Roberto Ramos Sodré Ferreira é chefe de cartório da 26ª Zona Eleitoral há cinco anos e desde 1992 trabalha com procedimentos eleitorais. Nesta entrevista exclusiva para A VOZ DA SERRA, ele relembra as principais mudanças eleitorais ocorridas nos últimos anos, esclarece alguns mitos disseminados pela internet, explica os principais cuidados que devem ser adotados durante o período eleitoral e antecipa um pouco do que deve mudar nos próximos pleitos.
A VOZ DA SERRA: O que mudou no processo eleitoral ao longo dos anos em que o senhor trabalhou diretamente com eleições?
Roberto Ramos Sodré Ferreira: A legislação é essencialmente a mesma desde 1998. Ela foi alterada no fim do ano passado com a aprovação da Lei nº 12.891, que vem sendo chamada de ‘minirreforma eleitoral’, mas as mudanças só entram em vigor a partir do próximo processo eleitoral. Os demais aspectos, no entanto, mudaram muito. Para se ter uma ideia, em 1992, quando eu comecei, os candidatos entregavam a prestação de contas numa pastinha. Não havia análise desta prestação, a propaganda era muito flexível, dependia muito do critério de cada juiz. A própria eleição ainda era por cédula...
Quais as principais mudanças estabelecidas pela minirreforma para 2016?
Basicamente, o novo texto proíbe propagandas eleitorais em cavaletes e afixação de cartazes em vias públicas, mas libera bandeiras e mesas para distribuição de material, contanto que não dificultem o trânsito de pessoas e veículos. A proposta também proíbe a substituição de candidatos a menos de 20 dias das eleições e obriga a publicação de atas de convenções partidárias na internet em até 24 horas. A nova lei também limita a contratação de cabos eleitorais.
Nas próximas eleições Friburgo já contará com a identificação biométrica?
Não. No Estado do Rio esse processo está caminhando bem devagar. Somente Niterói e Búzios terão a identificação nas eleições desse ano. Antes da implementação desse procedimento aqui em Nova Friburgo, os eleitores serão convocados para que sejam capturadas as impressões digitais de cada um.
O que muda a partir do dia 5 de julho?
O calendário eleitoral, na verdade, começa um ano antes da eleição, com o encerramento do prazo para que os partidos obtenham registro de seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral e os candidatos tenham a filiação partidária deferida, e vai até 18 meses após o segundo turno, quando são destruídos os lacres que não foram utilizados nas eleições anteriores. Este ano o dia 5 de julho é uma data importante porque representa o último dia para requerimento de registro de candidatos; o marco a partir do qual os agentes públicos não podem mais nomear, contratar ou demitir sem justa causa, nem autorizar publicidade institucional de atos, programas, obras, serviços e campanhas, exceto em caso de grave e urgente necessidade pública, reconhecida pela Justiça. Tudo porque, a partir do dia 6 de julho, a propaganda eleitoral já será permitida. O calendário eleitoral completo pode ser conferido no site do Tribunal Superior Eleitoral, e tem informações bem detalhadas sobre cada dia.
Em relação ao comportamento permitido aos candidatos, o que muda com o início do período eleitoral?
Na verdade, ninguém pode se colocar como candidato até o início da campanha, que este ano começa no domingo, dia 6 de julho. A partir daí e até a antevéspera da eleição, a campanha precisa seguir algumas regras. A propaganda, por exemplo, é vedada em bens que pertençam ao poder público ou sejam de uso comum. Antigamente colocava-se propaganda em postes, em árvores, e isso tudo está vedado desde 1998. Quer dizer, restringe tudo que é bem público, permissionário, concessionário — um táxi, por exemplo, não pode ser utilizado para fazer campanha. Locais de uso comum, como shoppings, clubes, teatros, igrejas e templos também não podem abrigar propaganda de qualquer natureza.
Então só é permitida em bens particulares?
Sim. O artigo 11 da Resolução nº 23.404, no entanto, abre uma exceção gigantesca, que é ao longo de vias públicas. Nelas é permitida a colocação de cavaletes, bonecos, cartazes, mesas para distribuição de material, e bandeiras, desde que não atrapalhe o dificulte o trânsito das pessoas. A configuração de excessos acaba ficando a critério de cada juiz, porque existem os problemas de estética urbana, de dificultar a locomoção das pessoas... Então se o juiz achar — e é fácil achar — que determinada propaganda está atrapalhando o dia a dia da cidade, ela será retirada. A gente vê esse tipo de coisa o tempo todo. Essas placas podem ter até quatro metros quadrados, que é o limite daquilo que se considera uma propaganda móvel, e a grande questão é que chega um momento em que existem tantas placas que o juiz manda retirar todas elas. Em tese, essas propagandas estão de acordo com a resolução, mas na prática a situação muitas vezes fica tão caótica que elas precisam ser retiradas. Já com a minirreforma, definitivamente não vai poder haver placa ao longo de vias públicas.
