Valfredo Melo e Souza (*)
O local é o Cemitério Nacional dos Soldados - palco das sangrentas batalhas de Gettysburg, Pensilvânia, EUA - ocorridas em julho de 1863. Em 19 de novembro do mesmo ano, no palanque de inauguração desse campo santo, um homem de fé, pronuncia o maior discurso que se tem notícia neste século. E durou apenas dois minutos. Um poema em prosa que acendeu a pira da democracia ocidental e dos direitos civis. Era Abraham Lincoln, o homem. Era o 16° Presidente recém-empossado dos Estados Unidos da América. À frente dos milhares de cadáveres de militares inumados, heróis dos estados do Norte e do Sul, brancos e negros, tombados na grande guerra civil americana que se estendeu até 1865, assim falou:
“Há oitenta e sete anos, nossos pais deram origem neste continente a uma nova nação, concebida na liberdade e comprometida com a proposição de que todos os homens são criados em igualdade.
Estamos agora envolvidos numa grande guerra civil, testando se esta nação, ou qualquer outra assim concebida e comprometida, pode durar muito tempo. Estamos reunidos num grande campo de batalha desta guerra. Viemos aqui dedicar parte deste campo como última morada para aqueles que deram suas vidas para que esta nação continue vivendo. O que estamos fazendo é absolutamente cabível e apropriado.
Porém num sentido mais amplo não podemos dedicar, não podemos consagrar, não podemos santificar este solo. Os corajosos homens, vivos ou mortos, que aqui lutaram o consagraram muito acima de nossa capacidade de acrescentar ou detrair. Pouca importância tem o que dizemos agora, e as palavras logo desaparecerão, mas o mundo jamais esquecerá o que eles fizeram aqui. Cabe a nós, os vivos, dedicarmo-nos aqui ao trabalho incompleto que eles, os que aqui lutaram, adiantaram de maneira tão nobre. Cabe a nós estarmos aqui, sim, dedicados à grande tarefa ainda por concluir - que cresça em nós, a partir destes mortos honrados, a devoção à causa pela qual se entregaram no mais elevado grau de sublimação; que tomemos providências dignas para que sua morte não tenha sido em vão; que esta nação, sob o domínio de Deus, experimente, um renascimento de liberdade; e que o governo do povo, pelo povo e para o povo não desapareça da face da terra.”
No século seguinte as lutas pelos direitos civis continuariam. Um exemplo de coragem de uma mulher negra: Rosa Parks, em 1955 quando se recusou a ceder seu lugar no ônibus a um homem branco, conforme determinava a lei estadual do Alabama. Rosa foi presa e liberada após pagar multa. Foi demitida do emprego e sofreu ameaças de morte. O jovem pastor da Igreja Batista, Martin Luther King Jr. abraçou sua causa e incentivou os negros a seguirem-lhe o exemplo. Um triunfo nas relações inter-raciais
Dez anos depois, Viola Gregg Liuzzo, mulher branca, mãe de cinco filhos, voluntária, (1965), na luta para dar aos negros o direito de voto, teve seu carro atacado por agentes da Ku Klux Klan na marcha ao longo da Rota 80 em direção ao Alabama. Morreu com um tiro no rosto. Centenas de ativistas foram presos, inclusive, Martin . Luther King, Nobel da Paz, assassinado em 1968, deixando um sonho de que algum dia, todos seriam julgados não pela cor da pele, mas por seu caráter.
(*) – Jornalista e escritor, residente em Brasília.
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