Relatório da CPI aponta superfaturamento na Saúde superior a R$ 1,1 milhão

Informações reunidas serão apresentadas à Polícia Federal, ao Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e aos Ministérios Públicos Federal e Estadual
sábado, 13 de julho de 2019
por Marcio Madeira (marcio@avozdaserra.com.br)
Os volumes totalizando 17 mil páginas diante da CPI da Saúde (Fotos: Henrique Pinheiro)
Os volumes totalizando 17 mil páginas diante da CPI da Saúde (Fotos: Henrique Pinheiro)

Dez meses após ter sido acolhida pelo presidente da Câmara de Vereadores de Nova Friburgo, Alexandre Cruz, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou os seguidos contratos emergenciais para fornecimento de alimentação hospitalar ao Hospital Municipal Raul Sertã entre 2017 e 2018 teve seu relatório e seu voto lidos ao longo desta sexta-feira, 12, no plenário da Câmara Municipal.

Ao todo, os trabalhos da comissão ficaram registrados em 60 volumes que totalizaram mais de 17.600 páginas, 200 delas dedicadas ao relatório, voto e alguns anexos. Um trabalho que adentrou muitas madrugadas e não teve pausas em fins de semana, feriados ou pontos facultativos, e que não ficou restrito aos vereadores membros da comissão, mas também demandou muito de profissionais de apoio, em especial os advogados Filipe Saturnino e Célia Campos.

Convicção

Existem muitas formas de expressar informações publicamente. No jornalismo, por exemplo, é comum que se recorra ao futuro do pretérito sempre que determinada informação ainda não conta com o respaldo de uma confirmação oficial, ou de autoridade no assunto que seja devidamente isenta. O relatório da CPI em questão definitivamente não seguiu esta linha, na medida em que apresentou seus resultados em frases afirmativas, sem hesitação ou dúvidas quanto ao resultado da apuração.

“Não estamos falando em talvez, não estamos fazendo suposições, não se trata de achismo”, enfatizou o vereador Zezinho do Caminhão, relator e autor da proposta da CPI. “As informações levantadas por esta CPI são contundentes e afirmativas. Houve sim uma série de irregularidades, descumprimento de leis, direcionamentos mais do que tendenciosos para a empresa que prestou os serviços, e isso está visível nos documentos e processos apurados. Além disso, encontramos uma sintonia muito grande, um alinhamento perfeito entre aquilo que os processos apontam e tudo o que reunimos a partir dos depoimentos colhidos. A reunião deste material retrata exatamente a irregularidade, e a partir daí, quando se prepara a fundamentação, quando ocorrem as diligências e as oitivas, tudo se confirma e se encaixa com tudo aquilo de irregular que havia sido identificado na apuração desses processos”, disse Zezinho do Caminhão, relator da CPI.

Cooperação

A composição da comissão, com dois vereadores de oposição – Johnny Maycon, presidente; e Zezinho do Caminhão, relator (foto) – e três vereadores que integram a base de governo – Marcio Damazio, Alcir Fonseca e Carlinhos do Kiko – causou certa apreensão no início dos trabalhos, diante da possibilidade de que houvesse alguma resistência interna ao andamento da investigação. Felizmente, nada disso se confirmou.

“A gente sempre teve uma participação efetiva por parte de todos os membros da comissão”, explica Johnny Maycon. “Sempre foram muito colaborativos, nunca tivemos problemas, e precisamos reconhecer isso publicamente”, completou.

Zezinho do Caminhão ecoou o mesmo sentimento: “Os vereadores de situação foram o tempo todo flexíveis em relação às demandas da comissão. Não tivemos nenhuma dificuldade para conduzir esta comissão, naquilo que dependia da atuação destes parlamentares. Prorrogação de prazo, realização de diligências, aprovação de qualquer tipo de solicitação de documento que fosse cabível, tudo fluiu normalmente. Não tivemos nenhuma dificuldade interna, nenhum problema de relacionamento”, garantiu Zezinho.

Dificuldades

Presidente e relator voltam a demonstrar sintonia quando descrevem as dificuldades que encontraram ao longo dos trabalhos. “As maiores dificuldades que nós tivemos foram com os representantes da empresa Global Trade, e também com a Procuradoria Geral do Município de Nova Friburgo. A Procuradoria precisa zelar pelos interesses da municipalidade, e não defender prefeito ou secretário”, argumentou Johnny Maycon.

