Questões de Estado

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
por Jornal A Voz da Serra

Maurício Siaines (*)

Volta e meia o Estado é objeto de algumas afirmações. Opõe-se Estado a mercado, critica-se o Estado empresário, fala-se no Estado como cabide de empregos, como se a administração pública não pudesse adotar princípios mais modernos de gestão e estivesse fadada à ineficiência, ou melhor, como se a ineficiência tivesse que estar sempre presente no negócio estatal, fosse inerente a ele com a mesma certeza de que todos os dias o Sol aparece. Um conjunto de convicções se formou tratando o Estado como um ser que pairasse acima das relações sociais e da cultura. Curiosamente, espíritos revolucionários, liberais e conservadores assumem postura idêntica perante essa estranha entidade.

As revoluções se propõem a criar novas organizações estatais que as sirvam, e, às vezes, até conseguem. A Revolução Russa de 1917 é reconhecida por historiadores e sociólogos como uma das mudanças mais radicais – senão a mais radical – de que se tem notícia. Ela desmontou o Estado imperial e criou uma coisa nova. Apesar disto, dez anos depois o Estado nascido dela reproduzia a mesma ordem imperial, com valores nacional-patrióticos, com o mesmo autoritarismo. O impulso revolucionário de 1917 praticamente não existia mais em 1930. Por mais que se inove, o Estado parece representar as feições mais antigas da sociedade, que parecem compor a alma do povo. O Estado é necessariamente conservador, é um contrassenso falar-se em Estado revolucionário, mesmo que sua organização surja de uma revolução.

No nosso caso brasileiro, passamos por muitas mudanças sociais. Na política essas mudanças se expressaram mais recentemente nas figuras de Fernando Henrique Cardoso e de Lula. No entanto, o velho coronelismo e as relações de compadrio a ele associadas, que têm se expressado em episódios frequentes da política, ainda prevalecem, apesar dos impulsos mais inovadores. Esta permanência das relações antigas faz pensar na experiência abaixo:

“Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula. No meio da jaula, uma escada e sobre ela, uma cacho de bananas. Quando um macaco subia na escada para pegar as bananas, os cientistas jogavam um jato de água fria, não no que subia, mas nos que estavam no chão. Depois de alguns jatos d’água, quando um macaco tentava subir a escada, os outros o espancavam. Com mais algum tempo, nenhum macaco subia mais a escada, apesar da tentação das bananas.

Então, os cientistas substituíram um dos macacos por um novo. A primeira coisa que o novato fez foi, logicamente, subir a escada. Mas foi imediatamente surrado pelos outros. Depois de algumas surras, o novo integrante do grupo também não subia mais na escada. Em seguida, os cientistas substituíram outro macaco. Claro, o novato foi direto tentar subir a escada. E, claro, foi espancado por todos os outros, inclusive aquele primeiro macaco trocado.

E assim foi, macaco a macaco, os cientistas substituíram todos por novos integrantes. No final de tudo, no grupo de cinco macacos, todos trocados, mesmo nunca tendo tomado um único banho frio, continuavam todos batendo em qualquer um que tentasse pegar as bananas.

Se desse para a gente perguntar para algum deles por que eles espancavam quem tentasse subir a escada, provavelmente um deles ia responder: ‘não sei, só sei que sempre foi assim.’.” (Alexandre Bortolini, 2008. Diversidade sexual na escola. Rio de Janeiro, Pró-reitoria de extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro.)

Entretanto, o “sempre foi assim” não pode ser visto como uma fatalidade. Do ponto de vista da democracia participativa a oportunidade do voto também nos abre a possibilidade de novos caminhos. Em 2010, depois de tantos escândalos, talvez alguns dos personagens do passado possam ser postos de lado. Mas isto não é tudo, o desenvolvimento da consciência crítica através de uma educação libertária, transformadora, seja através da arte, da música ou da formação escolar talvez seja a maior possibilidade de superação dessa tradição cultural que nos deixa tão parecidos com os macacos da experiência contada aqui.

(*) Jornalista, mestre em sociologia

mauriciosiaines@gmail.com

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