E em relação ao uso de carros de som?
Carros de som precisam respeitar a distância de 200 metros em relação a escolas, bibliotecas, igrejas e teatros quando em funcionamento. Já hospitais, casas de saúde, maternidades, quartéis e sedes do poder público devem ter essa distância respeitada o tempo todo.
Com relação a comícios existe alguma restrição?
Como o comício inclui uma propagando sonora, ele também fica sujeito à regra dos 200 metros. Ao menos é isso que a maior parte dos juízes eleitorais tem entendido. O horário permitido é das 8 às 24h.
E na internet?
É permitido publicar conteúdo no perfil ou na página do candidato ou seus apoiadores, bem como responder os usuários e nutrir relacionamento com eles. Anúncios pagos, no entanto, são proibidos a partir do início da campanha. Antes disso eles são permitidos, desde que não peçam votos.
Muitos dos candidatos continuam a exercer mandatos durante a campanha, e por isso continuam sendo personagens de notícias na imprensa. Quais os cuidados que a imprensa deve ter ao mencionar esses candidatos?
Bom, existem diferenças entre os vários tipos de mídias. O jornal impresso, por exemplo, pode veicular propagandas pagas, dentro de limites estabelecidos por lei. Mas a cobertura cotidiana continua, até mesmo porque não pode existir censura prévia. O principal conselho é mesmo se ater aos fatos, evitando situações nas quais outros candidatos possam sentir ou alegar a existência de favorecimentos. Em relação aos cargos do Executivo isso é muito mais fácil, dada a menor quantidade de candidatos. Basicamente, se for feita uma entrevista com algum deles, o cuidado é que o mesmo seja feito em relação aos demais, em condições idênticas, respeitando o princípio da isonomia. Agora, na eleição proporcional é mais complicado, porque é impossível entrevistar todos os candidatos, por exemplo. Em linhas gerais o que se espera de um jornal é que ele dê as notícias relacionadas aos candidatos das eleições proporcionais da região, porque é o que interessa aos leitores. O que o veículo não pode é privilegiar candidatos em detrimento dos demais. Dar notícias não é vedado, porque não pode existir censura prévia, mas esse tipo de comportamento pode ensejar uma representação por parte de algum candidato que se sinta prejudicado. Claro que o resultado dependerá de como isso será embasado, e de como o juiz decidirá. Então, a gente não pode dizer exatamente o que pode e o que não pode. O mais importante é que haja isenção e bom senso. Em caso de dúvida, a cautela sugere que é melhor não arriscar.
Em relação aos jovens entre 16 e 18 anos, para os quais o voto não é obrigatório, como tem sido a busca pelo título de eleitor?
A procura tem sido bem pequena, na verdade. Eu não tenho os números exatos, mas ela vem caindo nos últimos anos. Neste ano acaba sendo ainda menor, porque não é uma eleição municipal. A impressão que eu tenho é de que quem não precisou lutar pelo direito de votar não dá tanto valor a essa conquista. Eu venho de uma geração que brigou muito pelo direito de votar, então talvez a gente acabe dando mais valor.
A procura é maior no público acima dos 70 anos, que também não tem a obrigação de votar?
Muito, muito maior. Principalmente na eleição municipal, que sempre mobiliza mais a população, por envolver nomes mais próximos, pessoas conhecidas, enfim...
Para encerrar, Roberto, existem diversas informações circulando pela internet, com informações que já foram diversas vezes desmentidas, mas que continuam a gerar dúvidas entre a população. Muitas dessas dúvidas dizem respeito ao índice de votos nulos, por exemplo.
É sempre bom esclarecer essas questões. Na prática, não existe diferença entre votos nulos e brancos, porque a eleição só se baseia nos votos válidos. Se todo mundo anular o voto e uma pessoa votar, o candidato em que essa pessoa votar terá 100% dos votos válidos.
Quer dizer: em tese seria possível eleger o presidente da República com um único voto?
(Resposta parcialmente dada por Diogo Lago de Melo, analista judiciário no cartório da 26ª Zona, presente à entrevista) Sim. A confusão que muitas pessoas fazem é porque existe um artigo no código eleitoral que diz que se mais da metade dos votos forem nulos haverá uma nova eleição. Mas o entendimento do TSE é que entre esses votos nulos não se contam o que é definido como ‘manifestação apolítica’ do eleitor, ou seja, os votos nulos nas urnas. Os únicos votos nulos que anulariam uma eleição seriam os votos dados a um determinado candidato que venha a ser cassado por uma decisão judicial. Ou seja, um voto nulo que não foi opcional, mas sim ocasional. Costuma haver muita campanha a favor do voto nulo, mas é preciso esclarecer que o voto nulo intencional não é contabilizado para anular as eleições.
Deixe o seu comentário