respeitar esse entendimento, principalmente nas escolas, que na maioria das vezes ainda funcionam voltadas para o vestibular, estimulando a "decoreba”, e não uma formação mais ampla do indivíduo ou de aspectos como o empreendedorismo. A própria pesquisa de mestrado de Leyla Nascimento, presidente da Associação Brasileira dos Profissionais de Recursos Humanos no Rio de Janeiro, aponta que a maior parte das pessoas não precisa de MBAs para serem bem-sucedidas. Elas precisam, sim, ter criatividade, liderança e bom relacionamento interpessoal, capaz de agregar pessoas.
Além do curso que se escolhe, qual a importância atual da instituição de ensino, no que se refere a abrir portas no mercado de trabalho?
Também existem muitos mitos a esse respeito. Sim, é verdade que certas instituições vão abrir mais portas do que outras, no momento de entrar no mercado de trabalho. Mas será que ter no currículo o nome de uma instituição respeitada bastará para te manter trabalhando em determinada área ou em determinado emprego? Porque existem alunos medianos em todos os lugares, e muitas vezes os estudantes não aproveitam as melhores oportunidades que eventualmente têm, ou não sentem amor pela profissão que exercem. Então, a instituição pode te ajudar a entrar, mas é a competência e a postura que vão ditar quem se estabelece no mercado. No processo de orientação, nós tentamos manter os pés no chão. Conforme sua realidade atual, o orientando tem condições de sair de Nova Friburgo para estudar no Rio de Janeiro? Porque mesmo em instituições públicas, é preciso considerar os custos para se manter noutra cidade. Somando tudo, às vezes sai mais em conta ficar em Friburgo, pagando uma faculdade particular, e continuar morando com os pais.
E quanto à remuneração? Qual o peso que deve ser dado a ela no momento de escolher a profissão?
Mais importante do que a perspectiva de remuneração é a pessoa encontrar prazer naquilo que faz, até porque a tabela de remuneração média não reflete com exatidão as discrepâncias encontradas no mercado. Da mesma forma, nada garante que uma profissão que seja valorizada hoje vá continuar a ser amanhã. Muitas vezes o período de formação do profissional dura cinco anos ou mais, e ao longo desse intervalo muita coisa pode mudar. Um mercado que era pequeno pode se aquecer ou vice-versa. Vários cursos que nem ao menos existiam em 2004 eram bastante procurados em 2010. É igualmente importante observar que profissionais bem-sucedidos conseguem bons rendimentos em praticamente qualquer ocupação que exerçam, de tal modo que a satisfação pessoal deve sempre ser o fator principal na escolha da profissão.
Sabe-se que muitas pessoas acabam sendo influenciadas pelos pais na hora de escolher a própria profissão. Qual a visão do orientador a esse respeito?
Não existe problema algum em seguir os passos dos pais, desde que o orientando decida isso baseado no próprio perfil profissional. Isso é algo que pode acontecer, duas ou mais pessoas na mesma casa apresentarem perfil parecido. O problema só existe quando a pessoa faz a escolha por outros motivos, pensando em agradar aos pais ou em aproveitar uma estrutura já existente, por conta das teóricas facilidades que isso representa. Também é preciso observar que a maioria dos pais de hoje em dia vem de uma época em que o teste vocacional era definitivo, como uma espécie de oráculo. Atualmente entendemos que nosso papel não é determinar a escolha de ninguém, mas fornecer as informações necessárias para que o orientando comece a pensar sobre o assunto, fazer os próprios questionamentos. Minha função é a de criar dúvidas, para que o cliente pense a respeito do que está escolhendo. O teste vocacional não é definitivo, ele é apenas um instrumento a ajudar no cumprimento dos três pilares sobre os quais já falamos. O processo da escolha profissional é amplo e muitas vezes o teste vocacional limita as possibilidades de escolha. Ao contrário, nós vamos sempre estimular o autoconhecimento, através de algumas questões bem básicas, sem relação direta com qualquer profissão. A partir daí, começamos a delinear o perfil profissional da pessoa, e no final é ela quem determina o que quer cursar.
Há alguns anos, o Brasil vem experimentando grande expansão na quantidade de alunos em cursos superiores. Falta conhecimento em relação aos cursos técnicos?
Sim, os cursos técnicos fornecem muitas opções e deveriam ser apresentados aos alunos no 9º ano do ensino fundamental, assim como outras opções de carreira, como a militar. Diversas pessoas têm aptidões mais práticas, não têm o perfil de ficar numa sala de aula estudando. Afinal, por que essas pessoas precisam cursar uma universidade? Lá elas vão se formar como gestoras, nas mais diversas áreas de conhecimento. Mas existem outras opções. Muitas pessoas preferem entrar no mercado de trabalho mais cedo, através de um curso técnico. E nada nesse caminho impede que a pessoa, no futuro, curse uma universidade para ampliar ainda mais o próprio conhecimento.
Essa falta de informação a respeito das opções existentes parece representar uma grande dificuldade especialmente para os jovens, que se deparam com a necessidade de escolher uma profissão sem saber muito a respeito delas ou das opções existentes. Como a orientação profissional age para superar esse problema?
Atualmente, existem 368 cursos de graduação e 71 cursos técnicos na região do Rio de Janeiro. São muitas opções, de tal modo que nós tentamos, através de instrumentos pedagógicos — e também de testes psicológicos, que apenas psicólogos podem utilizar —, ir delimitando a área de conhecimento que deveremos detalhar. Isso não significa dizer que a pessoa que goste muito de matemática terá de cursar engenharia, como costumavam afirmar os testes vocacionais. Mas os instrumentos permitem que sejam feitas as primeiras triagens, que vão afunilando as opções aos poucos. Então, à medida que nos aproximamos das áreas de conhecimento, passamos a utilizar uma outra técnica, que passa pelo levantamento das profissões. Não se trata, no entanto, de um processo determinante, mas sim de diálogo entre aquilo que obtemos a partir do autoconhecimento, as opções existentes e a viabilidade de cada uma delas. Por fim, quando chegamos ao momento em que o cliente tem uma lista de profissões com as quais se identifica mais, o mandamos a campo para conversar com profissionais dessas áreas. E fazemos questão de indicar os nomes, porque é preciso que sejam pessoas que gostem do que fazem. Da mesma forma, estimulamos que os clientes conheçam as instalações dos cursos nas universidades, as disciplinas que serão estudadas e conversem com os universitários.
Em meio a todas as tendências atuais e à própria flexibilidade que a escolha da carreira ganhou nos últimos tempos, seria possível afirmar que os métodos se aperfeiçoaram, mas que a essência da escolha profissional continua a mesma?
O sucesso profissional continua a depender do prazer e da identificação do trabalhador com sua profissão. A satisfação ainda é a mola propulsora da realização e da gratificação. Tanto assim que a célebre frase de Confúcio continua perfeitamente válida: "Escolha um trabalho que você ame e não terás que trabalhar um único dia em sua vida”.
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