“O que mais me causa espanto, e até certa tristeza, é a Procuradoria do Município não entender que o município está na condição de vítima”, afirmou Zezinho do Caminhão. “A Procuradoria, que deveria ser parceira e aliada neste tipo de investigação, criou todo tipo de dificuldades, para que a CPI não andasse. É muito triste saber que procuradores recebem dinheiro público, de uma população sofrida nessa cidade, que arca com uma carga tributária grande e não tem acesso aos direitos mais básicos estabelecidos pela Constituição, e mesmo assim esses representantes não fazem o dever de casa. Suas atuações foram de indignação e de revolta contra a CPI, praticando a verdadeira inversão de valores”, completou o relator.

Operação

Os vereadores também fizeram afirmações sobre fortes indícios de direcionamento em favor da empresa que prestou os serviços ao longo do período investigado, bem como de que dificuldades que eles afirmam terem sido criadas pelo governo municipal à prestadora anterior do mesmo serviço.

Da mesma forma, Johnny Maycon e Zezinho do Caminhão são taxativos ao afirmar que as planilhas de custos que foram apresentadas pela empresa Global Trade são fraudulentas, trazendo valores que não se confirmam em notas fiscais e demais registros contábeis. De acordo com a interpretação do presidente e do relator da CPI, estas diferenças entre os valores praticados e aqueles que foram declarados escondem o superfaturamento praticado.

Resultados

Para chegar à estimativa de superfaturamento de R$ 1.119.677,86, a CPI somou todos os valores efetivamente pagos à empresa Global Trade, de 11 de abril de 2017 a 27 de dezembro de 2018, chegando ao montante de R$ 8.816.364,31. Em seguida este valor foi dividido pelos 625 dias do período, chegando-se ao valor médio diário de R$ 14.106,18. Esta média foi então comparada com os valores que foram pagos entre 28 de dezembro de 2018 e o final de março de 2019, num período de 95 dias, já com o serviço sendo prestado a partir de processo licitatório. A média para este período foi de R$ 12.630,69. Deste modo observou-se que a diferença do valor diário médio entre o período sob vigência de contratos emergenciais e nos primeiros meses sob licitação foi de R$ 1.475,49. Este valor foi multiplicado por 625, alcançando a cifra de R$ 922.181,25.

Outra frente de superfaturamento identificada diz respeito ao gás de cozinha. Estavam previstos, no item 7.1 de todos os termos de referência e todos os contratos emergenciais, que a responsabilidade pelo consumo do gás de cozinha era da empresa contratada. Porém, quem sempre arcou com estes custos foi o município. Somente quando entrou em vigência o período sob licitação a empresa começou a pagar. No mês de janeiro de 2019, por exemplo, a empresa teve que ressarcir os cofres públicos em R$ 10.328,55 referentes ao consumo de gás.

Considerando todo este período em que a empresa deveria ter pago pelo consumo de gás de cozinha e foi o município quem pagou, chegou-se ao montante de R$ 137.659,79. Somando os dois valores, portanto, a estimativa de dano ao erário alcança R$ 1.059.841,04.

Paralelamente, foram identificadas três notas fiscais em descumprimento com o artigo 112 da instrução normativa 971 da Receita Federal, a qual estabelece que deve ser retido em nota fiscal 11% de seu valor bruto.

Este dispositivo foi observado ao longo de vários meses, mas em três notas isso não ocorreu. No somatório dessas três notas a empresa pagou R$ 11.244,30, quando deveria ter pago R$ 71.081,12, totalizando mais um superfaturamento de R$ 59.836,82. O somatório destas três frentes levou à estimativa de R$ 1.119.677,86.

A CPI observou, ainda, que custos operacionais de quando a mesma empresa forneceu alimentação à UPA também foram arcados pelo município. Cabe salientar, que estes valores não consideram, por exemplo, que a inflação acumulada ao longo do período certamente tornaria esta estimativa ainda maior. Basta, para tanto, observar que o valor médio praticado ao longo do último dos contratos emergenciais foi muito superior aos anteriores, alcançando prejuízo superior a R$ 400 mil em menos de 150 dias.

Próximos passos

Os membros da CPI prometem apresentar nos próximos dias os resultados da apuração ao Ministério Público Federal, ao Ministério Público Estadual, à Polícia Federal e também ao TCE-RJ. “Normalmente estes órgãos fazem suas investigações próprias para confirmar o que a CPI está apontando”, explica Zezinho do Caminhão. “No entanto, diante de provas tão contundentes e concretas, o Judiciário tem condições de tomar medidas de improbidade e afastamento de agentes públicos da prefeitura e da Câmara de Vereadores. Obviamente respeitamos as metodologias de todas estas instituições, mas podemos afirmar com convicção que já existem fatos concretos para embasar esse tipo de decisão”, observou Zezinho.

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TAGS: saúde | Governo
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